Novos Horizontes do Direito Privado

A ética do stakeholderismo no novo Código de Governança Corporativa do IBGC

O documento atual inova em alguns aspectos, incorporando quantitativa e qualitativamente normas voltadas para as práticas ASG (Ambiental, Social e Governança).

30/8/2023

Em agosto de 2023, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publica a sua 6ª edição do seu Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. O documento atual inova em alguns aspectos, incorporando quantitativa e qualitativamente normas voltadas para as práticas ASG (Ambiental, Social e Governança). O stakeholderismo influencia a sua elaboração, iniciando pelo fundamento ético da governança corporativa que passa a irradiar sobre os princípios de governo (integridade, transparência, equidade, responsabilização e sustentabilidade). As recomendações visam a proteção não somente de sócios, mas incluem colaboradores, fornecedores, clientes, comunidades, meio ambiente e a sociedade em geral.  

Essa preocupação ética mais abrangente em relação à eleição dos interesses a serem protegidos provoca uma reformulação do próprio conceito de governança corporativa1 presente no documento. A sustentabilidade e o equilíbrio entre os interesses de todas as partes passam a ser centrais. Essa pauta é percebida em recomendações como a da diversidade na composição do conselho de administração. A pluralidade de perspectivas no processo de tomada de decisões é valorizada no documento, em que pese o fato da carência, ao nosso ver, de recomendações práticas nesse sentido.

O Código do IBGC (soft law) ganha publicidade quando a União Europeia encontra-se em estágio avançado nas discussões sobre o seu projeto de Diretiva das Empresas e dos Direitos Humanos (hard law) e a agenda global discute parâmetros para um capitalismo responsável.

O momento do atual desenvolvimento do direito societário da União Europeia (UE) é classificado por Stefan Grundmann como sendo o da green box. O conceito central proposto pelo professor da Humboldt-Universitat baseia-se na ideia de que a responsabilidade para com a coletividade e entre gerações é primordial, tanto nas atividades econômicas como no direito societário. O professor menciona três exemplos claros dessa visão identificados nos megaprojetos do direito das sociedades da UE presentes na última década: (i) não externalização dos efeitos adversos da ação privada para a coletividade (contribuintes); (ii) proteção proativa dos valores fundamentais, quando a economia europeia é a fonte de riscos para esses valores; e (iii) apelos aos mais importantes decisores para que partilhem as suas estratégias, as tornem visíveis, as submetam à crítica e, além disso, se abstenham de injustiças.2

Discussões que pretendem inovações, também, no governo das organizações.

O estudo histórico da governança corporativa permite-nos identificar que demandas sociais (especialmente as crises) provocam a transformação das recomendações (soft law) em hard law.3 Aqui questionamos: no ensejo da publicação desse novo código pelo IBGC, qual a utilidade do documento no contexto atual de relevantes demandas sociais exigindo que negócios sejam explorados de forma ética e sustentável?

Nosso questionamento traduz um importante dilema no campo da governança corporativa: devemos optar pela produção de hard ou de soft law quando pensamos no aprimoramento do governo das sociedades?

Uma das razões que justifica a relevância dos códigos de governança corporativa é a de que eles incentivam efetivamente as organizações na implementação de estruturas de governo mais sólidas e na melhor divulgação de informações para os participantes do mercado.4 Esse argumento evidencia a orientação ética do novo Código do IBGC e o alinha com a Resolução CVM n. 59/2021. Lembramos que a normativa da CVM reflete a preocupação da autarquia com a pauta ASG, conforme explicam Luciano Timm, Henrique Misawa e Patrícia Medeiros.5

A literatura especializada, ao diferenciar diferentes tipos de Códigos de Governança Corporativa, acusa que esses documentos podem ser vistos como mecanismos que facilitam a convergência da governança entre países. Essa convergência é o resultado de várias forças externas, entre as quais as mais poderosas são a globalização, a liberalização do mercado e a influência dos investidores estrangeiros.6

Para concluir, o atual Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC vem em bom momento. Espera-se por iniciativas normatizantes e vinculativas (hard law) que acompanhem o momento global, entretanto.

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1 Governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente. In Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. Disponível aqui.  Acesso em: 15.08.2023.

2 GRUNDMANN, Stefan. European Company Law in transformation—strive for participation and sustainability. Yearbook of European Law, 2023, yead002.

3 ROSENVALD, Nelson; OLIVEIRA, Fabrício. Governança nos grupos societários: Inovações. Editora Foco, 2023 e OLIVEIRA, Fabrício de Souza. Governança Corporativa: a crise financeira e os seus efeitos (equívocos e possibilidades). 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2022.

4 DUH, Mojca. Corporate governance codes and their role in improving corporate governance practice. Corporate governance and strategic decision making, 2017, 8: 53-87.

5 Os impactos da nova Resolução CVM n. 59. Disponível aqui. Acesso em: 15.08.2023.

6 DUH, Mojca. Corporate governance codes and their role in improving corporate governance practice. Corporate governance and strategic decision making, 2017, 8: 53-87.

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Coordenação

Carlos Alberto Garbi, pós-doutor em Ciências Jurídico Empresariais pela UC – Universidade de Coimbra. Mestre e doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Desembargador aposentado do TJ/SP. Professor de Direito Privado das FMU. Vice-presidente da ADFAS – Associação de Direito de Família e das Sucessões. Membro do IDiP – Instituto de Direito Privado. Membro Acadêmico-Associado da ABDC – Academia Brasileira de Direito Civil. Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho Privado (AIIDP). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo. Membro do Conselho Editorial da Revista Especializada de Direito Civil, editada na Argentina pela IJ International Legal Group. Coordenador da Revista de Direito de Família da ADFAS. Vice-presidente do Conselho Consultivo do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Professor da EPM – Escola Paulista da Magistratura. Professor convidado da FAAP. Professor convidado da EPD – Escola Paulista de Direito. Professor convidado da ESA – Escola Superior da Advocacia. Advogado, consultor e parecerista.