CPC na prática

Tutela da evidência em grau recursal

Tutela da evidência em grau recursal.

22/2/2018

Daniel Penteado de Castro

A então denominada "antecipação de tutela", prevista no CPC de 1973 ganhou novos contornos sob o regime da agora chamada "tutela provisória" a qual se ocupa o Livro V da Parte Geral do CPC/2015.

Dentre os dispositivos que tratam de referida técnica (arts. 294 a 311), o legislador deixou claro que a tutela provisória há de ser concedida com fundamento na urgência ou evidência (art. 294), sendo este último fundamento, portanto, a dispensa do requisito da urgência ou risco de dano grave, irreparável ou de difícil reparação.

No plano recursal, o parágrafo único do art. 299 é expresso em assegurar que "(...) nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito".

Portanto, dúvidas não há quanto ao cabimento da tutela provisória em grau recursal. As inquietações emergem, de outra banda, no tocante ao tratamento posto no código em disciplinar a tutela provisória para diversas espécies recursais.

Nesse contexto, quanto a apelação, o art. 1.012, § 4º, do CPC, aponta como requisitos para a tutela provisória recursal destinada à suspensão da eficácia da sentença a demonstração da "(...) probabilidade de provimento do recurso ou relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação", redação esta idêntica quanto aos seus requisitos no que toca a tutela provisória concedida nos embargos de declaração, disciplinada no art. 1.026, § 1º, do CPC.

Vale dizer, para apelação ou embargos de declaração autoriza-se a tutela provisória, em tese restrita a suspensão da eficácia da decisão impugnada (efeito suspensivo), desde que fundada na probabilidade do provimento do recurso ou, na urgência.

No que toca ao recurso de agravo de instrumento o legislador previu no art. 1.019, I, a suspensão da decisão impugnada (efeito suspensivo) ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (efeito ativo), sem dar pista alguma quanto aos seus requisitos.

De igual modo, no tratamento aos recursos especial e extraordinário, o art. 1.029, § 5º prevê a concessão de efeitos suspensivo, sendo silente, de igual sorte, quando a discriminação de seus requisitos.

Deveras, exceção ao regramento de definição de competência, a disciplina apartada para as modalidades recursais acima citadas no que toca aos requisitos da tutela provisória em grau recursal é despicienda, porquanto o art. 995, parágrafo único, do CPC regula o denominado efeito suspensivo a ser examinado pelo relator, de modo que "(...) a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso".

Por sua vez, o art. 932, II, do CPC, ao tratar dos poderes do relator, expressamente prevê a incumbência de "(...) apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária".

De sorte que, se a todo recurso é designado um relator, bastaria a inteligência dos dispositivos acima citados (art. 995, parágrafo único e 932, II) para bem pontuar o cabimento da tutela provisória no plano recursal.

Ainda assim, outras dúvidas hão de surgir. Na medida em que, no tocante ao recurso de apelação e embargos de declaração, o legislador arrola requisitos alternativos ao utilizar a conjunção "ou" entre probabilidade do provimento do recurso ou houver risco de dano grave ou de difícil reparação, o poder do relator disciplinado no art. 995, parágrafo único, exige a soma de tais requisitos para a concessão de efeito suspensivo, em especial por se valer da conjunção "e".

Diante de tamanhas inexatidões, uma leitura literal do art. 932, II, portanto, autoriza a tutela provisória a toda modalidade de recurso em espécie, porquanto referido dispositivo trata de poder inerente a atividade jurisdicional desempenhada pelo relator que, repita-se, é designado a todo e qualquer recurso. Ainda, referida a tutela provisória como gênero, há de se autorizar a concessão de efeito ativo ou suspensivo ao recurso, seja fundada na urgência (fumus boni iuris e periculun in mora), seja na evidência (probabilidade de provimento do recurso).

Nesse contexto decidiu a 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"Tutela de evidência em segundo grau Embargos à adjudicação julgados improcedentes. Reconhecimento de litigância de má fé Extração da carta condicionada ao trânsito em julgado. Possibilidade de se reconhecer os requisitos específicos da tutela, conforme art. 311 e incisos do NCPC. Aplicação do artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) que permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência. Autorizada a expedição da carta - Pedido acolhido.

(...)

Cuida-se de tutela de evidência cuja a finalidade é a imediata expedição de carta de adjudicação, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da sentença de fls.99/104.

A parte contrária se manifestou a fls.118/129, requerendo o indeferimento da tutela de evidência.

É o relatório.

2. Cuida-se de pedido de tutela de evidência onde a requerente postula imediata expedição de carta de adjudicação em seu favor, a ser extraída nos autos da ação de execução que promove contra a requerida e outros.

O artigo 311 do novo CPC assim estabelece acerca da

Tutela de Evidência:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

No caso a requerente entende que a parte ao apresentar os embargos o fez em caráter protelatório, além de não ter a sentença que julga os embargos improcedentes o efeito suspensivo.

Realmente, a r. sentença, ao decidir os embargos reconheceu a litigância de má fé pelo efeito protelatório dos embargos.

Outrossim, ao impor a expedição da carta somente após o trânsito em julgado, criou efeito suspensivo inexistente na legislação processual.

O imóvel objeto da carta de adjudicação foi dado em garantia hipotecária da dívida objeto da execução.

O NCPC trouxe várias inovações no âmbito recursal, dentre elas a de o relator conceder a tutela que não se limita as hipóteses do art. 995, parágrafo único, quanto à capacidade de o relator antecipar os efeitos da pretensão do recorrente, pois o artigo 932, caput e inciso II (localizado no Capítulo II da Ordem dos Processos no Tribunal) permite ao relator analisar o pedido de tutela provisória enquanto gênero, sem fazer qualquer distinção sobre se o pedido é baseado em urgência ou evidência.

Uma boa exegese desse dispositivo é possível extrair que qualquer das espécies de tutela provisória as previstas no Livro V do novel Diploma Processual Civil - podem ser postuladas ao tribunal, incluindo-se aí a tutela de evidência.

O caso, assim, autoriza seja expedida carta, com a única observação que o caberá a requerente ressarcir eventuais danos ou prejuízos que vier a causar se e caso provida a apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos.

Ante o exposto, defiro a tutela de evidência e determina-se a expedição da carta em primeiro grau."

(TJSP, Tutela Cautelar Antecedente n. 2056734-44.2017.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Miguel Petroni Netto, v.u., j. 15.08.2017)

Muito embora o julgado acima se refira a tutela cautelar antecedente, o raciocínio exposto projete luzes ao quanto sustentado em linhas anteriores, até porque o art. 932, II, do CPC, atribui o poder ao relator de apreciar pedido de tutela provisória "(...) nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal".

E, no tocante a tutela provisória fundada na evidência resta entender melhor o significado da expressão probabilidade de provimento do recurso e, ainda, se tal requisito se enquadra em tutela da evidência, assim entendida a concessão de tutela provisória dispensado o requisito da urgência. Nessa ótica, sugere-se as hipóteses que autorizam o julgamento monocrático de recurso com base em determinados precedentes, tal qual estatui o art. 932, V, do CPC:

"Art. 932. Incumbe ao relator:

(...)

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; (...)"

Afinal, se o relator pode o mais - monocraticamente prover determinado recurso nas hipóteses acima citadas, dispensando-se a colegialidade e por vezes subtraindo a oportunidade de sustentação oral nos recursos a esta assegurada1, - porque não poderia o menos (concessão de decisão revestida de provisoriedade, passível de confirmação ou revogação quando do julgamento colegiado do recurso)?

__________

1 O art. 937, I a V e VII do CPC asseguram a prerrogativa de sustentação oral nos recursos de apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência e recurso de agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).