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O direito brasileiro optou por reunir no mesmo processo a cognição e a execução. Qual o alcance prático?

Em recente alteração a legislação pátria optou por unir no mesmo processo a fase cognitiva e a execução.

terça-feira, 27 de junho de 2006

Atualizado em 26 de junho de 2006 13:58

 

O direito brasileiro optou por reunir no mesmo processo a cognição e a execução. Qual o alcance prático?

 

Bruno Heliszkowski*

  

1 - Introdução

 

Em recente alteração a legislação pátria optou por unir no mesmo processo a fase cognitiva e a execução.

 

Antes do advento da Lei nº. 11.232/2005 (clique aqui) havia a fase de conhecimento e, ao final desta, após o trânsito em julgado da decisão havia a necessidade de se promover nova citação para que só então se iniciar a fase de execução, que apesar de se promover nos mesmos autos, pela obrigatoriedade de nova citação, fazia às vezes de um novo processo.

 

Com a entrada em vigor da referida Lei houve mudanças na execução, que passa a ser chamada de cumprimento da sentença, com mudanças substâncias no mecanismo do Estado para fazer cumprir as decisões judiciais.

 

2 - Das modificações implementadas pela Lei 11.232/2005

 

Como mencionado antes da promulgação da citada Lei havia a necessidade da citação pessoal do executado e, por muitas vezes, o executado não era localizado, portanto, não havia citação, restando ao exeqüente utilizar de mecanismos como o arresto para efetivar direito seu reconhecido pelo Estado.

 

A nova legislação prevê a intimação do advogado do executado para que se de início ao cumprimento da sentença, vale ressaltar que tal intimação não é feita através de oficial de justiça, mas sim por publicação no Diário Oficial, imprimindo desta forma maior rapidez para cumprimento da decisão judicial.

 

Além da questão da citação, pode-se trazer a baila mais uma modificação substancial no que tange a execução de um julgado, a partir de 23/6/2006 (data de entrada em vigência da nova Lei) após intimação do advogado do executado há um prazo de quinze dias para que se efetue o pagamento do montante da condenação, sob pena de aplicação de multa de 10% (dez por cento) no montante da condenação, desde que haja requerimento do credor, nos termos do artigo 472 - j do CPC.

 

Também foi suprimida do texto legal a possibilidade do credor indicar bens à penhora, pois agora após intimação do advogado é expedido mandado de penhora, avaliação, desde que requerido pelo credor, ou seja na nova sistemática cabe ao oficial de justiça além da diligência a avaliação do bem penhorado.

 

Outra modificação imposta pela nova Lei diz respeito às impugnações do executado, antes chamadas de embargos. A modificação vai além de simples modificação nominal do instituto, pois em regra as impugnações não é atribuído o efeito suspensivo e são autuadas em apartados, portanto tem natureza jurídica incidental e não de ação como os embargos do devedor.

 

Quanto a matéria passível de impugnação esta sofreu considerável redução, podendo apenas haver impugnação em casos de nulidade de sentença, inexigibilidade do título, excesso de execução e superveniência de causas modificativas, extintivas ou impeditivas da própria obrigação.

 

Importante, por fim, cumpre salientar que o conceito de sentença foi alterado pela mesma Lei, sendo este o objeto do artigo 16 § 2º do Código de Processo Civil:

"Artigo 162 ...

§ 2º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei" 

De modo geral a vigência da Lei 11.232/2005 trouxe as referidas modificações, porém resta saber as implicações destas na vida prática, ou seja se o objetivo do legislador em imprimir maior celeridade para cumprimento das decisões emanadas do Estado foi atingido.

 

3 - Da eficácia do cumprimento da sentença

 

Não se pode afastar a prática como se não o maior,  um dos maiores motivos da reforma da legislação, isto porque a idéia primordial é imprimir maior celeridade à execução para ao final se concluir pela efetividade da prestação jurisdicional.

 

Porém será que tais aplicações serão efetivas na vida prática?

 

Não restam dúvidas de que a intimação na pessoa do advogado para se iniciar a execução tem condão de efetivar a medida judicial, mas e se a procuração outorgada ao referido procurador for por prazo determinado, ou seja a procuração é apenas para fase de conhecimento, não compreendendo execução?

 

Ora, neste caso não poderá o advogado ser intimado do início da execução, salvo se ficar evidente o intuito malicioso da parte, isto porque não há qualquer proibição quanto a procurações por prazo determinado, sendo assim a intimação para a fase de execução terá de ser feita na pessoa do executado, nos moldes da Lei revogada.

 

Mas, também é sustentável a posição de que se traduz em malícia do executado outorgar procuração apenas para uma fase processual, isto porque a divisão das fases processuais é apenas acadêmica sendo uno o processo. Sendo absolutamente malicioso se fazer representar apenas em uma fase processual, quando se antevê a grande possibilidade de ser condenado na fase cognitiva.

 

Quanto ao oficial de justiça, brilhante sob o ponto de vista do credor, a expedição de mandado de penhora e avaliação logo após transcurso de prazo para pagamento em que o devedor não efetuou o pagamento, porém o Senhor Meirinho não será capaz de avaliar todo e qualquer bem, isto é fácil avaliar um automóvel, mas máquina para cortar alumínio, por exemplo, não poderá ser avaliada, necessitando então um "expert" para fazê-lo.

 

Mas, e se o próprio oficial de justiça avaliar a tal máquina de modo incorreto, pode-se impugnar tal avaliação, tanto o executado quanto o exeqüente podem impugna-la, ocasião em que de qualquer modo terá de ser nomeado um perito, que certamente apresentará honorários para seus serviços e necessitará de tempo para concluir o laudo, a contrário senso da celeridade que se quer imprimir.

 

Outro ponto que merece atenção é a questão da multa de 10 % (dez por cento) no caso do não pagamento em quinze dias da quantia executada, esta sim uma grande inovação trazida pela Lei 11.232/2005, porém para o caso de devedor que não tem possibilidade de cumprir a determinação judicial, ou seja de pagar o valor de sua condenação tal multa não fará com que pague mais rapidamente.

 

Ainda com relação a multa, se a execução for de obrigação de fazer, por exemplo houve condenação que implica na derrubada de um muro, não há pagamento, sendo assim pouco importa ao executado multa por atraso em pagamento, isto porque no caso não há pagamento algum. Pode haver alguns que dizem que tal multa seria aplicada sobre o valor da multa imposta pelo juiz pelo não cumprimento, mas se assim fosse estaríamos diante de um verdadeiro enriquecimento sem causa do credor, por se tratar de um "bis in idiem", não comportando o sistema multa por não cumprimento de uma multa.

 

Ainda o legislador, restringiu a matéria das impugnações,  brilhante inovação quando se pretende celeridade, mas deve-se ter cuidado para que não seja ferido o contraditório e a ampla defesa, a este respeito Liebman, ao se referir ao sistema de execução da Roma antiga, em sua obra Embargos do Executado, traduzido para o português, 2ª Edição, Saraiva, 1968, nº. 4, p. 7 leciona:

"A EXECUÇÃO DEPENDIA DA PROPOSITURA DE NOVA DEMANDA, A "ACTIO JUDICATI", COM A CONDENAÇÃO DO DEVEDOR EM DOBRO, CASO SUA IMPUGNAÇÃO À SENTENÇA FOSSE REJEITADA..."

Assim, restringir a matéria das impugnações retirando destas o efeito suspensivo dos antigos embargos pode gerar, além da ofensa ao mencionados princípios constitucionais grave dano, para este caso é possível a concessão de efeito suspensivo, desde que fundamentado.

 

Para concluir, a reforma apresenta boas idéias para os que pretendem apenas a celeridade do processo de execução, mas esta celeridade pode não ter a aplicação prática pretendida pelo legislador, sobretudo pelos fatos expostos.

 

A mudança implementada, como a maioria das Leis, infelizmente, é criada por pessoas que desconhecem o mundo prático e as Leis existentes, desta forma não é de se surpreender o grande número de Leis criadas que pouco são aplicadas e daquelas que criadas são excluídas do ordenamento jurídico por absoluta incompatibilidade.

 

Na verdade, é necessário sim uma reforma, mas reforma que tenha aplicabilidade prática, que agilize a tramitação de feitos judiciais e sobretudo em consonância com o sistema jurídico pátrio.

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Bibliografia

 

Assis, Araken, Manual de Execução, 9ª edição, RT, 2005

 

Revista do Advogado AASP, Novas Reformas do Processo Civil, Ano XXVI , maio de 2006, nº 85

 

Fidélis dos Santos, Ernani, As reformas de 2005 do CPC, Saraiva, 2006.

 

Theodoro Júnior, Humberto, Curso de Direito Processual Civil.

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*Advogado da empresa Webconsult Latin América (São Paulo/SP)





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