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Emissão de duplicatas, boletos bancários e suas consequências

Rodrigo Forlani Lopes e Fernando do Amaral Perino

Com a globalização, existe a real necessidade de que a circulação de bens e riquezas seja feita de forma rápida e eficaz, atendendo aos anseios do capitalismo moderno. Assim, grande agilidade na celebração de negócios pode representar sucesso nas operações comerciais de compra e venda.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Atualizado em 16 de setembro de 2010 10:32


Emissão de duplicatas, boletos bancários e suas consequências

Rodrigo Forlani Lopes*

Fernando do Amaral Perino**

Dos "Boletos bancários" e das Duplicatas

Com a globalização, existe a real necessidade de que a circulação de bens e riquezas seja feita de forma rápida e eficaz, atendendo aos anseios do capitalismo moderno. Assim, grande agilidade na celebração de negócios pode representar sucesso nas operações comerciais de compra e venda.

Pensando nessa atual necessidade, os Bancos criaram mecanismos eletrônicos para a transferência de valores através de transações on line, evitando a burocracia da confecção de duplicatas e triplicatas, eliminando a etapa do envio do título de crédito para o aceite e consequente devolução, além de contribuir com o meio ambiente, visando o desenvolvimento sustentável.

Diante desse cenário, criou-se o "boleto bancário", que é gerado a partir da emissão de notas fiscais de compra e venda de mercadorias, dando maior agilidade e organização para os papéis de cobrança.

Como é cediço, os "boletos bancários" são documentos representativos de dívidas, autorizados a serem emitidos através de normas exaradas pelo Banco Central. Muito embora tal entidade não possa legislar, ela pode, de outro lado, regulamentar o sistema de cobrança, e efetivamente o fez, ao criar a carta circular nº 002414, editada em 7/10/93, complementada pela circular nº 003255, de 31/8/04.

Assim, estabelece o seu artigo 1º, in verbis:

"Art. 1º Estabelecer que o bloqueto de cobrança deve ser utilizado para fins de registro de dívidas em cobrança nas instituições financeiras, relacionadas com operações de compra e venda ou de prestação de serviços, inclusive daquelas atinentes a efeitos em cobrança, tais como duplicatas, notas promissórias, bilhetes ou notas de seguros, de forma a permitir o pagamento da dívida-objeto em instituição financeira distinta da cobradora."

Nesse diapasão, a legalidade da emissão de boletos bancários para a cobrança de valores que decorrem de compra e venda não se pode negar.

Para dar lastro a esses "boletos bancários", a empresa emissora, entretanto, deverá manter em seus registros a cópia da nota fiscal emitida e também do comprovante de entrega dessas mercadorias.

Pode-se dizer então, que o "boleto bancário" é um título atípico, uma vez que não está previsto no rol elencado pelo CPC (clique aqui), em que pese o disposto no artigo 889, § 3º do Código Civil:

"Art. 889 (...)

§ 3º - o título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo."

Desta feita, o próprio CC (clique aqui) permite a emissão de um título representativo de um crédito através dos meios eletrônicos.

O inciso VIII deste mesmo artigo, reza que serão títulos de crédito todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva. Ainda assim, não existe uma lei que disciplina a emissão dos "boletos bancários", apenas uma regulamentação editada pelo BC.

É válido ressaltar que não se pode equiparar os "boletos bancários" à duplicata, porque a eles faltam os requisitos mínimos exigidos pela lei 5.474 (clique aqui), de 18 de julho de 1968, que trata das duplicatas, in verbis:

"Art . 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

§ 1º A duplicata conterá:

I. a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;

II. o número da fatura;

III. a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;

IV. o nome e domicílio do vendedor e do comprador;

V. a importância a pagar, em algarismos e por extenso;

VI. a praça de pagamento;

VII. a cláusula à ordem;

VIII. a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;

IX. a assinatura do emitente."

Todavia, a emissão de duplicata para cada transação comercial numa empresa de grande porte, inviabilizaria a realização de grandes negócios, burocratizando sobremaneira as operações financeiras, trazendo imenso desconforto tanto para a empresa vendedora, como para o cliente, comprador.

Sob outro aspecto, a emissão da duplicata serviria apenas para possibilitar ao credor a utilização da via executiva, que é mais célere, visando recuperar o crédito decorrente da compra e venda mercantil, mas nada mais que isso, pois a própria Lei das Duplicatas (lei 5.474, de 18 de julho de 1968) reza que a duplicata poderá ser extraída da emissão de fatura e não que obrigatoriamente deverá ser.

Ainda assim, a empresa credora possui outros mecanismos legais para a cobrança desse crédito, podendo lançar mão de ações de cobrança ou ações monitórias.

Do protesto das duplicatas e dos boletos bancários

A propositura da ação de execução, para a cobrança de duplicata ou triplicata, pode se dar nos seguintes cenários:

(i) duplicata ou triplicata aceita, e;

(ii) duplicata ou triplicata não aceita, mas que esteja protestada, acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria, e ausência de comprovante de recusa do aceite em razão de vícios, defeitos, avaria, divergência nos prazos ou preços ajustados.

Verifica-se que, para o caso de duplicata ou triplicata aceita, não existe a necessidade do protesto, pois a aposição da assinatura do comprador supre a necessidade de apresentação de qualquer outro documento capaz de comprovar a relação comercial. Para todos os demais casos, o protesto torna-se indispensável à propositura de ação de execução, além da apresentação dos demais documentos acima mencionados.

O protesto do "boleto bancário" é ponto divergente entre os Cartórios brasileiros, haja vista que é possível o protesto por mera indicação.

Essa questão merece uma análise mais cuidadosa.

Ao solicitar um protesto por indicação, o devedor pode comparecer em Cartório ou diretamente diante do seu credor e realizar o pagamento, servindo o protesto como uma fonte de coerção para o pagamento, evitando, assim, o ingresso de medida judicial.

Contudo, no caso de o devedor sustar judicialmente esse protesto por indicação, e a duplicata não tiver sido efetivamente sacada, tal conduta omissiva pode gerar um dever de indenizar, na medida em que "boletos bancários" não são considerados títulos de crédito.

De mais a mais, a lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, em seu artigo 21, menciona que o protesto somente pode ser realizado por indicação, quando o sacado tiver retido o título, in verbis:

"Art. 21. O protesto será tirado por falta de pagamento, de aceite ou de devolução.

(...)

§ 3º Quando o sacado retiver a letra de câmbio ou a duplicata enviada para aceite e não proceder à devolução dentro do prazo legal, o protesto poderá ser baseado na segunda via da letra de câmbio ou nas indicações da duplicata, que se limitarão a conter os mesmos requisitos lançados pelo sacador ao tempo da emissão da duplicata, vedada a exigência de qualquer formalidade não prevista na Lei que regula a emissão e circulação das duplicatas." (destacamos)

A partir do quanto disposto neste artigo, conclui-se que não é aconselhável o envio de "boleto bancário" para o protesto, indicando que existe uma duplicata mercantil que lhe dê lastro, caso ela de fato não exista.

Extrair triplicata sob argumento de que a duplicata foi extraviada ou retida pelo comprador, também pode ser arriscado, pois a triplicata somente poderia ser tirada caso a duplicata tivesse sido emitida dentro do prazo de 30 (trinta) dias contados da data da entrega da mercadoria ou do seu despacho, sendo certo que o protesto deste título também pode gerar o dever de indenizar.

A despeito do artigo 1ª da Lei de Protestos (lei 9.492, de 10 de setembro de 1997), ao estabelecer que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, nossa jurisprudência e doutrina são divergentes, pois, como mencionado anteriormente, o legislador não editou nenhuma norma acerca da emissão dos "boletos bancários", deixando a cargo somente de regulamentação do Banco Central.

Os Tribunais têm entendido que nem mesmo as notas fiscais são passíveis de serem protestadas, como se depreende do julgado abaixo colacionado:

"APELAÇÃO CÍVEL - NOTA FISCAL - INEXISTÊNCIA DA RESPECTIVA DUPLICATA - IMPOSSIBILIDADE DE PROTESTO - INEXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO - NÃO COMPROVAÇÃO. A simples nota fiscal não enseja apontamento de protesto, por não constituir título de crédito. A emissão de nota fiscal sem remessa do título para aceite ofende o direito do sacado de realizar a recusa legal a que se referem os artigos 8º e 21 da Lei 5.474/68; O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte. A prova das alegações cabe a quem alega o fato. Inteligência do art. 333, I do CPC." [TJMG. Autos n° 2.0000.00.419056-9/000(1). Rel. Domingos Coelho. DJ. 10.03.2004]

Isso porque a simples emissão da nota fiscal não é considerada, em nosso ordenamento jurídico, como um título de crédito, apesar de ser efetivamente um documento hábil para se comprovar a existência da transação comercial e consequentemente representativa de um crédito.

Tem-se então, que para a efetivação do protesto faz-se necessária a emissão de um título de crédito, ou da existência de um contrato escrito, com força de título executivo, acompanhado da nota fiscal e comprovante de entrega da mercadoria, para que possa ser possível indicar o valor que se pretende protestar.

Muito embora o artigo 8º da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997 permita a indicação de protestos de duplicatas mercantis de prestação de serviços por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, a responsabilidade pela existência de fato desses títulos é do apresentante do documento ao Cartório de Protestos.

Conclusão

Conclui-se, com base no exposto, que a legislação, no caso de compra e venda mercantil, ainda preza pela emissão da duplicata impressa, nos moldes da norma que a criou, tanto para permitir o seu protesto, como para viabilizar a propositura de ação executiva.

Assim, a fim de evitar eventual ação de indenização pelo protesto de documento que não é considerado como título de crédito, a melhor solução para a cobrança de créditos dos devedores, além da cobrança extrajudicial, é a propositura de ação monitória buscando a constituição do título executivo judicial que precede a fase de expropriação de bens, ou propositura de ação de cobrança pelas vias ordinárias.

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*Advogados do escritório França Ribeiro Advocacia


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