CPC na prática

Valorização da jurisprudência no CPC de 2015

Valorização da jurisprudência no CPC de 2015.

6/6/2019

André Pagani de Souza

Os arts. 926 e 927, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), trazem normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas no âmbito dos tribunais. O primeiro artigo dispõe em seu "caput" que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente". Já o art. 927 enumera uma série de decisões nos seus incisos I a V que os juízes e tribunais "observarão", tais como: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

A partir da leitura dos dispositivos acima mencionados, percebe-se que há uma valorização de determinadas decisões que frequentemente são chamadas de "precedentes", ou seja, são pronunciamentos judiciais que, originários de julgamentos de casos concretos, querem ser aplicados também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. Assim, tais decisões são chamadas de "precedentes" porque foram julgados com antecedência a outros casos e, de acordo com o art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente (Cassio Scarpinella Bueno, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 698).

Nesse sentido, é possível afirmar que os artigos 926 e 927, do CPC de 2015, propõe uma "valorização da jurisprudência". Em outras palavras, confere-se uma importância significativa ao entendimento dominante de determinado tribunal sobre certos temas em certo período de tempo na medida em que os juízes e tribunais são exortados a observar as decisões mencionadas nos incisos I a V do art. 927 e ao passo que se impõe aos tribunais o dever de uniformizar a jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente.

Tanto é verdade o que foi afirmado acima que ao longo do CPC de 2015 é possível encontrar dispositivos que buscam reforçar e concretizar a proposta de “valorização da jurisprudência” lançada pelos arts. 926 e 927. Confira-se, a título meramente ilustrativo, as seguintes hipóteses do CPC de 2015:

a) Concessão de tutela provisória da evidência (art. 311, II);

b) Improcedência liminar do pedido (art. 332);

c) Dispensa da remessa necessária (art. 496, § 4º);

d) Dispensa de caução no cumprimento provisório (art. 521, IV);

e) Atuação monocrática do relator (art. 932);

f) Decisão em incidente de assunção de competência (art. 947, § 3º);

g) Julgamento monocrático de conflito de competência (art. 955, p. único);

h) Cabimento de reclamação (art. 988);

i) Incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 985);

j) Julgamento de recursos repetitivos (art. 1.040);

k) Fundamentação das decisões (art. 489, § 1º, V e VI);

l) Embargos de declaração para decisões que não aplicarem (art. 1.022, p. único, I).

Em todos os dispositivos acima, é possível verificar que o CPC de 2015, de uma maneira sistemática e proposital, busca concretizar a diretriz de que a jurisprudência deve ser uniformizada e também coerente, estável e íntegra. Aliás, diga-se de passagem, não podia ser diferente, pois a Constituição Federal consagra o princípio da isonomia (CF, art. 5º, "caput" e inciso I) e também o da segurança jurídica (CF, art. 5º, inciso, XXXVI). Em outras palavras, tanto a Constituição Federal como o CPC de 2015 impõem que pessoas em situações iguais merecem decisões iguais, conferindo-se maior segurança e previsibilidade ao sistema processual civil.

Por isso, causa surpresa a informação veiculada pelo jornal "Estado de São Paulo", em 18 de fevereiro de 2019, de que 52% (cinquenta e dois por cento) dos magistrados de primeira instância no Brasil não levam a jurisprudência em conta em seus julgamentos (Acesso em 5 de junho de 2019).

Tal informação foi extraída de pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros e coordenada pelo Ministro Luís Felipe Salomão (STJ) intitulada "Quem somos: a magistratura que queremos" (Acesso em 05 de junho de 2019).

Com efeito, para que a valorização da jurisprudência seja uma realidade, torna-se imprescindível que todos os envolvidos com a prestação jurisdicional (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, defensores públicos etc.) levem em consideração, ao realizarem o seu trabalho, a jurisprudência. Caso contrário, o resultado já é conhecido por todos: insegurança jurídica, incoerência, instabilidade e assim por diante.

Em razão da importância da valorização da jurisprudência para o bom funcionamento do sistema processual atual, nos próximos artigos trataremos da necessária relação entre os "precedentes" e os dispositivos acima mencionados extraídos do CPC de 2015: art. 311, II; art. 332; art. 496, § 4º; art. 521, IV; art. 932; art. 947, § 3º; art. 955, p. único; art. 988; art. 985; art. 1.040; art. 489, § 1º, V e VI; art. 1.022, p. único, I. Cada qual a sua maneira deixa claro que não se pode ignorar a jurisprudência ao se trabalhar com o direito processual civil.

 
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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).