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A tutela do direito ao esquecimento em ambiente virtual

Quando houver respaldo ao exercício do direito ao esquecimento, quem sofrer detrimento à sua dignidade humana terá de se valer de ação judicial para o fim de alcançar sejam seus dados retirados de registros, a exemplo do que ocorre em relação a sites de notícias ou provedores de buscas.

27/9/2022

Ao tratarmos do direito ao esquecimento, tema do presente artigo, oportuno de faz considerar os direitos da personalidade como aqueles inerentes à pessoa humana e à sua dignidade – não se olvidando o fato de que, no que couber, aplicam-se também às pessoas jurídicas. Em brevíssima síntese, os direitos da personalidade da pessoa humana são considerados em três dimensões, quais sejam, integridade física, integridade moral e integridade intelectual.

A título de exemplo, mencione-se interessante decisão do Tribunal de última instância de Paris (Mme. Filipachi Cogedipresse -1983), a qual assegurou este direito nos seguintes termos: qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.

Na compreensão de Costa Júnior é o direito que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se a publicidade e de permanecer recolhido em sua intimidade. Direito ao recato, portanto, não é o direito de ser recatado, mas o direito de manter-se afastado dessa esfera de reserva de olhos e ouvidos indiscretos, bem como o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera de intimidade.

Tal direito repousa consignado no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, cuja transcrição se faz em homenagem à promoção da melhor compreensão:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)  X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Na esfera infraconstitucional, o Código Civil trata em seu art. 21:

A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

O direito ao esquecimento encontrou, primeiramente, suporte no direito penal, com finalidade de garantir efetividade à ressocialização do egresso o sistema penitenciário, consoante o art. 202 da lei de Execução Penal Brasileira:

Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei. 

Outrossim, pode-se encontrar previsão do direito ao esquecimento no seio do artigo 143 e 144 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. (Parágrafo único). Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome.

 Art. 144. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade.

Também o Código de Defesa do Consumidor, consagra no parágrafo 1° de seu art. 43:

O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § ° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

Em razão legislativa, muito relevante considerar que a lei Geral de Proteção de Dados (lei 13.709/18), - a qual passa a viger a partir de agosto de 2020 – já é uma realidade com a qual todos teremos que lidar. Mantendo similaridade com a versão europeia da lei, a General Data Protection Regulation (GDPR), a nova legislação estabelece os direitos do titular dos dados, bem como as obrigações e proteções que devem ser seguidas pelas empresas.

Na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça realizada em março de 2013, aprovou-se o Enunciado 531, defendendo-se a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Apesar de tal Enunciado não conservar força cogente, trata-se de uma importante fonte de argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.

Certo é, qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança de acontecimentos e do papel que se possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade.

As pessoas têm o direito de serem esquecidas pela sociedade, pela opinião pública e pela imprensa. Atos praticados ou sofridos no passado não devem reverberar perpétua e incondicionalmente, minando uma renovação natural no ciclo da vida de qualquer cidadão.

Mas como deve agir quem pretende exercer o direito ao esquecimento, ainda mais em tempo atuais, nos quais a informação – certa ou equivocada – é propagada com velocidade assustadora?

O direito fundamental à privacidade e o direito à proteção dos dados pessoais são considerados princípios base da disciplina do uso da Internet no Brasil, conforme artigos 2º e 3º do Marco Civil da Internet.

E como consequência à violação do direito à dignidade da pessoa humana, o Marco Civil da internet cuidou em assegurar uma série de direitos ao usuário em seu artigo 7º, sendo que o artigo 8º prevê que a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Note-se que apesar de o Marco Civil não dispor expressamente sobre as formas em que a proteção à dignidade da pessoa humana deverá ser abordada ou, tratada no âmbito digital, avançou em importante passo transpor lado a lado, “o direito à liberdade” e o “direito à liberdade de expressão”. Isso porque o direito ao esquecimento deverá ser analisado e decidido caso a caso, ponderando-se sempre quanto aos reais impactos individuais x relevância histórica que impliquem em direito ao acesso de informações pela coletividade.

Como consequência à violação das garantias mencionadas no artigo 7ª da lei 12.965/14, o seu artigo 19 exige ordem judicial específica para tornar indisponíveis conteúdos gerados por terceiros e violadores de direito, sendo que no caso de inércia, a responsabilidade civil pode ser invocada.

Já o art. 21 da referida lei, a exceção à necessidade de ordem judicial específica corre à conta de conteúdos violadores da intimidade divulgados sem autorização, como cenas de sexo ou de nudez, hipótese em que a norma se contenta com a notificação que aponte o material ilícito. Além disso, está expressamente excepcionada de seu âmbito de incidência a violação de direitos autorais praticada por terceiros consoante previsão do parágrafo 2º do artigo 19 e artigo 31.

Em conclusão, quando houver respaldo ao exercício do direito ao esquecimento, quem sofrer detrimento à sua dignidade humana terá de se valer de ação judicial para o fim de alcançar sejam seus dados retirados de registros, a exemplo do que ocorre em relação a sites de notícias ou provedores de buscas.

Muito ainda se discute em relação ao direito ao esquecimento e o direito à informação e à liberdade de expressão e muito ainda se discutirá, haja vista ser muito tênue o limite entre estes. Todavia, importa considerar ser o mesmo limite entre a verdade e o que não é verdade, entre a informação necessária e a informação irrelevante, entre o a notícia que contribui e aquela que agride.

Por fim, certo é que cada um de nós há de guardar muita cautela em relação a tudo quanto realizamos e divulgamos, sobretudo em redes sociais e ambientes virtuais, pois a informação de propaga à velocidade do risco que assumimos ao compartilhá-las, sendo por demais difícil apagar os rastros deixados.

Fernando Borges Vieira
Advogado desde 1997 - OAB/SP 147.519, OAB/MG 189.867, OAB/PR 94.745, OAB/RJ 213.221 - Sócio Administrador de Fernando Borges Vieira Sociedade de Advogados, Mestre em Direito (Mackenzie).

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