Caso Isabella: processos midiáticos, prisões "imediáticas"
O caso Isabella, em virtude da imensa repercussão que ganhou na mídia e na população em geral, deve ser classificado (evidentemente) como um caso midiático. Os casos midiáticos, desgraçada e normalmente, seguem o chamado "processo midiático", que conta com "regras" próprias, distintas das típicas do processo penal do Estado constitucional de Direito.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Atualizado em 9 de maio de 2008 15:44
Caso Isabella: processos midiáticos, prisões "imediáticas"
Luiz Flávio Gomes*
O caso Isabella, em virtude da imensa repercussão que ganhou na mídia e na população em geral, deve ser classificado (evidentemente) como um caso midiático. Os casos midiáticos, desgraçada e normalmente, seguem o chamado "processo midiático", que conta com "regras" próprias, distintas das típicas do processo penal do Estado constitucional de Direito. O caso midiático, de outro lado, transforma-se naturalmente na mais atrativa novela do país. O capítulo de hoje versa sobre a prisão preventiva.
O processo midiático (conduzido pela mídia) caracteriza-se, em primeiro lugar e desde logo, pelo imediatismo (assumido pelos órgãos estatais persecutórios, em razão do clamor público e da pressão midiática). Em outras palavras: é um processo midiático e "imediático".
Regra básica: o tempo do processo midiático não é o mesmo do processo penal descrito nas leis vigentes no país.
Nos processos comuns (normais) tudo é lento: a investigação é lenta, os laudos demoram meses, não existe pressão da mídia, ninguém presta esclarecimentos públicos etc. Nos processos midiáticos, ao contrário, por serem regidos pelo inconsciente coletivo vingativo, pretende-se que tudo seja imediato: a colheita das provas, a confissão dos suspeitos, a elaboração dos laudos, as declarações da polícia e do ministério público, a prisão temporária, a preventiva etc.
O julgamento popular e midiático também é imediato, sem demora. É um julgamento cheio de "certezas" peremptórias. O "eu acho" transforma-se prontamente em convicções inabaláveis Na era medieval (como nos demonstrou Foucault) o corpo do suspeito era sacrificado em praça pública (para servir de exemplo às demais pessoas). No processo penal midiático a execração pública é rápida e urbi et orbi (na cidade e no mundo). O suspeito pode ser inocente ou culpado (isso é irrelevante): ele sempre é execrado.
Nos processos midiáticos as prisões devem ser imediatas. A polícia e o ministério público, em regra, incorporam nas suas atividades as pressões midiáticas e populares. Postulam prontamente a prisão temporária, ainda que desnecessária. Reivindicam a prisão preventiva, embora não haja base legal.
No caso Isabella a prisão temporária foi decretada pelo juiz "imediaticamente". Ele seguiu, naquele momento, o indevido processo midiático. Um Desembargador (Canguçu de Almeida) cassou-a, com base no devido processo legal vigente. Como se vê, as "normas" do indevido processo penal midiático não se ajustam às regras do devido processo legal do Estado constitucional de Direito.
No capítulo de hoje a novela do "caso Isabella" versa sobre a prisão preventiva, postulada pela polícia e (ainda não oficialmente, mas oficiosamente) também pelo ministério público. Polícia e Ministério Público, nos processos midiáticos, normalmente jogam para a torcida, ou seja, para o clamor público. Isso explica o seguinte: nenhum dos requisitos legais previstos no art. 312 do CPP (clique aqui) (garantia da ordem pública ou econômica, preservação probatória ou garantia de cumprimento da lei penal) está presente. Mas a prisão é pedida assim mesmo, com ou sem base legal. Afinal, estamos falando de um processo midiático, assumido pelos órgãos oficiais em decorrência do clamor público e da pressão midiática.
Resta saber qual será a postura que o juiz vai adotar. Existem duas: aplicar o Direito penal do cidadão (que é regido pelo devido processo legal) ou, contrariamente, o Direito penal do inimigo, defendido pelo penalista alemão Jakobs (que significa conferir a determinados suspeitos ou acusados um tratamento discriminatório e diferenciado). De acordo com a lógica do primeiro, não haverá prisão preventiva. Consoante as "regras" do segundo, decretar-se-á a prisão preventiva (que será, posterior e seguramente, revogada pelo Tribunal).
Recorde-se: clamor público, gravidade da infração penal hedionda etc. são motivos (apenas) midiáticos para a decretação da prisão preventiva. Não estão previstos na lei nem são aceitos pelo STF. Fazem parte do indevido processo penal midiático, do "Código penal" midiático, não do devido processo legal.
Conclusão: pelo direito vigente (construído sobretudo pelo STF a partir do texto legal) não cabe, por ora, prisão preventiva no caso Isabella. Em qualquer momento, entretanto, desde que haja motivo fático certo, ela pode ser decretada. Por ora a mídia não divulgou nenhuma razão concreta para isso.
Se observado o Direito penal do cidadão não haverá prisão preventiva. Mais de 80% dos acusados de crimes hediondos estão soltos (respondem ao processo em liberdade). Se seguidos o processo penal midiático e o Direito penal do inimigo, teremos a prisão preventiva. Aguardemos, mas sempre desconfiando do "Vox populi, vox Dei". Nem sempre a voz do povo ou a voz da mídia é a voz do devido processo legal. Clamor popular, comoção social, pressão midiática... hummmmm, cuidado!
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