CPC na prática

O ressarcimento dos custos com a garantia de execuções fiscais julgadas indevidas

Seria importante que fosse permitido o ressarcimento de tais despesas com a garantia, principalmente nos casos em que foram oferecidos bens injustamente não aceitos pelo exequente, já que seria uma tentativa de distribuir melhor os ônus nas Execuções Fiscais infundadas.

24/11/2022

Voltamos ao estudo de mais um importante tema de Execuções Fiscais, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1

Diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia.

Tais formas de garantia têm sido normalmente aceitas pelos exequentes, entretanto, possuem um custo anual bastante alto, ainda mais quando se verifica que os processos de Execução Fiscal possuem uma tramitação mais lenta e podem durar facilmente mais de uma década.

Desse modo, os Executados por não conseguirem garantir o juízo com formas menos onerosas de garantia (penhora de bens) se vêm obrigados a gastar vultosas quantias para a obtenção de fianças bancárias e seguros garantias.

Assim, nos casos em que a cobrança se mostra indevida os executados entendem que poderiam cobrar o ressarcimento desse custo dos exequentes, eis que eles que deram causa ao ajuizamento indevido da cobrança, não aceitaram os bens oferecidos em garantia e fizeram com que a parte contrária fosse obrigada a dispender esses valores das garantias para que pudessem opor Embargos à Execução Fiscal.

Em julgamentos esparsos temos os Tribunais Regionais Federais permitindo o ressarcimento dos custos com a garantia ofertada em Execuções Fiscais2:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SÓCIO-GERENTE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.  ART. 135, III, DO CTN.  HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE 13º SALÁRIO E REPOUSO SEMANAL REMUNERADO SOBRE HORAS EXTRAS.  LEI Nº 7.787/89 E LEI Nº 8.212/91. CABIMENTO. NÃO INCIDE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE CONTRATOS DE CESSÃO DE DIREITOS ARTÍSTICOS. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS COM FIANÇA BANCÁRIA. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20, § 4º, DO CPC. (...)

8. Cabe ao INSS ressarcir a embargante das despesas realizadas com a manutenção das fianças bancária relativas aos créditos tributários indevidamente exigidos, ou seja, aqueles correspondentes à CDA nº 31.680.093-7, equivalente a 98% (noventa e oito por cento) do valor dos créditos exeqüendos, já que a Autarquia Previdenciária deu causa à presente demanda, obrigando a executada-embargante a garantir o juízo, com a propositura da execução fiscal para cobrança dos aludidos créditos, incidindo, na espécie, o princípio da causalidade.(...)” (g.n.)

(Apelação Cível nº 0041494-46.1995.4.02.5101, Rel. José Neiva, 3ª Turma do TRF2, j. 18/12/2007)                              

Em recente julgado, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o Executado não poderia se ressarcir do valor gasto com a contratação da garantia indispensável para a oposição de Embargos:

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. VALORES PARA CONTRATAÇÃO DE SEGURO GARANTIA. RESSARCIMENTO PELA FAZENDA PÚBLICA INDEVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA EXECUÇÃO E NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. FIXAÇÃO DEVIDA.

I - No tocante ao ressarcimento do valor despendido com a apresentação de seguro garantia para viabilizar o ajuizamento dos embargos à execução, observa-se que o art. 82 do CPC/2015, dispõe que as partes devem prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, sendo devido ao vencido pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

II - O art. 84 do CPC/2015, delimita a abrangência de despesas em custas dos atos do processo, indenização de viagem e remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha. As custas dos atos processuais são as taxas judiciais para o impulsionamento do feito, já as despesas são aqueles valores pagos para viabilizar o cumprimento do ato judicial, sendo ato coercitivo e sem o qual o processo não se desenvolve, tais como as despesas com porte de remessa e retorno dos autos, com publicação de editais e diligências com oficiais de justiça.

III - O art. 16 da Lei n. 6.830/1980 dispõe que para garantia da execução é necessário o depósito, a juntada de prova de fiança bancária ou seguro garantia ou, ainda, intimação da penhora. O devedor pode escolher qual garantia oferecer, o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública.

IV - No tocante à fixação em separado de honorários advocatícios na execução fiscal e nos embargos à execução, verifica-se ser possível ao juiz, quando do julgamento dos embargos à execução, arbitrar valor único para a verba de sucumbência relativa às condenações na ação executiva e na ação de embargos à execução. Os efeitos decorrentes da sentença de procedência dos embargos à execução atingem o próprio feito executivo, sendo possível assim que o julgador determine fixação única de honorários, a abranger os embargos à execução e à execução fiscal, desde que não ultrapasse o valor máximo permitido no art. 85 do CPC/2015. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp n. 1.946.955/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 1/7/2022; AgRg no REsp n. 1.165.291/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 4/8/2015, DJe de 11/9/2015.) V - Recurso Especial improvido.

(REsp n. 1.852.810/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 19/9/2022.)

Segundo o entendimento do julgado, o executado pode escolher a melhor forma de garantir o débito “o que retira seu enquadramento da natureza de despesa de ato processual, para fins de ressarcimento, não sendo impositivo o ressarcimento de tais valores pela Fazenda Pública”. Entretanto, todos que advogam em face da Fazenda Pública sabem da recalcitrância dos Entes Públicos em aceitarem bens à penhora, sempre discordando da nomeação, muitas vezes sem nenhum motivo justo, preferindo sempre que a garantia recaia sobre dinheiro ou fiança bancária ou seguro garantia.

Desse modo, a garantia por meio de fiança ou seguro não é propriamente uma escolha dos executados, mas uma imposição do exequente.

Portanto, seria importante que fosse permitido o ressarcimento de tais despesas com a garantia, principalmente nos casos em que foram oferecidos bens injustamente não aceitos pelo exequente, já que seria uma tentativa de distribuir melhor os ônus nas Execuções Fiscais infundadas. Tal permissão também levaria os Exequentes a depurarem melhor os créditos antes de os executar e possibilitaria que formas mais baratas de garantia fossem aceitas nas Execuções Fiscais.

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https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022.pdf, p 171.

2 Em outros julgados tal pleito não restou aceito: 5005404-13.2019.4.03.6126 (4ª Turma TRF3); 0004474-02.2017.4.03.6110 (6ª Turma TRF3) e 5058075-42.2017.4.04.7100 (2ª turma TRF4)

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).