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Da lei nº 11.265/2006 e a regulamentação da comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância

Claus Nogueira Aragão e Bruno Toledo Checchia

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Atualizado em 8 de fevereiro de 2006 09:26


Da lei nº 11.265/2006 e a regulamentação da comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância

Claus Nogueira Aragão*

Bruno Toledo Checchia*

Em 1979, em reunião conjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 150 países, dentre os quais o Brasil, se comprometeram a regulamentar a comercialização e distribuição de alimentos para lactentes. Isso porque, desde a década de 1960, pesquisas científicas apontavam para a necessidade de estimular o aleitamento materno como forma de combate à desnutrição e mortalidade infantil.

Não obstante a existência de resolução do Conselho Nacional de Saúde tratando da matéria, a comercialização de produtos para lactentes e crianças de primeira infância (até três anos de idade), somente veio a ser regulamentada pela Lei nº 11.265, de 3 de janeiro de 2006, publicada no "Diário Oficial" da União de 4 de janeiro de 2006.

Em seu artigo 1o, a Lei em apreço é clara em afirmar que o seu objetivo é o de contribuir para a adequada nutrição dos lactentes e das crianças de primeira infância por meio (i) da regulamentação da promoção comercial e do uso apropriado dos alimentos para tais crianças, bem como do uso de mamadeiras, bicos e chupetas; e (ii) do incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e, partir dessa idade, combinado com a introdução de outros alimentos.

A Lei em comento, que traz em seu bojo a definição de todos os termos a que se refere, o que certamente evita problema de interpretação, se aplica à comercialização e às práticas correlatas, à qualidade e às informações de uso dos seguintes produtos fabricados no Brasil ou importados:

(i) fórmulas infantis para lactentes e fórmulas infantis de seguimento para lactentes;

(ii) fórmulas infantis de seguimento para crianças de primeira infância;

(iii) leites fluidos, leites em pó, leites modificados e similares de origem vegetal;


(iv) alimentos de transição e alimentos à base de cereais indicados para lactentes ou crianças de primeira infância, bem como outros alimentos ou bebidas à base de leite ou não, quando comercializados ou de outra forma apresentados como apropriados para a alimentação de lactentes e crianças de primeira infância;

(v) fórmula de nutrientes apresentada ou indicada para recém-nascido de alto risco; e

(vi) mamadeiras, bicos e chupetas.

Com o advento da Lei nº 11.265/2006, passou a ser proibida a promoção comercial de fórmulas infantis para lactentes (definidas pela Lei como produtos em forma líquida ou em pó destinados à alimentação de lactentes até o sexto mês, em substituição total ou parcial ao leite materno); de fórmulas de nutrientes para recém-nascidos de alto risco (compostos de nutrientes suplementares para recém-nascidos prematuros ou de alto-risco); e de mamadeiras, bicos e chupetas.

A Lei estabeleceu, também, restrições à propaganda dos demais produtos que abrange, quais sejam: fórmulas infantis para crianças de primeira infância; leites fluidos, leites em pó, leites modificados e similares de origem vegetal; e alimentos de transição (alimento industrializado utilizado como complemento do leite materno) e alimentos à base de cereais indicados para lactantes ou crianças de primeira instância.

Em conformidade com o objetivo da lei de colaborar para o incentivo ao aleitamento materno, tais produtos devem incluir, em seus rótulos, os dizeres: "O Ministério da Saúde informa: o aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os 2 (dois) anos de idade ou mais" e "O Ministério da Saúde informa: após os 6 (seis) meses de idade continue amamentando seu filho e ofereça novos alimentos".

Aspecto importante da Lei nº 11.265/2006 é a atribuição de responsabilidade aos fabricantes, distribuidores ou importadores sob os ilícitos previstos na Lei, na medida em que lhes impõe o dever de -- "informar seus representantes comerciais e as agências de publicidade contratadas acerca do conteúdo desta Lei". Trata-se de clara responsabilização da indústria farmacêutica e alimentícia pelas campanhas publicitárias, cabendo aqui lembrar que os produtos sujeitos à vigilância sanitária também estão sujeitos a regulamentação própria no que diz respeito à propaganda.

De acordo com a norma, os fabricantes, importadores e distribuidores dos produtos em apreço poderão, apenas, conceder patrocínios financeiros ou materiais às entidades científicas de ensino e pesquisa ou às entidades associativas de pediatras e de nutricionistas reconhecidas nacionalmente, sendo vedado o patrocínio a pessoas físicas. Nesse aspecto, no entanto, a Lei se afastou da razoabilidade.

Isso porque tal imposição não guarda qualquer relação com a campanha pró-amamentação que justifica a criação da norma em tela, trazendo claro prejuízo aos fabricantes e distribuidores, que não mais poderão patrocinar pesquisas de pessoas físicas ou associações esportivas. Tal medida poderá trazer perdas para o esporte nacional, posto que parte das empresas abrangidas pela proibição comercializa outros produtos que não os regulamentados por esta lei e investe consideráveis valores no patrocínio de agremiações esportivas.

O que, de fato, deveria ser proibido é a utilização de imagens, figuras ou qualquer forma de associação dos produtos mencionados na Lei nos atos de patrocínio, mesmo porque fabricados por empresas com grande leque de produtos. Outras formas de patrocínio que não se relacionassem com os produtos tratados na Lei não prejudicariam a campanha pró-amamentação. Espera-se que a regulamentação da lei, que caberá ao Poder Executivo, disponha de maneira mais específica sobre a matéria.

Outro ponto pouco razoável da Lei é a proibição de quaisquer doações ou vendas a preços reduzidos. Tal disposição afasta qualquer ação ou medida filantrópica em auxílio à creches e maternidades, além de desconsiderar que algumas mães não podem amamentar ou que crianças abandonadas não têm outra forma de alimentação.

É sabido que os hospitais públicos e muitas maternidades dedicadas a crianças abandonadas não têm condições de manter um banco de leite capaz de suprir a necessidade de seus pacientes. O auxílio prestado pelas empresas mencionadas na lei é, por vezes, indispensável, devendo ser mantido, muito embora possa ser regulamentado de forma a se manter o espírito da lei.

Não obstante a Lei estabelecer hipótese de exceção à proibição de doações, qual seja, em "situações de excepcional necessidade individual e coletiva, a critério da autoridade fiscalizadora competente", não há definição sobre quais seriam tais hipóteses, o que deverá constar de sua regulamentação. Outro ponto a ser regulamentado é a forma pela qual "garantir-se-á" a continuidade de fornecimento de provisões previstas em situações de excepcional necessidade.

No que tange à rotulagem dos produtos, a Lei proíbe a utilização de quaisquer representações gráficas que não aquelas ilustrativas dos métodos de preparação ou uso do produto - que agora são obrigatórias - exceto marca ou logomarca que não utilize imagem humanizada. São proibidas também quaisquer frases que promovam os produtos da empresa que sugiram semelhança do produto com o leite materno; que induzam dúvida quanto à capacidade das mães de amamentarem; ou que identifiquem o produto como mais adequado.

A Lei também estabelece ser vedada a indicação de condições de saúde para as quais o produto possa ser utilizado. No entanto, em muitos casos, tal informação é essencial, mesmo porque alguns dos produtos em tela, destinados exatamente para situações específicas, são vendidos ao público em geral. A proibição de tais informações pode constituir ofensa ao Código de Defesa do Consumidor, posto que o consumidor tem o direito à informação adequada e clara sobre o produto que está adquirindo.

As exceções às proibições relativas à rotulagem são referentes aos alimentos de transição e à base de cereais, aos quais é permitido o uso de ilustrações, fotos ou imagens, desde que não sejam de lactentes ou de crianças de primeira infância; e às mamadeiras, bicos e chupetas, nas quais é permitido o uso de ilustrações e desde que não sejam humanizadas ou sugiram semelhança com a mama ou o mamilo.

Observação que deve ser feita é acerca da determinação da lei dispondo sobre a obrigatoriedade do uso de embalagens e de rótulos nos moldes nela previstos, no que diz respeito à comercialização de mamadeiras, bicos e chupetas, considerados como instrumentos inibidores da amamentação.

O Capítulo IV da lei trata da educação e da informação de seus dispositivos, prevendo não só que os órgãos públicos relacionados à saúde, educação e pesquisa deverão participar do processo de divulgação das informações referentes à alimentação dos lactentes e crianças de primeira infância, como também todo o material educativo de caráter técnico cientifico que trata de alimentação dos lactentes deverá incluir informações quanto aos benefícios da amamentação.Os materiais educativos e técnico-científicos não podem conter imagens ou textos que recomendem ou possam induzir o uso de chupetas, bicos, mamadeiras ou produtos substitutivos do leite materno.

Os materiais educativos que tratam da alimentação de lactentes não poderão ser produzidos ou patrocinados por distribuidores, fornecedores, importadores ou fabricantes de produtos abrangidos pela Lei em comento.

Muito embora a lei tenha entrado em vigor no dia de sua publicação, foi concedido o prazo de um ano para que os fabricantes, distribuidores e importadores se adequem às suas disposições, à exceção daquelas relativas aos bicos, chupetas e mamadeiras, para os quais o prazo é de dezoito meses.

Tendo em vista que diversos aspectos da Lei dependerão de regulamentação, especialmente no que diz respeito ao patrocínio, à comercialização e publicidade dos produtos em tela, aguarda-se que o Poder Executivo edite decreto nesse sentido o quanto antes, especialmente para não prejudicar os fabricantes, distribuidores e importadores, que precisarão se adequar aos termos da norma.

As infrações aos dispositivos da lei em apreço se sujeitarão às penalidades previstas na Lei nº 6.437/77, que trata das infrações aos produtos submetidos à vigilância sanitária. Trata-se de disposição de discutível legalidade, pois a Lei nº 6.437/77, evidentemente, não possui disposições específicas quanto ao objeto da Lei nº 11.265/2006, razão pela qual será aplicada por analogia ou por meio de dispositivos vagos e não específicos, que não se coadunam com o Direito Penal pátrio.

Nesse ponto, perdeu o legislador a oportunidade de criar infrações próprias e específicas para a comercialização de produtos abrangidos pela Lei em comento, no que não só teria facilitado a aplicação de penalidade aos infratores, como também teria contribuído de forma mais eficaz para o próprio cumprimento da lei.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


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