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A ética do stakeholderismo no novo Código de Governança Corporativa do IBGC

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Atualizado em 31 de agosto de 2023 15:26

Em agosto de 2023, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publica a sua 6ª edição do seu Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. O documento atual inova em alguns aspectos, incorporando quantitativa e qualitativamente normas voltadas para as práticas ASG (Ambiental, Social e Governança). O stakeholderismo influencia a sua elaboração, iniciando pelo fundamento ético da governança corporativa que passa a irradiar sobre os princípios de governo (integridade, transparência, equidade, responsabilização e sustentabilidade). As recomendações visam a proteção não somente de sócios, mas incluem colaboradores, fornecedores, clientes, comunidades, meio ambiente e a sociedade em geral.  

Essa preocupação ética mais abrangente em relação à eleição dos interesses a serem protegidos provoca uma reformulação do próprio conceito de governança corporativa1 presente no documento. A sustentabilidade e o equilíbrio entre os interesses de todas as partes passam a ser centrais. Essa pauta é percebida em recomendações como a da diversidade na composição do conselho de administração. A pluralidade de perspectivas no processo de tomada de decisões é valorizada no documento, em que pese o fato da carência, ao nosso ver, de recomendações práticas nesse sentido.

O Código do IBGC (soft law) ganha publicidade quando a União Europeia encontra-se em estágio avançado nas discussões sobre o seu projeto de Diretiva das Empresas e dos Direitos Humanos (hard law) e a agenda global discute parâmetros para um capitalismo responsável.

O momento do atual desenvolvimento do direito societário da União Europeia (UE) é classificado por Stefan Grundmann como sendo o da green box. O conceito central proposto pelo professor da Humboldt-Universitat baseia-se na ideia de que a responsabilidade para com a coletividade e entre gerações é primordial, tanto nas atividades econômicas como no direito societário. O professor menciona três exemplos claros dessa visão identificados nos megaprojetos do direito das sociedades da UE presentes na última década: (i) não externalização dos efeitos adversos da ação privada para a coletividade (contribuintes); (ii) proteção proativa dos valores fundamentais, quando a economia europeia é a fonte de riscos para esses valores; e (iii) apelos aos mais importantes decisores para que partilhem as suas estratégias, as tornem visíveis, as submetam à crítica e, além disso, se abstenham de injustiças.2

Discussões que pretendem inovações, também, no governo das organizações.

O estudo histórico da governança corporativa permite-nos identificar que demandas sociais (especialmente as crises) provocam a transformação das recomendações (soft law) em hard law.3 Aqui questionamos: no ensejo da publicação desse novo código pelo IBGC, qual a utilidade do documento no contexto atual de relevantes demandas sociais exigindo que negócios sejam explorados de forma ética e sustentável?

Nosso questionamento traduz um importante dilema no campo da governança corporativa: devemos optar pela produção de hard ou de soft law quando pensamos no aprimoramento do governo das sociedades?

Uma das razões que justifica a relevância dos códigos de governança corporativa é a de que eles incentivam efetivamente as organizações na implementação de estruturas de governo mais sólidas e na melhor divulgação de informações para os participantes do mercado.4 Esse argumento evidencia a orientação ética do novo Código do IBGC e o alinha com a Resolução CVM n. 59/2021. Lembramos que a normativa da CVM reflete a preocupação da autarquia com a pauta ASG, conforme explicam Luciano Timm, Henrique Misawa e Patrícia Medeiros.5

A literatura especializada, ao diferenciar diferentes tipos de Códigos de Governança Corporativa, acusa que esses documentos podem ser vistos como mecanismos que facilitam a convergência da governança entre países. Essa convergência é o resultado de várias forças externas, entre as quais as mais poderosas são a globalização, a liberalização do mercado e a influência dos investidores estrangeiros.6

Para concluir, o atual Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC vem em bom momento. Espera-se por iniciativas normatizantes e vinculativas (hard law) que acompanhem o momento global, entretanto.

__________

1 Governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente. In Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. Disponível aqui.  Acesso em: 15.08.2023.

2 GRUNDMANN, Stefan. European Company Law in transformation-strive for participation and sustainability. Yearbook of European Law, 2023, yead002.

3 ROSENVALD, Nelson; OLIVEIRA, Fabrício. Governança nos grupos societários: Inovações. Editora Foco, 2023 e OLIVEIRA, Fabrício de Souza. Governança Corporativa: a crise financeira e os seus efeitos (equívocos e possibilidades). 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2022.

4 DUH, Mojca. Corporate governance codes and their role in improving corporate governance practice. Corporate governance and strategic decision making, 2017, 8: 53-87.

5 Os impactos da nova Resolução CVM n. 59. Disponível aqui. Acesso em: 15.08.2023.

6 DUH, Mojca. Corporate governance codes and their role in improving corporate governance practice. Corporate governance and strategic decision making, 2017, 8: 53-87.