Migalhas de Peso

STJ: O valor superior ao senso comum

Na proteção de direitos, um milhão de habeas corpus traduz a atuação firme da Justiça em favor da liberdade e da cidadania.

8/5/2025

Não soube da comemoração. Não vi homenagem aos Ministros da Corte, de hoje e do ontem. Não ouvi da academia sobre eventual proposição de se elaborar um livro para consagrar o marco na história do Tribunal e da cidadania.

Sim, há muito o que celebrar. O STJ fez do poder-dever constitucional (art. 105, I, c, da CR) atividade em prol da sociedade brasileira. Aqueles agentes do Poder Judiciário concretizaram a aplicação do direito à garantia constitucional de habeas corpus em um milhão de casos.

Isto significa assentar que número bem maior de indivíduos teve o direito de se comunicar, por meio desses remédios constitucionais, com os qualificados Ministros do STJ para reclamarem amparo ao direito individual à liberdade (art. 5º, caput, da CR).

Impossível não observar que a quantidade de writs corresponde a estarem resguardados valores essenciais do Estado Democrático de Direito, em especial, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR). A Corte, ao atuar assim, reconheceu desde o direito de petição (art. 5º, XXXIV, da CR) à proteção efetiva da igualdade (art. 5º, I, da CR), da legalidade (art. 5º, II, da CR) e da liberdade jurídica (art. 5º, LXVIII, da CR).

Ao apreciarem cada um desses pedidos, mesmo os impertinentes, nem mesmo conhecidos, os magistrados agiram com a finalidade de aplicar o ordenamento jurídico a situações concretas submetidas à cognição. Em muitos casos, no mero pedido de informações a autoridade públicas, validaram a importância da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CR) e da jurisdição em todo território nacional (art. 92, par. 2º, da CR).

O gigantismo do país exige que a afirmação dos direitos humanos saia da potência para o ato, por meio do exercício do poder-dever pela jurisdição penal. Este objetivo vê-se preservado ao se conferir ao Superior Tribunal de Justiça a missão precípua de uniformizar a aplicação da lei penal e processual penal nos estados da federação (art. 105, III, c, da CR), o que, de modo amplo, faz mediante a concessão de habeas corpus (art. 105, I, d e II, a, da CR).

Ora, não se pode perder a relevância do fato histórico do milhão de habeas corpus em virtude de percepções de senso comum. Não há lógica de se tratarem de percentuais e dados, de forma isolada, porque essas análises mostram-se superficiais e a quantidade em si exprime uma tendenciosidade embutida, distante da realidade social.

A compreensão do significado dos números demanda por comparações com dados reais quanto ao crescimento de procedimentos criminais no país, bem assim depende de informações exatas quanto aos efeitos mensuráveis de leis penais em demasia e com excesso de rigor punitivo (Toron, Alberto Z.. O milionésimo habeas corpus no STJ. Migalhas nº 6.093).

Por ignorância, nem todos – governantes, jamais - levam a sério a criminologia, como disciplina apta a orientar políticas públicas (polices). Portanto, vejam, os bacharéis, o grau de rusticidade de nossas ciências frente aos economistas.

De qualquer modo, não cabe aqui embaçar a visão do intérprete sobre a justiça penal. A ausência da atualização dos códigos (penal e processo penal) e o oportunismo legislativo – o law and order à brasileira, servil ao anseio de votos dos parlamentares da vez – quebram o sistema legal, ao mesmo tempo, em que exacerbam a casuística no julgamento dos tribunais.        

É sabido que a prestação jurisdicional tem custo para o Estado. Entretanto, ao se priorizar a eficácia dos instrumentos de tutela jurídica da liberdade, seguimos com a tradição jurídica do habeas corpus, desde o Código Criminal de 1830 e a respectiva regulação do Código de Processo Criminal de 1832, de preservar a liberdade de locomoção da ilegalidade e do abuso de poder (art. 5º, LXVIII, da CR).

No exame deste acontecimento relevante do milhão de writs, usemos o princípio filosófico de Guilherme de Occam (1285-1347): de duas explicações alternativas para o mesmo fenômeno, a mais complicada tem mais chance de estar errada. Mais simples enxergar que o STJ laborou, com afinco, para proteger a liberdade. O resto não importa. Como dizem os franceses: “Il faut ce qu’il faut”. 

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.

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