Meio de campo

Abertura de capital da CBF - Parte IV

O autor encerra o tema a respeito das estruturas jurídicas voltadas à abertura de capital da CBF.

1/6/2016

Tratou-se, nas edições de 27 de abril, 18 e 25 de maio de 2016 desta coluna, a respeito de estruturas jurídicas voltadas à abertura de capital da CBF. Apesar de existirem outras possibilidades, a sequência de artigos sobre o tema se encerra, por ora, com esta parte IV, na qual se apresenta mais um caminho no sentido sugerido.

Lembre-se, apenas, que na parte III apresentou-se uma modelagem que preservava a CBF como associação civil e responsável pela seleção brasileira e, ao mesmo tempo, a posicionava como acionista de uma companhia organizadora de campeonatos, copas e outros temas.

Desta vez, a associação civil será mantida, porém, sem qualquer vínculo, inclusive societário, com a companhia que será constituída para gerir, organizar e desenvolver todos os temas relacionados ao futebol, exceto a seleção brasileira.

I. Estrutura

O primeiro passo consiste no desmembramento, pelos associados da CBF, de suas atividades, resultando em duas entidades distintas, com propósitos também diferentes. Uma será designada "CBF Seleção" e, a outra, "CBF Demais Atividades". O resultado da deliberação é o seguinte:

Note-se que os associados de ambas as associações são os mesmos, inexistindo qualquer participação associativa da CBF original na nova entidade.

O passo seguinte envolve a atribuição de títulos patrimoniais da CBF Demais Atividades aos Clubes que, mantendo a sugestão prevista na Parte III (coluna de 25 de maio), integrarem as 4 principais divisões do campeonato brasileiro. Alternativamente, pode-se, também, atribuir títulos às Federações Regionais.

Na sequência, os Clubes e, conforme o caso, as Federações, deliberam, em assembleia geral, a desmutualização da CBF Demais Atividades, de modo que os antigos associados passam a ostentar a condição de acionistas de uma nova companhia, a CBF Demais Atividades S.A. ("CBF S.A."). O organograma, após essa deliberação, é o seguinte:

Por fim, os acionistas da CBF S.A. deliberam a abertura de capital da companhia, oferecendo ações ao público. A estrutura final é a seguinte:

II. Reflexos

A CBF Seleção permanece uma associação civil, sem fins lucrativos, com propósito de gerir o selecionado. Enquanto a CBF S.A. será uma companhia, com ações negociadas em bolsa de valores.

Note-se, portanto, que, como já adiantado, não existe qualquer participação da CBF Seleção no capital da CBF S.A., chegando-se, então, a uma modelagem que estabelece uma nova relação de forças no âmbito do futebol, sem interferência direta da entidade vinculada à FIFA na organização de campeonatos, ligas, copas e atividades conexas.

Por outro lado, as Federações e os Clubes que participam da primeira e segunda divisões do campeonato brasileiro continuam, em decorrência da Lei 13.155/15, a exercer o direito de voto em assembleias da CBF Seleção.

III. Méritos do modelo

O principal deles consiste na inexistência do conflito, verificado na Parte III, decorrente da participação direta de CBF Seleção em CBF S.A.

Lembre-se que, em vista da situação de monopólio que aquela exerce e do "produto" que ela gere, com penetração em todo o Brasil e com um público seguidor e consumidor (praticamente) equivalente à população do país – sem contar sua exposição e atração no exterior -, inexistem incentivos para que a CBF Seleção dispenda recursos e tempo para o desenvolvimento da companhia controlada, sobretudo quando puder, de algum modo, interferir em seus negócios e nos seus planos de atuação.

Aliás, conforme se defende nesta Coluna, quanto maior o desenvolvimento do futebol nacional e menor sua dependência de uma estrutura centralizada, menor será a importância da CBF (qualquer que seja o modelo e sua natureza jurídica) e, possivelmente, maior será a canalização de recursos para Clubes e atletas.

Algo que, aparentemente, a atual CBF pretende evitar, justamente para manter seu poder sobre todo o sistema futebolístico.

Outra vantagem do modelo reside no fato de que, partindo-se da premissa de que os Clubes serão os principais beneficiados com a abertura de capital, sua sujeição à CBF tende a diminuir e, em muitos casos, desaparecer, de maneira que poderão passar a atuar, na qualidade de associados da CBF Seleção (ou em decorrência do direito de voto que detêm) com liberdade, em prol do futebol nacional e da própria seleção, por ela gerida.

Inverte-se, portanto, a lógica de poder. De maneira que a CBF Seleção se torna um veículo, sob a condução indireta de seus associados (e dos titulares de direito de voto), e não mais um fim em si mesma, uma entidade com poderes anômalos, que influencia inclusive os Poderes Constitucionais.

E que, "de baixo para cima", por meio do exercício do poder de seus administradores, domina e controla seus associados e entidades votantes, subvertendo o centro decisório.

IV. Possíveis críticas ao modelo

A principal crítica envolve a perpetuação do "encastelamento" da seleção, em uma associação civil sem fins lucrativos. Com isso, perde-se a oportunidade de levar adiante sua desmutualização e a oferta, a toda a população, de ações de uma companhia que terá, como objeto, o principal símbolo nacional: sua seleção.

Esta crítica talvez seja, para alguns – é bom registrar –, motivo de apoio ao modelo. Justamente pelo fato de que se pode entender que a seleção não deve ser tratada sob a lógica empresarial e de mercado.

V. Conclusões

O modelo que se apresentou na Parte III, apesar de viável estruturalmente, revelava um possível conflito que o tornava, à primeira vista, menos recomendável, mesmo se se estruturasse um sofisticado programa de governança.

O novo modelo, sugerido nesta Parte IV, resolve o impasse, não por meio de técnicas de governança, mas pela sua própria estrutura. De maneira que, ao cabo, as entidades resultantes da reorganização não têm qualquer participação societária uma na outra, e não podem, assim, uma influenciar ou controlar a outra diretamente.

Ele também tem o mérito de inverter a lógica de poder no âmbito da CBF, que se concentra, atualmente, em seus administradores, e não em seus associados (ou detentores de direito de voto). Estes cumprem papéis formais, confirmadores das indicações de vontade daqueles que, em tese, deveriam seguir seus comandos e orientações gerais.

Mas, como apontado acima, tem o demérito de deixar passar uma oportunidade de impor uma reforma total, inclusive no âmbito da organização da seleção nacional.

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.

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