Migalhas de Peso

Processo, rock e heavy metal

Existe alguma relação entre rock, heavy metal e processo?

18/2/2025

O rock e o heavy metal, originários da junção do blues negro com o country branco, expressaram, por muito tempo, os desejos, as angústias e as insatisfações da sociedade, inclusive sobre o Direito e o sistema de justiça.

Em "The Prisoner", música inspirada numa série, o Iron Maiden constrói uma narrativa a respeito da desumanização do sistema. O prisioneiro, assim como qualquer parte de um processo judicial, não quer ser tratado apenas como um número.

O mesmo Iron Maiden, em "Hallowed Be Thy Name," depois de várias badaladas, narra o sentimento de injustiça e de desilusão com a vida terrena de um homem condenado à forca, aguardando a execução da pena.

Outro condenado à forca é retratado em "Gallows Pole", do Led Zeppelin. Na letra, o preso tenta, em vão, corromper o carrasco.

Por seu turno, "Jailbreak", do AC/DC, relata a busca pela liberdade de alguém que se considera injustamente preso e as consequências de lutar contra aquilo que considera uma opressão do Estado.

"Trial," do Pink Floyd, utiliza o processo judicial como uma maneira de criticar as estruturas de poder consideradas opressoras.

Por sua vez, "Breaking The Law," do Judas Priest, apresenta o refrão como um ato de rebeldia contra a lei — metáfora para as regras e as expectativas sociais —, a partir de um sentimento de injustiça.

Por aqui, o auge do rock antecedeu a CF/88, e suas letras comunicaram as expectativas normativas daquela geração.

Germano Schwartz, em seu interessantíssimo livro "Direito & Rock", faz uma análise do impacto da comunicação social do BRock sobre a CF brasileira, demonstrando que muitas das expectativas normativas comunicadas pelas bandas da época, como Ultraje a Rigor, RPM, Ira!, Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, foram positivadas na CF/88 — ainda que tenham sido frustradas pelos representantes do povo, democraticamente eleitos.

Voltando às bandas internacionais, "…And Justice for All" (o título da música é uma ironia), do Metallica, sugere uma crítica ao sistema de justiça, expressando um sentimento de que a Justiça não busca a verdade, pois é corrompida e manipulada por quem detém o dinheiro e o poder.

Na letra, frases hiperbolicamente incisivas, como “Palácios de Justiça pintados de verde;” A Justiça está perdida; “A Justiça foi violentada; “A Justiça já era;” “O martelo de Justiça te esmaga; “Excesso de poder.”

Interpreto a música, também, como uma crítica contundente à sociedade. O Metallica se utiliza do processo e da Justiça para demonstrar a sua indignação com o declínio dos valores.

”...And Justice for All” foi lançada em 1988, no álbum de mesmo nome. De lá para cá, o que mudou? A decadência dos valores morais se aprofundou, e os Poderes vivem uma crise de representatividade e de legitimidade.

Além disso, a sociedade digital não precisa mais da música para mostrar a sua insatisfação.

A crítica legítima, por qualquer meio, longe de ser um atentado à democracia, é essencial à sua existência, devendo ser recebida com humildade.

A propósito, no Estado de Direito, o processo é uma garantia da sociedade contra os abusos na condução do próprio processo.

Processo é, sobretudo, devido processo legal, contraditório, publicidade, imparcialidade, juiz natural, fundamentação analítica, boa-fé etc.

Portanto, a liberdade de comunicar expectativas processuais frustradas é um direito fundamental. Mais que isso, é um convite a uma necessária autoavaliação.

Não existe, porém, processo virtuoso sem sociedade virtuosa. Precisamos, com urgência, retomar o caminho da virtude e dos valores, para que não reclamemos a falta deles no processo.

Encerro o texto e volto a ouvir "Infinite Dreams" do ponto em que parei, com fé na liberdade, na virtude, nos valores morais e no processo.

Rodrigo da Cunha Lima Freire
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Professor de Direito Processual Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado e Parecerista. youtube e Instagram @ProfRodrigoDaCunha

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