Sempre que ouço alguém falar que “o processo corre,” intervenho para dizer que “processo não corre, processo tramita.”
Apesar da alta produtividade dos juízes brasileiros, os processos tramitam por anos. São anos para certificar o direito, outros tantos para quantificá-lo e muitos outros para efetivá-lo.
O mais longo de todos, uma possessória de força velha proposta em 1985 pela Princesa Isabel e pelo Conde d’Eu, que discutiu o confisco da residência do casal (hoje conhecida como Palácio Guanabara) após a Proclamação da República, chegou ao trânsito em julgado em 2020.
Esse é um caso incomum, mas é inegável que a duração do processo nem sempre é razoável.
O tempo é normalmente relacionado aos segundos, aos minutos, aos dias, às horas ou aos anos — divisões que devemos sobretudo aos sumérios e aos egípcios. Mas a noção de tempo é dinâmica e não se sujeita a medidas cronológicas.
Fui estagiário num mundo analógico e offline. Ainda não havia internet, processo eletrônico, julgamento virtual, peticionamento eletrônico, citação e intimação eletrônicas, e-mail, WhatsApp, Google, smartphone, tablet, copiar e colar, salvar como, audiência telepresencial, rede social, streaming, aplicativo de transporte, nuvem, nem IA generativa.
Nesse contexto, existia uma maior tolerância com o tempo do processo, entendido como parte do jogo, até porque, nessa época, os autos eram físicos, cada ato processual escrito era datilografado, procurar jurisprudência era um trabalho braçal, peticionar exigia deslocamento ao fórum, e o cliente não trocava mensagens instantâneas com o advogado.
O mundo digital e online, contudo, mudou essa lógica. O tempo da vida acelerou e a sociedade, imersa nessa aceleração, passou a querer respostas rápidas e soluções imediatas. Nesse cenário, a paciência das pessoas com o tempo do processo diminuiu.
Há também uma certa frustração quanto ao impacto das alterações da lei processual na redução do tempo excessivo dos processos. Talvez tenha sido criada uma expectativa irreal. Boa gestão e tecnologia podem fazer mais pelo processo que alterações legislativas, mas o aperfeiçoamento da legislação processual, no seu tempo, pode ser eficaz. Um bom exemplo é a transformação da tutela de urgência ocorrida nas últimas décadas.
Por muitos anos, a tutela cautelar reinou sozinha e não era requerida com a facilidade de hoje. Exigia-se a propositura de uma ação cautelar típica ou atípica, preparatória ou incidental. Tutelas satisfativas eram muitas vezes requeridas travestidas de cautelares e, comumente, eram indeferidas.
Com a reforma de 1994, foi introduzida a tutela antecipada, ao menos com essa nomenclatura, e, com o CPC de 2015, os requisitos da cautelar e da antecipada foram unificados, o processo cautelar autônomo e os procedimentos cautelares específicos foram abolidos, e a tutela de urgência passou a ser requerida em qualquer instância sem maiores formalidades.
Faltou disciplinar melhor a tutela de urgência antecedente, mas é inegável que houve uma evolução num instrumento processual responsável por acelerar a eficácia imediata das decisões judiciais.
Seja como for, não se deve vilanizar o tempo do processo - que não se confunde com o excesso de tempo. Processo demanda tempo porque deve respeito ao contraditório, para que as provas sejam corretamente produzidas e devidamente analisadas, e para que a sua decisão seja adequadamente fundamentada.
Quando se diz que o juiz não tem o dever de consulta para decidir sobre incompetência absoluta ou sobre pressupostos recursais, o tempo do processo é desrespeitado.
Da mesma forma, quando são analisados apenas os argumentos ou as provas “suficientes para a formação do convencimento do julgador,” sem que sejam examinados todos os argumentos e provas que poderiam objetivamente infirmar a conclusão adotada, o tempo do processo é desrespeitado.
Ou ainda, quando a sustentação oral é impositivamente substituída pelo envio de um documento (arquivo de áudio ou de vídeo), impedindo que se apresentem, em tempo verdadeiramente real, os argumentos essenciais e os esclarecimentos pontuais, o tempo do processo é desrespeitado.
Como disse José Saramago, “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.” Processo exige tempo, que deve ser razoável, mas o tempo do processo nem sempre corresponde ao tempo apressado da vida.