Política, Direito & Economia NA REAL

A natureza do bolsonarismo inclui o golpe

Caminhamos para o evento eleitoral mais importante deste século para o Brasil. A definição do novo presidente pelo povo brasileiro e a configuração das forças políticas que o apoiarão deve moldar a prática política pelos próximos anos, quiçá décadas.

9/8/2022

A ilegalidade e a ação contra o ordenamento político e institucional são essenciais à estratégia reacionária e populista 

Caminhamos para o evento eleitoral mais importante deste século para o Brasil. A definição do novo presidente pelo povo brasileiro e a configuração das forças políticas que o apoiarão deve moldar a prática política pelos próximos anos, quiçá décadas.

O que estamos a assistir nos últimos três anos e meio é o perigoso espetáculo do atual ocupante do Palácio do Planalto que cotidianamente avança no controle do Estado e faz do enfraquecimento das instituições a sua principal estratégia para permanecer no poder. Vê-se que o uso daquilo que se denominava de "máquina pública" é aberta: instituições como o Ministério Público, as políticas e os órgãos de segurança já estão com evidente limitação em suas funcionalidades em franco desacordo com a natureza e estrutura sedimentada dos checks and balances. Nas Forças Armadas e forças de segurança auxiliares, os ruídos em relação ao seu papel e os caminhos que tomarão não são nada desprezíveis. No Judiciário já se verifica que os indicados do ex capitão para o exercício da judicatura já cumprem seus papéis frente às intenções do bolsonarismo.A independência dos poderes está sob risco. Harmonia, em verdade, nunca houve na atual administração.

Como sabemos, num ambiente recheado de fake news, os fatos e dados são substituídos pelas narrativas que obstaculizam a visão sobre os acontecimentos "reais" e jogam o debate para um plano incompatível com a história e os processos sociais: cria-se uma espécie de mitologia moderna dentro de um padrão imaginário direcionado para crises e pequenas rupturas que, ao final, podem levar ao desmoronamento institucional. O mito do momento é que há uma conspiração eleitoral que passa pelas urnas eletrônicas o que pode fazer com que o ex capitão não seja sagrado presidente.

O processo histórico é constituído de fatos que engendram processos que fazem a marcha à frente das sociedades, para o bem e para o mal. Ocorre que num ambiente desprovido de conexão com a mais objetiva realidade e, considerada a imensa desigualdade social vigente no Brasil (assim como em outros lugares), os fantasmas e as construções narrativas podem se transformar em processo incontrolável contra a democracia e a legitimidade eleitoral. Aqui vale notar que o que se registra das manifestações e discursos do ex-capitão são narrativas incrementais contra a democracia por meio de uma ação política consistente muito embora tenha a aparência de arroubos ocasionais.

Na cena política percebe-se que mesmos os agentes mais importantes ligados ao bolsonarismo não fazem distinção razoável entre as ações de seu líder e as verdadeiras razões que as motivam. Este é o caminho fácil para que o plano imaginário do ex-capitão flutue por entre as massas e as motivem a agir contra a democracia. O fato não é novo: Hitler, Mussolini, Stálin e mais recentemente Donald Trump se utilizaram de mentiras abertas, repetidas intensamente, para forjarem realidades que resultaram em ações de seus aliados contra as instituições. A forma pode variar, mas o objetivo é o mesmo: conspirar contra a democracia.

A reação da sociedade brasileira tem sido razoável: por cima da profunda desorganização da política partidária brasileira, os abaixo-assinados e as manifestações estão sendo realizadas para paralisar o processo mitológico do ex-capitão. Todavia, é preciso alertar que o presidente da República ainda não produziu uma crise de larga envergadura para testar a solidez da defesa social. As multidões que apoiam o atual presidente ainda não demonstraram se o pensamento do líder foi transportado e sedimentado na mente delas a ponto de motivar uma ação política antidemocrática e contra as instituições.

Para os apoiadores do atual presidente não há propriamente adversários, mas inimigos. Em sendo assim, a demonização dos políticos e a radicalização do debate entre o "bem" e o "mal" cai perfeitamente no molde ideológico do reacionarismo do atual governo. O bolsonarismo acima de todos e o ex-capitão acima de tudo.

A política serve, do ponto de vista principiológico, à pacificação dos extremos no sentido de que adversários não podem ser inimigos. Não à toa, ao ex-capitão os acordos políticos não passam de arranjos momentâneos em vista de um futuro redentor no qual ele reinará acima das forças políticas. Trata-se do bonapartismo caboclo. Esta é a essência de seu proselitismo e de sua política. A companhia de "generais de pijamas" e a incorporação das Forças Armadas ao processo político é essencial à estratégia vez que estes gravitam acima da sociedade e de seus representantes. Basta ver a curiosa e perigosa participação do Ministério da Defesa na "legitimação" das urnas eleitorais: a dubiedade de suas "iniciativas técnicas" serve à manutenção das dúvidas criadas (sem fundamento) pelo presidente da República. Subestimar este tipo de fato é erro crasso. A vigilância da sociedade não deve ser apenas permanente. Precisa ser efetiva. Falar em "pacificação", neste sentido, é incompatível com a defesa da democracia.

A ilegalidade e a ação contra o ordenamento político e institucional são essenciais à estratégia reacionária e populista. De fato, a visão antidemocrática considera as barreiras institucionais e o estado de direito como meios de proteção ao "inimigo", aquele ser ou entidade que tem de ser excluído, aquele que impede a redenção populista deve ser extirpado. A ação ilegal ganha o contorno de virtude que glorifica o imaginário patriótico e, até mesmo, religioso.  É por isso que o ódio aos órgãos da mídia e ao STF, por exemplo, ocupa privilegiada posição no discurso oficial. Da mesma forma, a "esquerda" é tratada como "o mal".

Não é possível fazer previsões consistentes diante de um ambiente conspiratório como o atual. Todavia, é elevada a probabilidade de que seja tentada uma via de constrangimento ou derrubada às instituições do Estado. O falso debate sobre as urnas eletrônicas é o rastilho de pólvora que está sendo desenhado na direção do paiol da democracia. A natureza do bolsonarismo é reacionária. A sua manifestação apenas precisa da ocasião. Estado de Direito já!

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.