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Imposto seletivo: Além do pecado, o risco no seu caixa

O "Imposto do Pecado" vai muito além da moral. Ele é um custo direto da sua operação. Entenda os riscos, os alvos e as estratégias de defesa para setores impactados pela nova arma fiscal da reforma.

24/7/2025

Na grande tapeçaria da reforma tributária, poucas figuras despertaram tanto debate e apreensão quanto o recém-criado IS - Imposto Seletivo. Apelidado de "Imposto do Pecado", sua justificativa pública é nobre: desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Uma cruzada moralista disfarçada de política fiscal, diriam os céticos. Uma ferramenta moderna de governança, diriam os entusiastas. Para o estrategista de negócios, contudo, a definição é mais pragmática: uma nova e poderosa arma arrecadatória, cujos alvos e poder de fogo ainda são perigosamente incertos.

Este imposto não é um mero detalhe na engrenagem do novo sistema. Ele representa uma quebra de lógica fundamental em relação ao IVA (IBS/CBS). Enquanto o IVA se baseia na não cumulatividade e na transparência, o Imposto Seletivo opera nas sombras: é um tributo monofásico, que incide uma única vez na cadeia e, crucialmente, não gera crédito para o adquirente. Na prática, ele é um custo direto, um peso morto que será integralmente absorvido na estrutura de custos ou repassado ao consumidor final, sem qualquer possibilidade de abatimento.

Este artigo se propõe a ir além do debate moral. Nosso objetivo é dissecar o Imposto Seletivo sob a ótica do risco e da estratégia, analisando quem está na linha de tiro e quais trincheiras defensivas podem, e devem, ser construídas desde já.

Dissecando o "pecado": Alvos conhecidos e a lógica do custo puro

A EC 132/23 já nos deu a lista inicial de alvos, confirmando as suspeitas de quais setores estariam na mira. São eles:

O ponto nevrálgico, que muitos ainda não dimensionaram, é a sua natureza de "custo puro". Ao contrário do antigo IPI, que em muitas cadeias gerava crédito, o IS será um acréscimo de custo que se integra à base de cálculo do IBS e da CBS. Isso cria um efeito cascata disfarçado: o IVA incidirá não apenas sobre o preço do produto, mas também sobre o Imposto Seletivo embutido nele. Um imposto sobre imposto, em uma reforma que prometia extingui-los.

A zona cinzenta da regulamentação: Onde mora o perigo?

Se os alvos gerais são conhecidos, os detalhes que definirão o tamanho do estrago são uma página em branco, entregue nas mãos do legislador complementar. É nesta zona de penumbra que residem os maiores riscos estratégicos para as empresas:

  1. A elasticidade do "pecado": A lei definirá os critérios exatos. O que é uma "bebida açucarada"? Qualquer uma com adição de açúcar? A partir de qual gramatura? E os alimentos ultraprocessados, entram na próxima rodada? O conceito de "prejudicial" é subjetivo e altamente político, criando uma imensa insegurança jurídica e abrindo a porta para um ativismo fiscal que pode eleger novos "pecadores" a cada legislatura.
  2. O cheque em branco das alíquotas: A Constituição não estabeleceu tetos para as alíquotas do IS. Elas serão definidas por lei ordinária, cujo processo de alteração é muito mais simples. Isso significa que a carga tributária sobre um setor pode ser drasticamente elevada de um ano para o outro, destruindo planejamentos de longo prazo e tornando qualquer previsão de fluxo de caixa um exercício de futurologia.
  3. Base de cálculo e fato gerador: O imposto incidirá na produção, na importação ou na comercialização? A base será o preço da operação (ad valorem) ou uma quantia fixa por unidade (ad rem)? Cada uma dessas escolhas tem impactos completamente diferentes na indústria, no atacado e no varejo, e a falta de definição impede qualquer modelagem financeira precisa hoje.

Preparando-se para o inevitável

Diante de um cenário com tantas variáveis em aberto, a inação é a pior estratégia. Empresas dos setores-alvo (e dos setores adjacentes que temem ser os próximos da lista) precisam agir em três frentes:

Conclusão: Um custo a ser gerenciado, não um pecado a ser expiado!

O Imposto Seletivo é a expressão mais clara do poder estatal de induzir comportamentos através da tributação. Para as empresas, no entanto, ele não deve ser visto por um prisma moral, mas como um novo e agressivo centro de custo que exige gerenciamento ativo e defesa estratégica.

Entender sua mecânica, antecipar os movimentos da regulamentação e preparar as defesas financeiras e jurídicas não é mais uma opção. É a condição essencial para continuar sobrevivendo nesse ambiente de negócios onde o "pecado" de hoje pode ser um prejuízo irrecuperável de amanhã.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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