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Da inexistência de novação em aditamentos contratuais e da desnecessidade de formalização de nova garantia fiduciária.

O tema ganhou destaque a partir de pareceres da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entenderam pela novação do negócio jurídico (e não o mero aditamento) quando a cédula de crédito bancário, garantida por alienação fiduciária de imóvel, é alterada apenas na forma de pagamento, taxa de juros e condições de pagamento.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Atualizado em 18 de dezembro de 2017 13:35

Na ocasião do III Congresso de Direito Notarial e Registros Públicos realizado no dia 20 de outubro, presidida brilhantemente pelo amigo e professor Marcus Kikunaga, fui convidado para tratar sobre a "(im)possibilidade de aditamento de alienação fiduciária sem a caracterização de novação e (des)necessidade de formalização de nova garantia fiduciária.

O tema ganhou destaque a partir de pareceres da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entenderam pela novação do negócio jurídico (e não o mero aditamento) quando a cédula de crédito bancário, garantida por alienação fiduciária de imóvel, é alterada apenas na forma de pagamento, taxa de juros e condições de pagamento.

Nesse sentido, cite-se:

"Registro de Imóveis - Averbação - Aditamento, por instrumento particular, a cédula de crédito bancário - Possibilidade - Necessidade, contudo, de registro, em sentido estrito, dada a existência de novação - Precedentes dessa Corregedoria Geral da Justiça - Recurso não conhecido, em face da ausência do título original"1.

No caso acima referido, o aditamento contratual apenas renegociou o saldo devedor (então no valor de R$ 414.900,00, passando para R$ 412.900,00), prorrogando as 96 parcelas ao futuro e reduzindo a taxa de juros de 1,63% para 1,00%, ao mês.

Como se verifica, o aditamento foi evidentemente benéfico ao devedor pois reduziu o valor da dívida e da taxa de juros, além de prorrogar o pagamento ao futuro. O aditamento teve por escopo alterar, apenas e tão somente, o valor da dívida, o prazo para o pagamento e a taxa de juros. Nada além disso. A garantia permaneceu a mesma.

Contudo, parecer da lavra do Juiz Assessor da Corregedoria, mesmo diante de tais circunstâncias, afirmou que o título, "independentemente de nominado como aditamento, representa novo negócio jurídico fiduciário, uma vez que altera forma de pagamento, taxa de juros e condições de pagamento, caracterizando inegável novação". O mesmo parecer alega que, nessas circunstâncias, modificam-se os "elementos essenciais" do negócio.

Referido parecer foi aprovado pelo então Corregedor Geral do Tribunal de Justiça, que também entendeu se tratar de novação ao negócio jurídico. Nesses termos, a Corregedoria entendeu correto o procedimento do Cartório de Registro de Imóveis que negou a averbação ao aditamento, bem como cancelou as alienações fiduciárias anteriormente registradas e acabou por registrar o título com a constituição de novas alienações (sobre os exatos e mesmos bens).

Naturalmente que, ao negar a averbação do aditamento, cancelar as garantias anteriores, registrar a mera repactuação como novo contrato e constituir novas garantias, fez-se aumentar o custo registral aos contratantes.

Não nos parece, contudo, que há qualquer fundamento para considerar que a mera repactuação da dívida no valor histórico, na taxa de juros e no prazo para o pagamento possa caracterizar novação, sobretudo quando a garantia ao contrato permanece intocável: alienação fiduciária sobre o mesmo bem.

Segundo o Código Civil, dá-se a novação quando o devedor contrai com o credor nova dívida, para extinguir e substituir a anterior (art. 360, inciso I). A mera repactuação nos termos acima expostos não tem o condão de extinguir a dívida anterior para a constituição de uma nova. A dívida e a garantia permaneceram inalteradas.

Mais do que isso. Como se sabe, o animum novandi é requisito imprescindível para a novação do contrato. Aliás, o próprio art. 361, do Código Civil, é expresso ao afirmar que somente há novação quando as partes têm o ânimo de novar.

Como bem asseverou Paulo Netto Lôbo2, em caso de dúvida, não há novação, mas continuidade da dívida anterior. Ressalta o autor que a intenção de novar não pode ser presumida.

Pelos portugueses, João de Matos Antunes Varela3 afirma que a novação requer a existência e prova da vontade das partes em extinguir a obrigação e de constituir, em lugar dela, uma outra4.

No caso de aditamento de cédula bancária, como se sabe, após declararem a intenção na forma de pagamento, regra geral as partes expressamente pactuam que todas as demais condições da cédula permanecem as mesmas. As partes, portanto, expressamente afastam a intenção de novar.

Não há como o Estado presumir a novação se as partes expressamente não consentem nesses termos e se as circunstâncias contratuais demonstram evidente e mera repactuação da dívida. Em tais circunstâncias, a lei não permite e a doutrina não entende haver novação.

Maria Helena Diniz5, em artigo publicado na Revista de Direito Civil no ano de 1978, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (cujo regramento para o tema é repetido no Código Civil de 2002), afirmava inexistir novação "quando se adicionam à obrigação novas garantias; quando se abate o preço; quando se concedem maiores facilidades de pagamento; quando se dilata o prazo; quando se reduz o montante da dívida; quando se anui modificação da taxa de juros; quando houver a mera tolerância do credor".

Também para Paulo Neto Lôbo6, não constitui novação "a mudança de prazo do contrato; o aumento ou redução da prestação devida; a constituição ou modificação de garantia real ou pessoal; a alteração da taxa de juros", dentre outras situações.

O sempre brilhante Pontes de Miranda7 afirma ser possível modificar a prestação devida quanto ao seu conteúdo, lugar, tempo, condições e termo, sem se fazer necessária a categoria jurídica da novação. De forma quase poética, arremata o autor: "não se novaria, prometendo-se, mais uma vez, o que já se devia"8.

O fundamento dos pareceres da Corregedoria torna-se ainda mais injustificado quando se verifica que o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de acórdãos proferidos por Câmaras de Direito Privado, entende que essa mera repactuação de dívida não pode ser considerada como novação.

Nos termos de acórdão proferido pela 18ª Câmara de Direito Privado, em apelação9 relatada pelo des. Edson Luiz de Queiroz, entendeu-se que "a repactuação da obrigação, com alteração apenas da forma de pagamento da obrigação" não configura novação, sobretudo quando as partes expressamente ressaltam que todas as demais cláusulas do instrumento de confissão permanecem inalteradas. A decisão também afirma expressamente a impossibilidade de se presumir o animus novandi.

Noutro acórdão, agora relatado pelo des. Francisco Loureiro10, entendeu-se que a simples repactuação na forma de pagamento, redução da garantia e cronograma de pagamento não importam em novação.

O acórdão ainda se valeu das lições de outro desembargador, Prof. Hamid Charaf Bdine11, para quem "se a modificação é de pouca importância para o conteúdo da prestação, não há novação, como ocorre quando o devedor aceita parcelar uma dívida à vista, concorda em fazer um pequeno abatimento ou quando há reforço de garantia".

Por fim, não há qualquer fundamento técnico em afirmar que a mera repactuação nos termos acima expostos implica em modificação dos "elementos essenciais" do negócio jurídico, tal como esposado em alguns pareceres da Corregedoria. Segundo Antônio Junqueira de Azevedo12, os elementos essenciais do negócio jurídico dizem respeito à validade do negócio jurídico. Assim, por exemplo, a manifestação de vontade isenta de vícios. A mera repactuação do vencimento de uma obrigação, naturalmente, em nada diz respeito à elemento essencial do negócio jurídico.

O incorreto entendimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo não impacta apenas na majoração dos custos registrais aos contratantes. Além disso, ao entender que há novação e, portanto, a constituição de uma nova modalidade de garantia, isso significa que no momento em que o CRI entende pela extinção do contrato anterior, a modalidade de garantia também se esvai.

Prevalecendo tal entendimento, nesse ínterim, outros credores poderiam requerer a penhora do bem anteriormente dado em garantia, uma vez que a constrição sobre ele foi extinta. Esse fato certamente trará instabilidade ao mercado e insegurança jurídica em uma modalidade de garantia até então entendida respeitada: a alienação fiduciária.

Nesses termos, nas circunstâncias onde a alteração do contrato diz tão somente a questões de prorrogação de prazo e alteração da taxa de juros, permanecendo a garantia inalterada, não se pode falar em novação, sob pena de violação frontal ao texto legal do Código Civil e à boa técnica do Direito Civil.

Esperamos que, uma vez renovada a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo no ano de 2018, novos pareceres possam alterar o entendimento aparentemente já consolidado. Antonio Junqueira de Azevedo e a boa técnica jurídica agradecem.

Ao final, estando próximo do natal, desejo aos amigos migalheiros um ano abençoado, de muita saúde e prosperidade.

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1 Processo 0001513-26.2014.8.26.0547, Juiz: Swarai Cervone de Oliveira. Aprovado pelo Corregedor Dr. Manoel de Queiroz Pereira Calças. 9.12.16. Disponível em: Alienação fiduciária aditamento X novação. Acesso em 31.10.17. Há, ainda, outros processos a serem citados. Dentre eles: Processo 0001131-55.2017.8.26.0344, Juiz: Carlos Henrique André Lisboa. Aprovado pelo Corregedor Manuel de Queiroz Pereira Calças, 6.6.17; Processo nº CG 2015/31763, Juiz: Gustavo Bretas Marzagão. Aprovado pelo Corregedor Hamilton Elliot Akel em 30.3.15.

2 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 252.

3 ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. v. II, 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 236.

4 Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, na novação, não há nova dívida, nem transformação de uma dívida (ou obrigação) em outra, mas dívida que assume o lugar de outra. (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 250/251).

5 DINIZ, Maria Helena. Novação. Doutrinas Essenciais. v. II. Obrigações: Função e Eficácia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 873. Republicação do artigo publicado na Revista de Direito Civil, RDCivil 5/33. julho-setembro, 1978.

6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 254.

7 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. § 3.018, p. 68.

8 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XXV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1959. § 3.019, p. 80.

9 Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 1000888-67.2015.8.26.0602, Rel. Edson Luiz de Queiroz, j. 2 de agosto de 2016.

10 Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 2218473-60.2016.8.26.0000, Rel. Francisco Loureiro, j. 9 de dezembro de 2016.

11 BDINE, Hamid Charaf. Código Civil Comentado por diversos autores. Coord. Min. César Peluso. São Paulo: Manole, 2ª ed. p. 318.

12 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 26.

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*Alexandre Junqueira Gomide é advogado do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados.






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