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PEC 181/15: direito à vida x pós verdade

Ainda que nos consideremos ingenuamente na era da pós-verdade, onde o emocional conta mais do que o real, há bens básicos que não podem depender da arbitrariedade de decisões cuja "customização" possa abrir a caixa de Pandora. Bens básicos deveriam ser somente protegidos, sendo o mais essencial deles a vida.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Atualizado em 29 de dezembro de 2017 10:03

A recente proposta de Emenda à Constituição (PEC) visando ampliar o direito das mães de bebes prematuros e de seus respectivos filhos, ressalta também o já plasmado na legislação brasileira de que o direito à vida está assegurado desde a concepção, fluindo da Constituição Federal, que defende em seu artigo 5º, sua inviolabilidade, e não mais como na Carta anterior, os direitos concernentes à vida, em perfeita harmonia com o Código Penal, que também reconhece o nascituro como titular de direitos a partir da concepção, ainda que só possa assumir sua personalidade civil, sendo registrado como cidadão.

Por outro lado, na expectativa do julgamento da ADPF 442 - um verdadeiro aborto jurídico que fere a espinha dorsal da democracia - o PSOL tentou novamente uma manobra oportunista, apresentando um pedido de autorização de aborto para uma mulher de 30 anos por razões econômicas e emocionais, como estas pudessem justificar o assassinato intrauterino. Analogamente podemos pensar que em caso de legítima defesa, admite-se matar pois os bens em conflito estão no mesmo nível. Abrir portas ao "aborto econômico" seria efetivamente um atentado ao primeiro direito humano e, provavelmente, comporta para outras atrocidades.

A sensatez de nosso STF, na referida decisão nos animou não só no sentido da defesa desse direito fundamental, mas na confiança resgatada sobre a possibilidade de viver realmente em um Estado Democrático de Direito, de acordo com o estabelecido em nossa Constituição.

Infelizmente, a senhora em questão, afirmou nos meios de comunicação ter conseguido fazer o aborto na Colômbia na semana passada, a convite do Consorcio Latinoamericano contra o Aborto Inseguro. Nesse sentido, declarou que "eles entenderam que meu sofrimento se enquadrava como perigo para minha saúde".

A argumentação - prato cheio para a mídia sensacionalista e dada à exploração emocional - foi esgotada, porém vazia, já que um motivo econômico é incapaz de justificar um atentado à vida, que melhor se classificaria como crime hediondo.

De fato, sob uma análise antropológico jurídica, a evocação do direito incondicional à vida desde o primeiro momento faz sentido e é uma garantia de que os demais direitos serão respeitados. No que se refere aos direitos fundamentais, cabe ao Estado simplesmente reconhecê-los e não atribuí-los. O jusfilósofo John Mitchell Finnis relembra que para um saudável diálogo na polis é preciso que concordemos no básico, para que o opinável - muito mais vasto - possa ser democraticamente decidido. Recorrendo novamente a uma analogia, podemos pensar que quando um par se casa pode discutir sobre o local da moradia, porém não colocarão em pauta se a infidelidade é viável e admitida ab initio.

Ainda que nos consideremos ingenuamente na era da pós-verdade, onde o emocional conta mais do que o real, há bens básicos que não podem depender da arbitrariedade de decisões cuja "customização" possa abrir a caixa de Pandora. Bens básicos deveriam ser somente protegidos, sendo o mais essencial deles a vida.

Por outro lado, a reação - pequena, mas barulhenta -, de grupos que foram às ruas, alegando ser um retrocesso a introdução de "desde a concepção" no ordenamento jurídico brasileiro demonstram o quanto a manipulação ideológica trabalha ainda no nível da ignorância e não da verdade.

De fato, a inserção das três palavras na Constituição Federal, apenas confirma a unidade sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o Código Civil garante os direitos do nascituro e o Código Penal tipifica aborto como crime contra a vida.

Os gritos proferidos por militantes cegos demonstram ainda um profundo desconhecimento jurídico do direito brasileiro, já que nosso país é também signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece em seu art. 4º que "toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente", possuindo em território nacional, eficácia de norma supralegal.

Portanto, já vigora no Brasil a determinação para que a vida seja respeitada desde a concepção, restando apenas a explicitação formal. Mas, ainda que não houvesse a referida inclusão, nada seria alterado, uma vez que a legislação veda qualquer possibilidade de violação à vida.

O apoio ao abortismo consiste em se realizar um apelo incondicional à inexistente autoridade de conferir ou negar a alguém o estatuto de "ser humano", podendo interromper-lhe a vida quando for conveniente. A arbitrariedade se apoia mais no factual do que no real, sustentada pelo interesse do momento. De fato, nada mais característico daqueles que defendem uma igualdade fictícia do que a desigual distribuição da dignidade humana. Cada vez mais se faz presente a frase de Dmitri Karamazov: Sem Deus [...] tudo é permitido".

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*Angela Vidal Gandra Martins é doutora em Filosofia do Direito (UFRGS) e sócia da Advocacia Gandra Martins.

*Guilherme Stumpf é graduando em Direito (UFRGS) e membro do grupo de pesquisa Filosofia e Direito.

Advocacia Gandra Martins

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