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MP do ambiente de negócios: possível crescimento econômico ou só mais um marco legal?

Um país institucionalmente estável é um país que preza não apenas por um ambiente de negócios desenvolvido, mas, também, pela autonomia dos órgãos reguladores, por uma comunicação institucional eficaz e plena segurança jurídica.

17/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

De acordo com a apresentação executiva da MP 1.040/2021, o projeto nasce com três objetivos principais: "modernizar o ambiente de negócios como estratégia de recuperação econômica pós-pandemia; contribuir com a melhoria da posição do Brasil no indicador Doing Business do Banco Mundial e atrair investimento estrangeiro direto através de um melhor ambiente institucional".

A melhora no ambiente institucional, no entanto, não serve apenas para atrair investimento estrangeiro, mas, também, para promover a melhoria da posição do Brasil no indicador Doing Business. Um país institucionalmente estável é um país que preza não apenas por um ambiente de negócios desenvolvido, mas, também, pela autonomia dos órgãos reguladores, por uma comunicação institucional eficaz e plena segurança jurídica.

O índice Doing Business foi criado pelo Banco Mundial nos anos 2000, mensurando 10 indicadores, entre 190 países ao redor do mundo. O Brasil nunca ficou entre os top 100, e, atualmente, está na 124° posição.

A meta do governo Federal, através da implementação da MP de Ambiente de Negócios. é que o Brasil chegue a 90ª posição. E, até o ano de 2022, através de medidas como o licenciamento urbanístico integrado; MP de Registro e Crédito; tributação e Connex, entre outras, o Brasil chegue no top dos 50 países.

Para isso, diversas medidas foram implementadas na MP. As principais são: unificação no CNPJ das inscrições fiscais dos entes federativos; simplificação na análise de viabilidade; ampliação de competências das Assembleias Gerais; obrigatoriedade de participação de conselheiros independentes nos Conselhos Administrativos de Companhias com capital aberto; desjudicialização de cobranças administrativas de conselhos profissionais; desburocratização na obtenção de eletricidade e revisão do estoque regulatório de licenças de importação.

O mercado possui uma visão positiva sobre as alterações, afinal, várias demandas feitas pelo setor privado foram atendidas pela MP. No entanto, acredita-se que as alterações ainda são tímidas. Representantes do setor privado brasileiro, em videoconferência organizada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados, sugeriram alterações específicas ao texto da MP, a fim de atrair investimento externo e desburocratizar o ambiente de negócios.

A maioria das medidas seguem recomendações do Banco Mundial para a criação de um "ambiente confiável" ao mercado. De fato, não há nada errado nisso, mas será suficiente para o Brasil alcançar uma maturidade institucional?

A justificativa central da MP apropria-se de referências que sempre circularam em diversos relatórios do Banco Mundial, através da criação de um "ambiente confiável", e essas práticas propiciaram mudanças positivas.

Mas o discurso é antigo. Em 1995, durante o processo de Reforma do Estado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em Mensagem ao Congresso Nacional, afirmou: "para que o Brasil possa tirar o maior proveito possível da situação externa de oferta de recursos, conjugada com a condições internas favoráveis resultante da retomada do crescimento com estabilização, é necessário garantir um ambiente confiável para os investidores".

Não é à toa a semelhança retórica das diversas propostas. Conforme analisado por Emiliano Rodrigues Brunet em seu livro "Reforma do Estado no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): ideologia reformista, economicismo e direito em uma época de mudanças", o Banco Mundial há tempos exerce forte influência na política econômica do país.

O Brasil apresentou forte evolução em várias frentes. Porém, os objetivos não foram alcançados, na prática, da forma pretendida. Como dito anteriormente – e apesar dos vários esforços envidados para tal – o Brasil continua mal posicionado em indicadores como o Doing Business.

O país sempre enfrentou problemas econômicos estruturais. A solução – contrário sensu – além das mudanças pontuais no texto das normas, que o governo está fazendo, também é desafiante em mudanças graduais e constantes no desenho institucional do país, e, um marco legal é uma etapa importante, pois precisamos ultrapassar o histórico deficitário com um novo arranjo institucional dos entes públicos.

De acordo com a "nova economia institucional", o desempenho econômico dos países está diretamente ligado a eficiência institucional. Esse é o caminho. Apesar do conceito amplo, a explicativa é óbvia: países desenvolvidos possuem instituições sólidas que garantem a liberdade de mercado e um braço regulador eficaz.

É positiva a iniciativa do presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adotar a MP em debate, que junto com a produção legislativa do Congresso Nacional implementarão um novo marco. Mas também é preciso que essa iniciativa seja uma nova frente institucional do país, pois como dito anteriormente, não basta a criação de uma norma, é preciso a mudança estrutural para a sua garantia e eficácia.

Portanto, para que de fato o desempenho econômico do Brasil melhore no longo prazo, as instituições deverão se adaptar. Para isso, é necessário eficiência na implementação de políticas públicas e na agenda regulatória, e é necessário um ambiente que propicie segurança jurídica a fim de atrair investimentos estrangeiros.

A MP apresenta mudanças benéficas e significativas para o mercado. Mas ela precisa de reforços, pois sozinha não será responsável por uma melhora econômica no longo prazo. Afinal, como Douglass North afirma, as instituições são a regra do jogo. E, de fato, são.

Atualmente, a MP encontra-se na Câmara dos Deputados, e, como não foi apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, entrou em Regime de Urgência. Assim, a deliberação pelo Congresso deverá ocorrer até o dia 10 de agosto.

Cristiane Lustosa Secco
Advogada sócia do Albuquerque Melo Advogados.

João Roberto Leitão de Albuquerque Melo
Advogado sócio do Albuquerque Melo Advogado.

Leonardo Parizotto Gomes
Colaborador de direito empresarial do Albuquerque Melo Advogados.

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