A lei 11.101/05, que rege os regimes de recuperação judicial, extrajudicial e falência no Brasil, passou por reforma relevante com a promulgação da lei 14.112/20. Apesar disso, o sistema ainda enfrenta entraves significativos que limitam a efetividade de seus objetivos centrais, como a rápida liquidação de ativos, a reorganização eficiente de empresas viáveis e o estímulo ao empreendedorismo por meio do fresh start.
A poesia “Áporo”, de Carlos Drummond de Andrade, evoca cenários de difícil ou impossível solução, situação em que parece se encontrar o sistema de insolvência nacional. Nesse sentido, a promessa de um recomeço ao empresário falido, embora formalmente prevista, esbarra em realidades que desafiam sua execução prática.
Segundo o art. 75, §2º, da LRF (Lei de responsabilidade fiscal), a falência deveria preservar os benefícios econômicos e sociais da atividade empresarial, promovendo a liquidação imediata e a rápida realocação de ativos na economia.
Na realidade, contudo, os processos falimentares no Brasil duram em média 9,2 anos, de acordo com estudos de jurimetria anteriores à reforma. Já o relatório Doing Business do Banco Mundial mostra que a taxa de recuperação de crédito no Brasil é de apenas 14,6 centavos por dólar, menos da metade da média da América Latina (30,9 centavos) e quase um quinto da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, que tem a média de 70,5 centavos.
Essa morosidade e a baixa efetividade tornam o instituto da falência um mecanismo bastante evitado, não apenas por devedores - o que seria de se esperar, mas inclusive por credores. Consequentemente, muitos casos de empresas inviáveis, na prática, continuam sendo artificialmente sustentados em recuperações judiciais prolongadas, que não oferecem real perspectiva de reestruturação. Isso distorce a lógica do sistema, inflando o número de recuperações que, na verdade, deveriam ter trilhado caminho falencial.
Nesse contexto, o fresh start, uma das mais importantes inovações da reforma, buscou oferecer um novo começo ao empresário falido. Ele pode ser obtido após o pagamento de 25% dos créditos quirografários; com o decurso de três anos a contar da decretação da falência; ou com o encerramento da falência, inclusive na falência frustrada (art. 114-A). O modelo aproxima-se de práticas internacionais e visa ao estímulo à atividade empreendedora, mesmo em contextos de derrocada.
A realidade prática mostra, entretanto, que o instituto é constantemente obstaculizado por motivos legais e jurisprudenciais. No campo trabalhista, a tendência dos tribunais em sobrepujar a natureza alimentar dos créditos torna praticamente impossível a liberação plena de obrigações do falido, mesmo após o encerramento da falência.
No aspecto tributário, o problema é ainda mais grave. A não alteração do art. 191 do CTN, norma de LC, compromete a plena eficácia do fresh start, condicionando a extinção das obrigações do falido à comprovação da quitação de todos os tributos. Assim, mesmo com a previsão de exoneração das dívidas na LRF, juízes se veem limitados pela hierarquia normativa, eis que uma LO não revoga uma LC.
Esse impasse jurídico cria uma aporia típica: o sistema oferece ao falido a promessa de recomeço, mas não viabiliza os meios para tanto. O empresário que busca o fresh start, assim, se depara com um labirinto normativo, sem encontrar saídas seguras nem um mínimo de previsibilidade jurídica. Trata-se de uma incoerência estrutural que compromete a lógica do sistema falimentar e desincentiva a proposição de falências viáveis.
Enquanto o legislador não se debruçar sobre a harmonização da legislação insolvencial com o CTN, e o Judiciário não firmar posicionamentos que proporcionem a segurança jurídica e o empreendedorismo, o fresh start continuará sendo mais uma promessa do que uma realidade.
É preciso qualificar o sistema insolvencial brasileiro, em especial no que diz respeito ao instituto da falência. Sem isso, continuaremos nos deparando com recuperações judiciais insustentáveis, o que prejudica os índices de recuperação de crédito, e acabam por perenizar a condição de párias a empresários que estão falidos e que nunca mais conseguirão efetivamente empreender.
Como na poesia de Drummond, o labirinto (legal e jurisprudencial) persiste, restando aos juristas, e aos empresários, exaustos, continuarem cavando, na esperança de encontrarem uma saída.