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A validade dos prints como prova no processo civil

O artigo analisa a validade dos prints como prova no processo civil, abordando sua presunção relativa de veracidade e soluções.

27/4/2025

Introdução

No contexto atual, marcado pela progressiva digitalização das relações sociais, comerciais e jurídicas, a produção probatória no processo civil tem enfrentado novos desafios. Entre eles, destaca-se a utilização de capturas de tela (prints) como meio de prova. Documentar conversas em aplicativos de mensagens, publicações em redes sociais ou quaisquer outras interações virtuais tornou-se prática comum para resguardar direitos e demonstrar fatos juridicamente relevantes.

O CPC brasileiro, em seu art. 369, estabelece que "as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz". Este dispositivo consagra o princípio da atipicidade dos meios de prova, permitindo que se utilize qualquer evidência lícita para demonstrar a veracidade das alegações.

Neste cenário, os prints surgem como ferramentas probatórias potencialmente valiosas. Contudo, seu uso não está isento de controvérsias, especialmente no que tange à autenticidade e integridade. Este artigo busca analisar os aspectos jurídicos relacionados à utilização dos prints como meio de prova no processo civil, abordando seus requisitos de validade, vulnerabilidades e mecanismos que podem reforçar sua confiabilidade.

1. O print como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro não regula especificamente o uso de prints como prova. Os tribunais brasileiros têm admitido os prints como prova, aplicando-lhes o regime dos documentos comuns. Isso significa que, apresentada a captura de tela como evidência, esta será considerada válida se não impugnada pela parte contrária quanto à sua autenticidade, conforme previsto no art. 411, inciso III, do CPC.

O STJ, em diversas oportunidades, reconheceu a validade probatória dos prints, especialmente quando corroborados por outros elementos de prova. A Corte entende que mensagens eletrônicas e capturas de tela constituem início de prova material, podendo ser complementadas por outros meios probatórios.

2. A presunção relativa de veracidade e o ônus da impugnação

Um aspecto fundamental da utilização de prints como prova é a compreensão de sua natureza jurídica. Quando apresentados em juízo, os prints gozam de presunção relativa de veracidade, cabendo à parte contrária impugná-los especificamente, caso questione sua autenticidade ou integridade.

O art. 422 do CPC estabelece que "qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada pela parte contra quem foi produzida". Por analogia, este dispositivo aplica-se aos prints, que funcionam como reproduções digitais de conteúdos eletrônicos.

Assim, apresentado o print como prova, cabe à parte contra quem ele foi produzido o ônus de impugná-lo fundamentadamente, apontando indícios concretos de adulteração ou falsificação. A mera alegação genérica de possibilidade de adulteração não é suficiente para afastar sua força probante, conforme já decidiu o STJ em diversos julgados.

Contudo, uma vez apresentada impugnação fundamentada, o ônus da prova inverte-se, cabendo àquele que produziu o print demonstrar sua autenticidade por outros meios, como testemunhas, perícia ou elementos contextuais que corroborem o conteúdo registrado.

3. Vulnerabilidades dos prints como meio de prova

Apesar de sua utilidade prática, os prints apresentam significativas vulnerabilidades como meio probatório, que não podem ser ignoradas. A principal delas consiste na facilidade de manipulação do conteúdo digital.

Diferentemente dos documentos físicos, cujas adulterações frequentemente deixam vestígios materiais detectáveis, as alterações em documentos digitais podem ser realizadas sem deixar rastros evidentes, por meio de softwares de edição de imagem amplamente disponíveis. É possível modificar não apenas o conteúdo de mensagens, mas também datas, horários, nomes e qualquer outro elemento visível na tela capturada.

Outro fator relevante é a possibilidade de descontextualização. Um print pode capturar apenas uma parte específica de uma conversa ou interação, omitindo elementos essenciais para sua correta compreensão. Tal seletividade pode conduzir a interpretações distorcidas dos fatos, prejudicando a busca pela verdade processual.

Além disso, existe a questão da autoria. Prints extraídos de dispositivos ou contas particulares não garantem, por si só, que o conteúdo foi efetivamente produzido pela pessoa a quem se atribui sua autoria. Perfis falsos, acesso não autorizado a dispositivos e outras formas de simulação podem comprometer a credibilidade da prova.

Capturas de tela de conversas por aplicativos, quando isoladas, constituem prova frágil, pois facilmente manipuláveis, devendo ser analisadas em conjunto com os demais elementos probatórios.

4. A ata notarial como instrumento de autenticação

Diante das vulnerabilidades inerentes aos prints, o ordenamento jurídico oferece um mecanismo formal para reforçar sua autenticidade: a ata notarial. Prevista no art. 384 do CPC, a ata notarial consiste em um documento público lavrado por tabelião, que atesta ou documenta, para fins de prova em processo, a existência de um fato ou a forma como este se apresenta.

Na prática, o interessado comparece ao cartório e, na presença do tabelião, acessa o conteúdo digital que deseja documentar. O notário redige a ata descrevendo com detalhes o que visualizou na tela, podendo anexar impressões ou capturas realizadas durante o ato. Por ser um documento dotado de fé pública, a ata notarial confere maior robustez ao print, tornando sua impugnação mais difícil.

Apesar de sua inegável utilidade, a ata notarial apresenta limitações práticas significativas. A principal delas é o custo financeiro, que varia conforme a tabela de emolumentos de cada Estado, mas que geralmente representa um investimento considerável, especialmente para indivíduos de menor poder aquisitivo ou em causas de menor valor econômico.

Além disso, há o fator temporal. A formalização da ata exige agendamento prévio e deslocamento até o cartório, o que pode ser incompatível com a dinâmica ágil das interações digitais e a necessidade de documentação imediata de conteúdos que podem ser rapidamente removidos ou alterados.

Esses obstáculos fazem com que a ata notarial, embora juridicamente ideal, não seja uma solução universalmente acessível, limitando sua utilização prática como mecanismo de autenticação de prints.

5. Plataformas privadas de autenticação: Uma alternativa emergente

Como resposta às limitações da ata notarial e às vulnerabilidades intrínsecas dos prints convencionais, o mercado tem desenvolvido soluções tecnológicas intermediárias - plataformas privadas especializadas na autenticação e verificação de conteúdos digitais.

Essas plataformas utilizam tecnologias como criptografia, blockchain e certificação digital para criar registros verificáveis de conteúdos online. Funcionam, em essência, como testemunhas tecnológicas, capazes de atestar a existência, o conteúdo e o momento da captura, reduzindo significativamente as possibilidades de adulteração.

Entre as soluções disponíveis no mercado brasileiro, destacam-se aplicativos e serviços que permitem capturar conteúdos de redes sociais, sites, e-mails e aplicativos de mensagens, gerando relatórios verificáveis com metadados, carimbos de tempo e outras informações técnicas que incrementam sua confiabilidade.

A jurisprudência brasileira tem demonstrado crescente receptividade a essas ferramentas.

As vantagens dessas plataformas são evidentes: custo significativamente menor que a ata notarial, acessibilidade imediata via dispositivos móveis, e proteção contra alterações posteriores. No entanto, por não serem dotadas de fé pública, essas soluções ainda ocupam posição intermediária na hierarquia probatória, superior ao print comum, mas inferior à ata notarial.

Importante ressaltar que, mesmo com o uso dessas plataformas, permanece essencial o contraditório e a ampla defesa, permitindo que a parte contrária questione a validade e autenticidade da prova, inclusive tecnicamente.

6. A valoração judicial dos prints: Entre o formalismo e a efetividade

A questão da admissibilidade e valoração dos prints como prova reflete uma tensão permanente no Direito Processual: de um lado, a necessidade de segurança jurídica, impondo formalidades que garantam a autenticidade das provas; de outro, o princípio da efetividade, que busca assegurar o acesso à justiça e a adequada tutela dos direitos materiais.

O art. 371 do CPC estabelece que "o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento". Este dispositivo consagra o princípio do livre convencimento motivado, conferindo ao magistrado certa discricionariedade na valoração das provas, desde que fundamente adequadamente sua decisão.

Na prática forense, observa-se uma tendência jurisprudencial de adotar postura intermediária quanto aos prints: nem os rejeitam completamente por sua vulnerabilidade intrínseca, nem os aceitam acriticamente sem considerar seus riscos. A análise contextual tem prevalecido, avaliando-se o print em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis.

Os prints de conversas eletrônicas, embora não constituam prova absoluta, não podem ser desconsiderados apenas pela possibilidade teórica de adulteração, devendo ser analisados de acordo com o contexto probatório dos autos.

Essa abordagem pragmática privilegia a busca pela verdade real, evitando tanto o formalismo excessivo quanto a ingenuidade técnica. A exigência de formalidades extremas poderia inviabilizar a tutela de direitos na era digital, enquanto a aceitação acrítica poderia comprometer a segurança jurídica e a própria credibilidade do sistema de justiça.

7. Recomendações práticas para a utilização de prints como prova

Considerando os aspectos jurídicos e técnicos anteriormente discutidos, é possível formular algumas recomendações práticas para incrementar a eficácia probatória dos prints:

Primeiramente, sempre que possível, é recomendável complementar o print com outros elementos probatórios, como depoimentos testemunhais, documentos correlatos ou perícia técnica. A corroboração por múltiplas fontes fortalece consideravelmente o valor probante da captura de tela.

Outro aspecto relevante é a contextualização adequada. Ao produzir prints como prova, convém capturar não apenas o trecho específico que interessa à tese defendida, mas também elementos contextuais que permitam verificar sua autenticidade, como datas, identificação dos interlocutores e sequência da comunicação.

Quanto à forma de apresentação, recomenda-se que os prints sejam acompanhados de relatório circunstanciado, explicando sua origem, o contexto em que foram obtidos e sua relevância para a causa. Esta narrativa ajuda o magistrado a compreender adequadamente o material probatório.

Para situações de maior relevância econômica ou jurídica, a ata notarial permanece como o meio mais seguro de documentação. O investimento financeiro se justifica pela robustez probatória significativamente superior, especialmente em causas complexas ou de alto valor.

Nas hipóteses em que a ata notarial se mostre inviável por questões financeiras ou temporais, o uso de plataformas privadas de autenticação representa alternativa intermediária valiosa, agregando elementos técnicos de verificação que fortalecem a credibilidade do print.

Por fim, é fundamental observar os limites éticos e legais na obtenção dos prints. Capturas obtidas mediante invasão de dispositivos, violação de privacidade ou outros meios ilícitos poderão ser consideradas provas inadmissíveis, nos termos do art. 5º, LVI, da CF/88.

Conclusão

A utilização de prints como meio de prova no processo civil brasileiro reflete os desafios da aplicação do Direito na sociedade digital. Por um lado, representam ferramenta potencialmente valiosa para a documentação de fatos juridicamente relevantes ocorridos em ambiente virtual; por outro, carregam vulnerabilidades intrínsecas que exigem cautela em sua valoração.

O ordenamento jurídico brasileiro, orientado pelos princípios da atipicidade probatória e do livre convencimento motivado, tem acolhido os prints como evidências válidas, mas submetidas ao contraditório e à análise contextual. A jurisprudência, embora ainda em formação sobre aspectos específicos, tem adotado postura equilibrada, reconhecendo a utilidade desses elementos probatórios sem ignorar suas fragilidades.

As soluções apresentadas – desde a formalização por ata notarial até as plataformas privadas de autenticação – constituem alternativas complementares, cada qual com suas vantagens e limitações. A escolha do método mais adequado dependerá das circunstâncias específicas de cada caso, considerando fatores como relevância da prova, disponibilidade de recursos e urgência na documentação.

Otavio Ribeiro Coelho
Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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