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MP do Contribuinte Legal que suprime 2ª instância do CARF é inconstitucional

As mudanças no contencioso administrativo de baixo valor foram incluídas com aval do governo na Medida Provisória no 899 (MP do Contribuinte Legal)

26/2/2020

Contribuintes que discutem dívidas de até R$ 62,7 mil (60 salários mínimos) com a Receita Federal deverão ser impedidos, em caso de jurisprudência consolidada, de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para tentar reverter as cobranças.

As mudanças no contencioso administrativo de baixo valor foram incluídas com aval do governo na Medida Provisória 899 (MP do Contribuinte Legal).

O relatório do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) foi aprovado, por unanimidade, em comissão do Congresso e terá que passar agora pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal até 25 de março.

A restrição do acesso ao Carf deve ser vista com ressalvas pela falta de paridade nas delegacias da Receita Federal que se tornarão a última instância julgadora.

Ademais, vale o registro de que o Plenário do STF já sedimentou a tese de que o duplo grau de jurisdição - no contencioso tributário - é um direito e garantia individual do contribuinte e não pode sofrer restrições que inviabilizam o direito de defesa do recorrente. Essa foi a decisão do julgamento conjunto dos RE 388359, 389383, 390513.

Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal prestigiou a tese de que com a previsão do recurso administrativo o que se buscou foi o aprimoramento da prestação devida ao administrado mediante controle interno da legitimidade dos atos da administração.

Os litígios de até 60 salários mínimos representam 60% do volume de processos no Carf e 87% do montante inscrito na dívida ativa da União.

No total, são cerca de 16 milhões de procedimentos de cobrança, que somam R$ 2,4 trilhões. Desses, cerca de 13 milhões referem-se às autuações inferiores a R$ 60 mil, que alcançam R$ 169 bilhões.

Ou seja, mais uma vez se prestigia a “eficiência” em detrimento de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.

Ao invés de se aprimorar o controle administrativo dos lançamentos tributários busca se suprimir a paridade de armas, o devido processo legal e o contraditório.

A proposta é um verdadeiro retrocesso para o contencioso administrativo tributário.

O ato administrativo, a exemplo do lançamento tributário, é o modo de expressão da atividade estatal no exercício da função administrativa.

Assim, apresenta-se com características particulares que lhes dão feições próprias, encerrando o que Celso Antonio Bandeira de Mello considera as duas idéias centrais com que se constrói o direito administrativo: garantia dos administrados e prerrogativas da administração.

E tudo isso está em destruição. Tempos estranhos.

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*Breno de Paula é advogado Tributarista, mestre em Direito (UERJ), professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia.

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