O amicus curiae é uma das figuras mais interessantes do processo civil. Alguns dirão que é amigo da parte, não da corte. Mas da sociedade civil não se deve exigir imparcialidade, muito menos neutralidade. Pessoas, órgãos ou entidades que atuam como amicus curiae frequentemente representam interesses institucionais específicos, e é exatamente por isso que podem enriquecer o debate em temas complexos ou especializados. O confronto de diferentes perspectivas legitima e qualifica a atividade jurisdicional - esta sim, marcada pela imparcialidade.
A admissão do ingresso do amicus curiae é irrecorrível, nos termos do caput do art. 138 do CPC, mas a inadmissão desse ingresso é recorrível? Cabe agravo de instrumento - se a decisão for do juiz - ou agravo interno, se a decisão for do relator?
Existem bons argumentos de lado a lado.
Por um lado, pode-se dizer que a decisão que inadmite o ingresso do amicus curiae é agravável, pois o inciso IX do art. 1.015 do CPC prevê o cabimento do agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que não admite intervenção de terceiros, enquanto o art. 1.021 do CPC prevê o cabimento do agravo interno contra qualquer decisão monocrática do relator.
Além disso, ao prever a irrecorribilidade da decisão que admite o ingresso do amicus curiae, o caput do art. 138 do CPC - assim como o § 2º do art. 7º da lei 9.868/1999 - estaria implicitamente admitindo a recorribilidade da decisão que inadmite o ingresso do amicus curiae.
Também é possível argumentar que a atuação do amicus curiae agrega valor ao processo, sobretudo nos julgamentos que definem precedentes judiciais vinculantes. Logo, barrar a sua intervenção sem direito a reapreciação restringiria o contraditório e enfraqueceria a pluralidade de argumentos.
De outro lado, pode-se advogar que a decisão que inadmite o ingresso do amicus curiae não é agravável, porque os §§ 1º e 3º do art. 138 do CPC limitam a recorribilidade do amigo da corte, admitindo exclusivamente a oposição de embargos de declaração e a interposição de recurso contra a decisão do incidente de resolução de demandas repetitivas. É o que normalmente entendem a Corte Especial do STJ e o Tribunal Pleno do STF, acrescentando, este, o caráter meramente colaborativo do amicus curiae, a sobrecarga processual e a ausência de previsão recursal específica (REsp 1.696.396; AgInt na PET na SS 3434; RE 1101937-AgR-sétimo; ADI 4.711-AgR; ADO 70-AgR, entre outros).
Nesse contexto, a admissão do amicus curiae seria discricionária, e permitir a interposição de recursos contra a sua recusa poderia comprometer a atividade jurisdicional.
Entendo que essa posição deveria ser revista.
É verdade que a lei impõe restrições recursais ao amicus curiae já admitido. No entanto, quando o juiz ou o relator indefere o seu ingresso, o requerente sequer adquire tal condição processual. Desse modo, as limitações recursais previstas nos §§ 1º e 3º do art. 138 do CPC não se aplicam a ele, que pode recorrer com fundamento no inciso IX do art. 1.015 do CPC (agravo de instrumento, se a decisão for do juiz) ou no art. 1.021 do CPC (agravo interno, se a decisão for do relator), por configurar-se como terceiro prejudicado pela exclusão do debate.
Vale ressaltar que não existe discricionariedade jurisdicional na análise dos requisitos para o ingresso do amicus curiae no processo, mas interpretação de conceitos vagos.
O amicus curiae estabelece um elo entre o Judiciário e a sociedade civil. Sua participação deve ser não apenas permitida, mas incentivada, especialmente nos processos destinados à produção de decisões judiciais vinculantes, para que estas sejam qualificadas e legitimadas pelo debate.
Como disse Miguel de Unamuno, “Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos.”.