Gramatigalhas

Não paire dúvidas ou Não pairem dúvidas?

Não paire dúvidas ou Não pairem dúvidas? O professor esclarece.

15/3/2023
O leitor Robert Wagner França envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Caríssimo professor. Parece haver um equívoco de concordância no verbete 'Em se tratando de - Estrangeirismo?' de seu Manual de Redação Jurídica. Está grafado ali não 'paire dúvidas', quando o correto seria não 'pairem dúvidas', salvo melhor juízo. Segue o trecho (com grifo nosso): '1. Ante a acusação de alguns autores de que constitui essa uma sintaxe alheia ao idioma nacional, para que não paire dúvidas acerca da integral vernaculidade dessa construção, carreia-se a lição de Carlos Góis...' Cordialmente".

1) Um leitor, em um dos verbetes do Manual de Redação Jurídica, encontrou a construção "para que não paire dúvidas", na qual, todavia, parece-lhe que houve um equívoco de sintaxe, já que entende que se deva dizer "para que não pairem dúvidas".

2) Não é que parece ter havido um equívoco; houve um crasso erro de concordância, perceptível pela simples colocação dos termos em sua ordem direta (ou seja, sujeito + verbo [para que dúvidas não pairem]), de modo que a correção do leitor procede na íntegra.

3) Os romanos gostavam muito de usar, em situações como essa, uma frase do poeta latino Horácio ("quandoque bonus dormitat Homerus"), que, traduzida, significa "às vezes, até o grande Homero cochila".

4) Referiam-se eles ao célebre autor da Ilíada e da Odisseia. E, se o grande Homero cochilava às vezes, cometendo equívocos em seus textos, não seremos nós que estaremos isentos de uma soneca como essa.

5) Em realidade, sem pretender comparação alguma, isso apenas demonstra que todos nós cometemos os nossos equívocos.

6) Aliás, nessa esteira, o nosso grande Rui Barbosa já dizia (estou citando de memória, de modo que pode não ser literal): "Uma coisa há que me não assusta, porque é universal e de universal consenso: não há escritor sem erros".

7) Ora, se o grande Rui assim falava (de modo que ele também se incluía nesse rol), não será este autor que terá a pretensão de não cometer equívocos.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.