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Coisa Julgada e a manifesta inconstitucionalidade da lei 9494/97 no que tange a restrição de seus limites subjetivos na Ação Civil Pública

A formação da coisa julgada ocorre quando o provimento jurisdicional se torna irrecorrível, sendo definida como a qualidade de imutabilidade da parte dispositiva da sentença. Instrumento de pacificação social às relações processuais, a coisa julgada tem o condão de consagrar a segurança jurídica às situações fáticas sujeitas à apreciação do Poder jurisdicional.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Atualizado em 18 de julho de 2006 11:28


Coisa Julgada e a manifesta inconstitucionalidade da lei 9494/97 no que tange a restrição de seus limites subjetivos na Ação Civil Pública

Hugo Filardi*

A formação da coisa julgada ocorre quando o provimento jurisdicional se torna irrecorrível, sendo definida como a qualidade de imutabilidade da parte dispositiva da sentença. Instrumento de pacificação social às relações processuais, a coisa julgada tem o condão de consagrar a segurança jurídica às situações fáticas sujeitas à apreciação do Poder jurisdicional. Trata-se de um direito fundamental assegurado aos cidadãos pela Constituição da República Federativa do Brasil, visando à estabilidade das situações jurídicas. Assim, a coisa julgada mostra-se de importância indiscutível na defesa do interesses de uma sociedade de consumo e de massa, devendo ser preservada de modo indevassável1.

Quanto aos seus limites objetivos não existem maiores discussões, sendo evidente que apenas a parte dispositiva da sentença transita em julgado. Tema que adquire especial relevância, ainda mais quando tratamos de tutela coletiva, é justamente o da delimitação dos limites subjetivos da coisa julgada. Tradicionalmente, a regra existente nas demandas individuais é de que o dispositivo da sentença somente afeta as partes que puderam eficazmente exercer seus direitos de ação e de defesa. A coisa julgada faz a sentença imutável e indiscutível entre as partes, mas definitivamente este fenômeno não pode atingir a terceiros estranhos e alheios ao processo.

Contudo, esta regra não se aplica ao sistema de propagação dos efeitos da coisa julgada contemplados por nosso ordenamento legal para as demandas coletivas, já que se adotou a eficácia erga omnes ou ultra partes (dependendo do tipo de interesse tutelado2) secundum eventus litis. Assim, não é necessário que o jurisdicionado interessado venha a aderir à demanda coletiva para que seja agraciado com a entrega da tutela jurisdicional, bastando apenas o acolhimento da pretensão coletiva . Em caso de improcedência, apenas a insuficiência de provas, não vincula os jurisdicionados envolvidos na demanda. Ao tratar especificamente da tutela dos interesses individuais homogêneos, definiu que o julgamento contrário à parte que propôs a demanda jamais produzirá efeitos erga omnes.

Nesta esteira, o legislador pátrio não consagrou o sistema de vinculação da common law, ou seja, o opt in no caso da Inglaterra e opt out nos Estados Unidos. O sistema de inclusão inglês funciona com o jurisdicionado interessado manifestando expressamente a sua vontade de ser atingido pelos efeitos do provimento jurisdicional coletivo. O sistema estadunidense é justamente o oposto, já que é calcado na comunicação prévia e ostensiva dos interessados sobre a propositura de determinada demanda coletiva, para que estes espontaneamente requeiram sua exclusão em relação aos efeitos da tutela coletiva.

Faz-se mister destacar ainda sobre o tema, a inconstitucionalidade do artigo 2º-A da Lei 9.494/97, que ao alterar o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, tratou de restringir o alcance da tutela coletiva, violando claramente os modernos preceitos do processo de efetividade e eficiência. Limitar os efeitos da demanda coletiva aos "substituídos" que na época da propositura da demanda, tenham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão, é o mesmo que disseminar insegurança jurídica e conceder aos jurisdicionados tratamento desigual.

Não se pode admitir a disseminação de coisa julgada erga omnes que não atinja a todos irrestritamente. É um grande contra-senso restringir territorialmente os efeitos de um provimento jurisdicional. Tal imposição normativa somente estimula a extenuante interposição de recursos, visando levar a demanda às instancias superiores apenas para que a limitação territorial prevista seja desconsiderada. Portanto, a redação atual do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública é manifestamente inconstitucional por afrontar o substantive due process of law, o princípio da razoabilidade, o princípio da eficiência da Administração Pública também aplicável ao Poder Judiciário, a inafastabilidade da tutela jurisdicional, o próprio poder de jurisdição, ao juiz natural e o imperioso tratamento isonômico entre as pessoas.

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1 Os mais tradicionalistas, de maneira exagerada, afirmavam que a coisa julgada era capaz de transformar o preto em branco (res iudicata nigrum albium facit). Ver o posicionamento de Scassia in Eduardo Juan Couture, Fundamentos do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, trad. bras. de Rubens Gomes de Souza, 1946, p. 329.

2 Nas ações coletivas que tutelam interesses difusos, a coisa julgada tem efeitos erga omnes, enquanto nas que são garantidoras de interesse coletivos, a coisa julgada é ultra partes, limitada ao grupo, categoria ou classe. No que concerne aos interesses individuais homogêneos, a vinculação é erga omnes apenas em caso de procedência.

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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados









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