CPC na prática

Requisitos fixados pelo STJ para alteração das astreintes

Requisitos fixados pelo STJ para alteração das astreintes.

9/12/2021

O § 1º do art. 537 do CPC expressamente determina que só podem ser alterados a periodicidade e o valor da multa (astreinte) fixada por ordem judicial para que o devedor de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa a cumpra se ela (a multa) estiver vencida. Entretanto, apesar da literalidade da lei, a Corte Especial do STJ, no EARESP 650.536/RJ, decidiu que haveria possibilidade de alteração, sim, das multas vencidas, conforme já anunciado nessa coluna

Recentemente, avançando na exegese do § 1º do art. 537 do CPC, o STJ estabeleceu critérios para que tal modificação da multa vencida aconteça. Veja-se:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. HOME CARE.DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. MULTA COERCITIVA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES EFETIVAMENTE DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. TRANSMISSIBILIDADE DAS ASTREINTES APÓS O FALECIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PERSONALÍSSIMA. IRRELEVÂNCIA. RECONHECIMENTO DO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL NA FASE DE CONHECIMENTO. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. IMUTABILIDADE NA FASE DE CUMPRIMENTO. REDUÇÃO DA MULTA PERIÓDICA ACUMULADA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS E CUMULATIVAS QUE JUSTIFICAM A REDUÇÃO. EXORBITÂNCIA DO VALOR, AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO E AUSÊNCIA DE CONDUTA DA BENEFICIÁRIA EM BUSCA DA MINIMIZAÇÃO DO PREJUÍZO. REQUISITOS PARA REDUÇÃO AUSENTES NA HIPÓTESE. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO E DE LIMITE DE VALOR PARA A ACUMULAÇÃO DA MULTA. IRRELEVÂNCIA. REQUISITOS NÃO OBRIGATÓRIOS.

1- Os propósitos recursais consistem em definir, para além da alegada negativa de prestação jurisdicional: (i) se o valor acumulado da multa é transmissível aos herdeiros em virtude do falecimento da paciente no curso da ação; (ii) se houve descumprimento da decisão liminar e, consequentemente, a incidência das astreintes; (iii) se, na hipótese, é admissível a redução do valor da multa periódica acumulada.

2- Não há que se falar em omissão ou em negativa de prestação jurisdicional na hipótese em que o acórdão recorrido, a partir de determinados elementos de fato e de prova, reitera a existência de descumprimento anteriormente reconhecida por ocasião do julgamento da apelação interposta ainda na fase de conhecimento.

3- Na esteira da jurisprudência desta Corte, as astreintes são transmissíveis aos sucessores da parte após o seu falecimento, ainda que tenham sido aplicadas em decorrência de obrigação personalíssima. Precedente.

4- Conquanto o valor acumulado da multa periódica seja excepcionalmente modificável após o trânsito em julgado da sentença de mérito, o reconhecimento do descumprimento da ordem judicial, que com ele não se confunde, não é modificável após o trânsito em julgado da decisão judicial que o reconhecer.

5- Para que seja autorizada a excepcional redução da multa periódica acumulada em virtude do descumprimento de ordem judicial, é preciso, cumulativamente, que: (i) o valor alcançado seja exorbitante; (ii) que, no momento da fixação, a multa diária tenha sido fixada em valor desproporcional ou incompatível com a obrigação; (iii) que a parte beneficiária da tutela específica não tenha buscado mitigar o seu próprio prejuízo.

6- Para que se examine a possibilidade de redução da multa periódica acumulada, não são relevantes, por si sós, a ausência de fixação de prazo para cumprimento da obrigação e a ausência de limite de valor para a acumulação da multa, circunstâncias que apenas eventualmente podem ser consideradas no exame da situação concreta submetida à apreciação do Poder Judiciário.

7- Na hipótese, o descumprimento da ordem judicial pela operadora do plano de saúde, reconhecido na fase de conhecimento e na fase de cumprimento da sentença, perdurou por 365 dias e somente cessou em razão do falecimento da paciente, de modo que o valor da multa periódica acumulada, de R$ 365.000,00, embora nominalmente elevado, é representativo de uma multa diária fixada em valor proporcional e que atingiu esse patamar em virtude exclusivamente da recalcitrância da devedora.

8- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp 1840280/BA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 09/09/2021, grifos nossos)”.

No entender esboçado pelo acórdão acima ementado, para a redução do valor da multa fixada com fundamento no art. 537 do CPC, devem ser observados os seguintes requisitos:

(i) o valor alcançado seja exorbitante;

(ii) que, no momento da fixação, a multa diária tenha sido fixada em valor desproporcional ou incompatível com a obrigação;

(iii) que a parte beneficiária da tutela específica não tenha buscado mitigar o seu próprio prejuízo.

Ao que tudo indica, tais critérios nada mais são do que um detalhamento da linha de raciocínio traçada pela Corte Especial do EARESP 650.536/RJ. Mais especificamente, o credor de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, não deve ficar inerte caso o devedor não cumpra tal obrigação a despeito da fixação da multa. A multa pode ser desproporcional ou incompatível com a obrigação e exatamente por isso não surte o efeito desejado. O acúmulo do valor da multa pode levar a um valor exorbitante que não pode fazer com que o credor ou o próprio judiciário se acomodem com a situação e deixem de buscar outras medidas de apoio que viabilizem a satisfação da obrigação. Se isso acontecer, o valor da multa, ainda que vencida, deve ser revisto, a despeito da redação literal do § 1º do art. 537 do CPC.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).