Porandubas Políticas

Porandubas nº 817

A democracia é um jogo de cooperação e oposição. No tabuleiro de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de espaços de consenso.

16/8/2023

Abro com Goiás.

Não mudou nada

Miguel Rodrigues, velho e sábio político de Goiás, foi visitar uma escola primária. Ali, a professora ensinava os primeiros dias de Brasil:

– No começo do Brasil colônia, como a América e o Brasil ficavam muito longe, para cá vieram, primeiro, muitos ladrões, degredados, condenados.

O coronel Miguel suspirou:

– Então não mudou nada.

Modos de governar - Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi

A democracia é um jogo de cooperação e oposição. No tabuleiro de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de espaços de consenso. No campo de oposição, o método é o de medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor a vontade pela força. Esse jogo implica em escolher as formas de governar que expressem o estilo do governante. Carlos Matus, cientista social chileno, aponta três estilos: o modo chimpanzé, o modelo Maquiavel e a forma Gandhi.

O modo chimpanzé

Esse modelo se ancora no projeto de poder pessoal, na rivalidade, na hierarquização de forças. Quem entra como uma luva na mão no modo chimpanzé é Arthur Lira e seus comandados, que lutam por espaços de poder e influência, com o chefe olhando para seu projeto de poder pessoal, usando seu corpo de aliados para garantir "o poder pelo poder". Usam a arma de manobra da agenda legislativa e o voto em plenário. O objetivo é ampliar terrenos e aumentar o número de "feudos" sob seu mando. Para tanto, adotam a tática de disparar processos de tensão, ameaçar o governo com retiradas de apoio, buscar novas coalizões de um lado e de outro. "O fim sou eu mesmo". A representação popular é algo menor. O ideal da vida é conservar o próprio representante.

O modo Maquiavel

Ancora-se no personalismo do Príncipe, coluna vertebral do modelo, que procura desfraldar a bandeira do projeto de Estado. Ele, o Príncipe não é o projeto, o projeto é o Brasil. Quem se encaixa no modelo? Luiz Inácio Lula da Silva. É o que mostra, por exemplo, o novo PAC, ambicioso empreendimento em praticamente todas as áreas do governo, com um orçamento de R$ 1,7 trilhão. O objetivo, que se infere, é a reeleição em 2026. Tudo deve ser sacrificado pelo projeto, a partir da distribuição de recursos por partidos e representantes. Para atender à competição feroz da classe política, a conduta maquiavélica faz concessões ao estilo chimpanzé, e este acaba ganhando o jogo. Não há como escapar à sensação de que o país desce o despenhadeiro. A imagem pode ser forte. Mas é o que se vê, quando se constata a imensa dificuldade de se cumprir os compromissos da âncora fiscal. Gastar menos do que o país pode suportar.

O modo Gandhi

No Brasil, as manobras divisionistas vencem as táticas de cooperação e é por isso que o país anda devagar. As reformas caminham a passos lentos. Se em cima e no meio, elites e políticos fazem a confrontação, em outras margens da sociedade reina um clima de concórdia e solidariedade. Os pobres não têm munição para fazer guerra. No meio de humildes e marginalizados, reparte-se o pão, cultiva-se a amizade, busca-se a cooperação, o adversário é respeitado e a honestidade é um valor coerente entre a palavra e a ação. A política obedece ao estilo Gandhi, onde o líder representa o consenso, a austeridade e a modéstia. Ele não carece de força física, porquanto repousa seu poder na espiritualidade. Trata-se de um estágio superior de cultura, mas não é necessário alguém se transformar em Papa ou Madre Tereza de Calcutá para alcançar tal grandeza. Esse é o estilo que o Brasil precisa incorporar à modelagem governativa. Quem se enquadra nessa moldura? Há alguém no horizonte? P.S. Nunca precisamos tanto como agora do diálogo, da elevação dos espíritos, da negociação, da convivência, de um pacto por causas coletivas. Transformar a cultura egocêntrica da política numa cultura socio-cêntrica, inspirada na motivação pelos ideais da sociedade.

A maldição de Sísifo

A vida é um eterno recomeço. Recordemos o castigo de Sísifo. De vida solerte e pecaminosa, conseguiu livrar-se da morte por duas vezes, sempre blefando. Rei de Corinto, não cumpria a palavra empenhada, até que Tânatos veio buscá-lo em definitivo para jogá-lo no Hades. Como castigo, os deuses o condenaram impiedosamente a rolar montanha acima com um grande bloco de pedra sobre os ombros. Quase chegando ao cume, o bloco desaba montanha abaixo. A maldição de Sísifo: recomeçar tudo de novo, tarefa que há de durar eternamente. O povo brasileiro se sente no estado de um eterno recomeço. Quando acha que as coisas estão se normalizando, o desastre aparece. Os horizontes estampam: pequenas e grandes catástrofes, escândalos, corrupção desbragada, favorecimentos, ausência de critérios racionais, mandonismo, novos impostos, politicagem, feudos, deterioração dos serviços públicos, falta de continuidade nas administrações.

Raspando o tacho

- Se o fluxo de novas descobertas continuar desvendando o affaire das joias oferecidas ao ex-presidente Jair Bolsonaro em viagens internacionais, que teria tentado passá-las para seu patrimônio pessoal, desenha-se uma prisão.

- O ministro Alexandre de Moraes, com quem está o imbróglio, no STF, deve estar sob intensas dúvidas. Tomar uma decisão sobre o caso: remeter a questão para a 1ª instância? Ordenar uma prisão?

- O advogado e jurista Miguel Reale Jr. garante que tem fundamento uma prisão preventiva.

- Jair coloca suas contas à disposição da Justiça. Comenta-se que só usa dinheiro vivo para pagar contas.

- O jurista e desembargador Walter Maierovitch identifica os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e outros no caso, mas é cauteloso quanto a uma prisão no momento. Sugere seguir a trilha da legalidade. Em sua contabilidade, os crimes cometidos já somam uma pena de uns 10 anos.

- Bolsonaro não tem mais foro privilegiado. O caso pode seguir para a 1ª instância.

- O fato é que aliados se afastam ante um silêncio que fecha a boca de protagonistas.

- Há ilícitos de todos os lados. Sujeira. Procurador alerta Aras, o PGR, sobre 'ilegalidades' em desconto de R$ 6,8 bilhões em favor da J&F.

- Se ocorrer prisão, é de se prever manifestação de rua. O Brasil continua dividido. Há certa preocupação com o 7 de setembro.

- Grandes empresas têm avançado na montagem de sistemas de proteção de dados.

- A polícia da Bahia matou 1.464 pessoas em intervenções em 2022. Nos Estados Unidos, as forças de segurança mataram 1.201 pessoas. A Bahia ganha o título de território de maior letalidade, comparada a de um país de 330 milhões. Tem apenas 15 milhões. Santo Antônio de Jesus é o município mais perigoso, com 116,9 mortes a cada 100 mil habitantes. A taxa média brasileira é de 24,9. Proteja Santo Antônio, Jesus.

- Essa é surpreendente: o ser humano pode chegar a viver 20 mil anos. É o que garante o especialista em biogerontologia molecular, professor português João Pedro de Magalhães, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Publicou um estudo no site Scientific American.

- O governador de Roraima, Antônio Denarium, foi cassado pelo TRE. Teria distribuído cestas básicas na campanha. Apelou para o TSE. Defende-se no cargo.

- E se Javier Milei, candidato da extrema-direita, ganhar a eleição presidencial na Argentina? Como será a convivência com Lula, hein? Defensor do fim do Banco Central e de propostas libertárias na economia, o candidato não depende de apoio militar. Como Bolsonaro, é a favor do povo armado. Considera-se um "anarcocapitalista".

- Ronaldo Caiado se prepara para o embate de 2026. A acompanhar.

- Outra variante do Covid-19: Eris. Trata-se de subvariante da ômicron, predominante nos EUA, com crescimento no Reino Unido. Não causa doença grave nem representa maior risco à saúde pública, garantem autoridades no tema.

- Fernando Haddad, o poderoso ministro da Economia, dá o aviso: "a Câmara está com um poder muito grande e não pode humilhar o Senado e o Executivo".

- Atenção com gorduras e carboidratos. Mais um alerta da OMS, destacando a importância de levar em conta tanto a quantidade quanto a qualidade do que é consumido. "Não há novidades nas orientações sobre o consumo de gorduras, mas, em relação aos carboidratos, a nova orientação destaca a importância da inclusão de carboidratos de boa qualidade para uma boa saúde", avalia a nutricionista Serena del Favero, do Hospital Israelita Albert Einstein.

- Esse novo PAC é o guarda-chuva que Lula reconstruiu para abrigar seu governo de chuvas e trovoadas. Vai ser difícil. Controlar as obras e conferir as "inacabadas" é tarefa para um Hércules sem dores no quadril.

Fecho com o Paraná.

De paranaenses

Jorge Takachi, japonês simpático e generoso, querido em toda a cidade, saiu candidato a prefeito de Nova Esperança/PR. A oposição começou a falar mal dele. Jorge Takachi não aguentou. Foi fazer comício:

– Jorge Takachi bom para a cidade, constrói hospital, dá dinheiro para a igreja, ajuda os pobres, paga feira dos outros, povo diz: Jorge Takachi muito bom. Jorge Takachi candidato a prefeito, povo diz: Jorge Takachi filho da puta. Num é, né? Assim, Jorge Takachi não entende povo.

Risadas. E comentários gerais: "Takachi não entende mesmo".

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.