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Quem vende sem marca registrada vive de favor nas plataformas digitais

O artigo alerta empresários do e-commerce sobre os riscos de vender sem marca registrada e mostra como o registro no INPI é essencial para evitar bloqueios, perdas e disputas legais.

17/7/2025

1. Introdução

Imagine o seguinte cenário: você acorda numa segunda-feira normal, abre seu celular ou computador para conferir as vendas do final de semana. Mas, ao entrar na sua conta, aparece a notificação: “Sua conta foi suspensa por uso indevido de marca registrada”.

Em minutos, todo o seu negócio para! Pedidos travados, anúncios fora do ar, dinheiro retido, reputação em queda. E pior: você não entende o motivo, afinal, aquele nome que você usa “é seu” desde o começo da empresa. Ou pelo menos você achava que era.

Situações como essa não são exceções. Elas têm se multiplicado nos últimos meses, principalmente entre vendedores de marketplaces como Mercado Livre, Amazon, Shopee, IFood, entre outros. O motivo? Uma mudança profunda na forma como essas plataformas estão tratando o uso de marca dentro do ambiente digital.

Empresários que começaram pequenos, improvisando nomes, logotipos e embalagens no Canva ou com designers freelancers, hoje estão sendo questionados e, em muitos casos, penalizados por não possuírem o registro oficial da marca junto ao INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial. E o mais preocupante: muitas dessas penalizações não vêm da plataforma, mas de outros empresários que registraram nomes parecidos e agora querem proteger “sua marca” com base na lei.

A verdade é que o jogo do e-commerce mudou. Não é mais só sobre preço, logística e atendimento. Agora, existe um elemento jurídico decisivo: quem não tem marca registrada, corre risco real de sumir do mapa digital.

Desde 2024, várias plataformas passaram a implementar políticas de “verificação de autenticidade” que, na prática, funcionam como uma exigência de registro.

A Amazon, por exemplo, exige o número do processo no INPI para quem quer participar do Brand Registry. A Shopee tem feito bloqueios preventivos em contas que utilizam nomes já registrados por terceiros. O Mercado Livre começou a aceitar denúncias de violação de marca e suspende anúncios com base apenas em uma notificação fundamentada. E o iFood, com foco em restaurantes, passou a solicitar documentos adicionais que comprovem a posse da marca em casos de conflito.

Essa nova dinâmica já pegou muitos empreendedores de surpresa. Afinal, para quem está acostumado a trabalhar com CPF, MEI ou pequenas empresas familiares, registrar uma marca parecia um luxo, um investimento para grandes empresas, ou algo a ser feito "quando der tempo". Mas hoje, esse tempo acabou. E o custo de não ter o registro pode ser o fim de um negócio inteiro.

No Brasil, quem registra primeiro tem prioridade legal. Isso significa que, mesmo que você esteja usando seu nome há anos, se outra pessoa for lá e registrar no INPI antes de você, ela pode impedir que você continue usando. Simples assim.

Entretanto, um grande desafio que muitos empreendedores digitais estão enfrentando é que concorrentes ou pessoas mal-intencionadas já perceberam isso e estão se aproveitando da desatenção dos pequenos empresários para lucrar com registros oportunistas, exigindo indenizações ou até revendendo o uso da marca.

Portanto, se você vende pela internet, o alerta é claro: você está em um campo minado (jurídico) e talvez nem saiba. O que antes parecia um detalhe, hoje é a linha entre ter um negócio seguro e escalável ou assistir sentado ele ser derrubado da noite para o dia.

Neste artigo, eu vou te mostrar tudo que você precisa saber com base na lei, nas políticas das plataformas e em casos reais para você se proteger, registrar sua marca e fortalecer de verdade a sua empresa.

2. Registro de marca virou exigência (ainda que indireta)

Durante muito tempo, o registro de marca foi visto pelos pequenos e médios empresários como algo opcional. Uma espécie de “seguro de luxo”, algo que só fazia sentido para grandes empresas ou startups que já estavam sendo procuradas por investidores.

A verdade é que, até pouco tempo atrás, era comum ver e-commerces crescendo com marcas improvisadas, nomes criativos e logotipos feitos de forma mais simples e amadora, sem qualquer preocupação jurídica. E dava certo, às vezes até por um tempo. Mas tudo mudou e mudou rápido

Hoje, vender na internet é uma realidade para milhões de negócios, e no Brasil os grandes marketplaces como Mercado Livre, Amazon, Shopee e iFood estão deixando cada vez mais claro, mesmo que de forma não explícita, que quem não tem marca registrada está fora do jogo a curto e médio prazo. E essa mudança de comportamento não veio por acaso. Ela é fruto de dois fatores principais:

O Brasil se tornou um dos maiores mercados de comércio eletrônico da América Latina. Em meio à pandemia e ao avanço da digitalização, milhares de novos vendedores começaram a utilizar as plataformas para empreender. O resultado? Concorrência acirrada, volume absurdo de produtos semelhantes e, inevitavelmente, os conflitos envolvendo as marcas a identidade visual.

Imagine centenas ou milhares de vendedores oferecendo camisetas com estampas personalizadas e nomes similares como “Camisetas Top”, “Top Camisetas BR”, “Top Wear”, “Top Store”, “Top Camiseta Oficial”... todos brigando por atenção, clientes e reputação dentro do mesmo marketplace. Naturalmente, isso gerou conflitos e uma enxurrada de denúncias internas por "uso indevido de marca".

As plataformas, então, passaram a adotar medidas para mitigar esses riscos. Para se protegerem de ações judiciais, inclusive de grandes marcas, elas começaram a exigir comprovação de propriedade intelectual para validar perfis de vendedores e impedir o uso indevido de nomes comerciais. Veja alguns exemplos claros:

Ou seja, o que antes era uma sugestão, virou um filtro. E cada dia mais os vendedores que não têm sua marca registrada estão sendo excluídos. Não por punição direta, mas por bloqueios preventivos, restrições de visibilidade e perda de acesso a ferramentas essenciais para competir.

Mas há um detalhe importante! As plataformas não querem e não vão intermediar conflitos jurídicos entre vendedores.

Se houver disputa sobre o uso de marca, a tendência é suspender ambas as contas até que o caso se resolva. Quem já tiver a marca registrada sai na frente e tem a prerrogativa de manter o uso e, se necessário, tirar o outro do jogo.

Portanto, mesmo que nenhuma plataforma diga com todas as letras que "o registro de marca é obrigatório", na prática, está se tornando impossível vender com profissionalismo e segurança sem isso. Trata-se de uma exigência indireta, mas implacável, com impacto direto nas receitas, na reputação e na sustentabilidade do negócio.

E o mais perigoso é que: quanto mais o seu negócio cresce, mais vulnerável ele fica. Um concorrente menor, com um registro no INPI feito de forma estratégica (ou mal-intencionada), pode simplesmente te denunciar, derrubar seus anúncios, bloquear sua conta e até exigir indenização, tudo dentro da legalidade.

3. Você pode estar vendendo com uma marca que nem é sua

Essa é uma verdade dura, mas que precisa ser dita: muitos empresários do digital estão investindo tempo, dinheiro e esforço para fortalecer uma marca que nem é deles. E nem sabem disso.

O erro começa lá no início do negócio. O empreendedor escolhe um nome bonito, compra o domínio “.com.br”, cria um Instagram, uma logo, abre o CNPJ com aquele nome fantasia... e começa a vender. Tudo parece certo. Afinal, ninguém nunca questionou.

O problema é que o direito sobre a marca não nasce com o uso, nem com o nome fantasia, nem com o domínio. Nasce com o registro no INPI. E aí está o ponto crítico.

Marca registrada no INPI = direito de exclusividade em todo o território nacional.

No Brasil, a regra é clara: quem registra primeiro, leva. Isso é o que chamamos de princípio da anterioridade, previsto na lei de propriedade industrial (lei 9.279/96). Ou seja, mesmo que você esteja usando um nome há anos, basta outra pessoa registrá-lo antes de você para ela se tornar, oficialmente, a dona legal daquela marca.

Não importa se você já vendeu 10 mil produtos com aquela identidade visual, se seu Instagram tem 100 mil seguidores ou se você é o primeiro resultado do Google. Se alguém registrar a marca antes, essa pessoa tem o poder de te impedir de usar aquele nome.

E isso não é teoria. Acontece todos os dias. E o mais chocante é que existem pessoas e empresas que monitoram as redes sociais, marketplaces e domínios para identificar nomes promissores e registrar antes dos donos reais.

Sim, há uma verdadeira “corrida de ouro” acontecendo nos bastidores do INPI. E quem vacila, perde. Portanto, nunca se esqueça que nome fantasia e domínio não são registro de marca.

Esse é um dos maiores mitos entre empreendedores digitais: achar que ter um nome fantasia registrado na Junta Comercial ou um domínio com o nome já garante direito sobre a marca. Não garante. O nome fantasia tem efeito limitado ao registro empresarial, e o domínio pode ser contestado e até perdido se conflitar com uma marca registrada.

Outro erro comum é achar que por ser MEI ou pequeno, ninguém vai se importar. Mas acontece exatamente o contrário: quanto mais informal e despreocupado o empreendedor, mais vulnerável ele está. E é justamente esse o alvo preferido de quem age com má-fé ou oportunismo.

Se você ainda não tem o protocolo ou o certificado de registro no INPI, você está vendendo com uma marca que pode ser de outra pessoa - e talvez ela só esteja esperando você crescer um pouco mais para agir.

A boa notícia é que isso tem solução - e é mais acessível do que parece. Mas é urgente.

4. Consequências práticas para quem não registra

Registrar uma marca não é apenas uma formalidade burocrática ou uma proteção simbólica. É, na prática, a linha que separa quem controla o próprio negócio de quem está vulnerável a bloqueios, prejuízos e até extinção da própria empresa.

Se você vende em marketplaces como Mercado Livre, Amazon, Shopee ou no iFood - ou até mesmo pelo seu próprio site e Instagram - não registrar sua marca significa viver em constante risco jurídico e comercial. E o pior: os prejuízos não são teóricos, são reais, mensuráveis e, em muitos casos, irreversíveis.

A seguir, veja as consequências mais comuns para quem ainda não protegeu sua marca:

Bloqueio de conta nas plataformas

Essa talvez seja a consequência mais imediata e desesperadora.

Como já mencionado anteriormente, mas agora de forma específica, um concorrente com o registro da marca no INPI pode fazer uma denúncia contra a sua loja online e, na pior das hipóteses em questão de horas sua conta pode ser bloqueada, suspensa ou até banida da plataforma.

Infelizmente, não há aviso prévio, nem espaço para muita negociação. As plataformas não têm interesse em intermediar discussões jurídicas.

Se alguém apresenta um documento de titularidade de marca e você não tem nada para provar que é o dono, você simplesmente perde o acesso à sua loja, seus investimentos em anúncios, seus públicos e claro, a sua renda.

Você gastou anos criando um nome, uma identidade, um público. Fez embalagens personalizadas, investiu em tráfego pago, criou relacionamento com os clientes.

Mas, sem o registro da marca, tudo isso pode ir embora e você será forçado a:

E aqui mora o maior prejuízo de todos: a perda da confiança do consumidor. Afinal, para quem vê de fora, parece que a empresa “mudou de nome porque estava copiando alguém” e isso mina a credibilidade da marca.

Quem detém o registro da marca tem respaldo para ajuizar ações por uso indevido, concorrência desleal e danos morais e materiais.

Já acompanhei casos em que empresários foram réus em processos e intimados via liminar judicial a parar imediatamente de usar o nome, sob pena de multas por cada dia de uso indevido.

Também acompanhei casos em que a empresa foi condenada ao pagamento de indenizações altas, e arcar com os custos processuais e honorários advocatícios.

Ou seja: além de perder o nome, o empresário ainda tem que pagar por isso. E tudo com base legal. Ao analisar o caso, um juiz não entrará no mérito de “quem usava primeiro no Instagram” ele vai querer saber quem fez o registro primeiro no INPI.

Risco de ser “expulso” do digital

Estamos caminhando para um cenário em que as próprias plataformas vão exigir o registro como requisito para vender. É questão de tempo. Algumas já estão fazendo isso por vias indiretas. Outras vão tornar isso oficial em breve, como já acontece em marketplaces dos EUA e Europa.

Ou seja, quem não se adequar, vai perder espaço, visibilidade e faturamento.

Portanto, se você está vendendo online e ainda não registrou sua marca, saiba que não se trata de um problema “eventual” ou “improvável”. É uma bomba-relógio jurídica e comercial, que pode estourar a qualquer momento - e você nem vai ter tempo de correr atrás quando acontecer.

Empresas que não têm a marca registrada são vistas como juridicamente frágeis. Nenhum investidor sério, sócio estratégico ou distribuidor quer colocar dinheiro ou esforço em um negócio que não é dono da própria marca.

Inclusive, em processos comerciais e transações empresariais como fusões e aquisições ou franquias, o primeiro item analisado no due diligence é: quem é o titular da marca?

Se for um nome “no boca a boca”, sem nenhum respaldo legal, o negócio desvaloriza drasticamente, a ponto de não ser viável prosseguir.

5. Conclusão

No mundo físico, quem tem a chave do imóvel tem o controle do espaço. No mundo digital, quem tem o registro da marca é quem realmente é dono do negócio. E isso não é metáfora, é lei.

Em marketplaces como Mercado Livre, Amazon, Shopee ou iFood, a marca é a alma do seu posicionamento. É ela que o cliente reconhece, confia e recomenda. Mas, ao mesmo tempo, é também o ponto mais vulnerável de quem não se protege.

O empresário que ainda não registrou sua marca está construindo uma casa em terreno alugado, e pior: sem saber quem é o verdadeiro dono do lote. Ele pode crescer, investir, divulgar, vender… mas no dia em que alguém bater à porta com o título de propriedade (certificado do INPI), tudo desaba.

Não se trata de exagero. Já vimos isso acontecer com empresas consolidadas, com lojas de grande faturamento, com perfis com milhares de seguidores. Algumas conseguiram se reerguer, outras sumiram.

A internet não perdoa amadorismo. E o mercado não tem mais espaço para improviso. As plataformas estão profissionalizando o ambiente e, com isso, estão exigindo cada vez mais segurança jurídica.

O registro de marca é um ativo patrimonial. Ele valoriza a empresa e pode ser comercializado, licenciado, garantido em contratos, financiado e até legado em inventário.

Quem ignora isso, assumindo muitos riscos que poderiam ser evitados com uma única medida preventiva.

Você cuida de embalagem, logística, serviços, anúncios, marketing etc, mas esqueceu do básico: proteger sua marca. Empresário que deixa isso pra depois não escala. Ele sobrevive enquanto deixam.

Agora que você entende tudo isso, a pergunta é: você vai continuar deixando sua marca desprotegida?

______________

Lei nº 9.279/1996 – Lei da Propriedade Industrial. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm

Lei nº 12.965/2014 – Marco Civil da Internet. Art. 15. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm

Amazon Brand Registry – Política oficial de registro de marcas para vendedores. Disponível em: https://brandservices.amazon.com.br

iFood para Parceiros – Política de verificação de identidade e documentos de marca. Disponível em: https://parceiros.ifood.com.br

Mercado Livre – Brand Protection Program Disponível em: https://www.mercadolivre.com.br/brand-protection

Shopee Brand Protection Program – Programa de proteção de marca da Shopee. Disponível em: https://help.shopee.com.br

Pedro Neiva de Faria
Advogado de Negócios, Empreendedor, Presidente da Comissão de Direito Empresarial da 29ª Subseção da OAB/RJ Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia Sócio do Neiva Advogados

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