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A validade jurídica da assinatura eletrônica no cenário jurídico

Análise técnica da validade jurídica das assinaturas eletrônicas no Brasil, destacando diferenças, legislação, desafios nos tribunais e recomendações práticas para advogados.

1/8/2025

Introdução

A crescente digitalização dos processos judiciais e das relações contratuais no Brasil impulsionou a adoção de novas tecnologias para a validação de documentos. Nesse contexto, as assinaturas eletrônicas e digitais surgem como ferramentas essenciais para a advocacia moderna, prometendo celeridade, segurança e eficiência. Contudo, a aplicação prática dessas tecnologias tem gerado debates acalorados, especialmente no que tange à aceitação de documentos assinados por meio de plataformas governamentais, como o gov.br, pelos tribunais pátrios.

Este artigo técnico visa aprofundar o conhecimento dos advogados sobre o tema, desmistificando os conceitos de assinatura eletrônica e digital, analisando o arcabouço legal que as rege e, principalmente, investigando as razões pelas quais a validade de certas assinaturas eletrônicas tem sido questionada no âmbito do Poder Judiciário. A compreensão clara das nuances técnicas e jurídicas é fundamental para garantir a segurança dos atos processuais e a defesa eficaz dos interesses dos clientes na era digital.

1. Assinatura eletrônica e assinatura digital: Conceitos e diferenças

Para compreender a discussão em torno da validade das assinaturas no contexto jurídico, é imperativo distinguir entre os conceitos de assinatura eletrônica e assinatura digital, termos frequentemente utilizados de forma intercambiável, mas que possuem significados e implicações técnicas e jurídicas distintas. A legislação brasileira, em especial a MP 2.200-2/011 e a lei 14.063/202, estabelece as bases para essa diferenciação.

1.1. Assinatura eletrônica

A assinatura eletrônica é um conceito amplo que abrange qualquer forma de identificação eletrônica de uma pessoa natural ou jurídica que se liga ou está logicamente associada a outros dados em formato eletrônico e que são utilizados pelo signatário para assinar2. Ela pode ser realizada por diversos meios, como senhas, biometria, tokens, SMS, geolocalização, entre outros. A validade jurídica da assinatura eletrônica no Brasil é reconhecida desde a edição da MP 2.200-2/011, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e permitiu a utilização de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos, desde que admitidos pelas partes como válidos ou aceitos pela pessoa a quem for oposto o documento.

A lei 14.063/202 classifica as assinaturas eletrônicas em três tipos, com diferentes níveis de segurança e confiabilidade:

1.2. Assinatura digital

A assinatura digital é uma espécie do gênero assinatura eletrônica. Sua principal característica é o uso de operações matemáticas baseadas em criptografia assimétrica, que garantem a autenticidade, integridade e não-repúdio do documento eletrônico3. Para que uma assinatura seja considerada digital, ela deve ser realizada com um certificado digital emitido por uma AC - Autoridade Certificadora credenciada na ICP-Brasil. Esse certificado contém um par de chaves criptográficas (uma pública e uma privada) que asseguram a identidade do signatário e a inviolabilidade do documento. Qualquer alteração no documento após a aposição da assinatura digital invalida-a automaticamente, tornando a possibilidade de fraude quase inexistente3.

1.3. Diferenças fundamentais

A principal diferença entre assinatura eletrônica e digital reside no nível de segurança e na tecnologia empregada. Enquanto a assinatura eletrônica é um conceito abrangente que engloba diversas formas de validação, a assinatura digital é um tipo específico de assinatura eletrônica que utiliza criptografia e certificados digitais emitidos pela ICP-Brasil, conferindo-lhe um grau de confiabilidade superior. A tabela a seguir resume as principais distinções:

Característica

Assinatura Eletrônica (Gênero)

Assinatura Digital (Espécie)

Definição

Qualquer forma de identificação eletrônica.

Assinatura eletrônica que utiliza criptografia e certificado digital ICP-Brasil.

Tecnologia

Senhas, biometria, tokens, SMS, geolocalização, etc.

Criptografia assimétrica (par de chaves) e certificado digital ICP-Brasil.

Nível de Segurança

Variável (simples, avançada, qualificada).

Elevado (qualificada), com garantia de autenticidade, integridade e não-repúdio.

Validade Jurídica

Reconhecida pela MP 2.200-2/2001 e Lei 14.063/2020, dependendo do nível.

Reconhecida pela MP 2.200-2/2001 e Lei 14.063/2020 como a de maior confiabilidade.

Exigência de Certificado ICP-Brasil

Não necessariamente (apenas para a qualificada).

Sim, obrigatório.

2. A assinatura gov.br e os desafios de aceitação nos Tribunais

A plataforma gov.br, desenvolvida pelo governo Federal, oferece aos cidadãos a possibilidade de realizar assinaturas eletrônicas em documentos digitais. Embora seja uma ferramenta que visa desburocratizar e agilizar processos, sua aceitação irrestrita no âmbito judicial tem sido objeto de controvérsia e decisões que geram insegurança jurídica para advogados e seus clientes.

2.1. Níveis de assinatura no gov.br

O gov.br, em conformidade com a lei 14.063/202, oferece diferentes níveis de confiabilidade para as assinaturas eletrônicas, vinculados ao nível de segurança da conta do usuário (bronze, prata ou ouro):

2.2. Pontos positivos e negativos da assinatura gov.br

Pontos positivos:

Pontos negativos e razões para a não aceitação em Tribunais:

Apesar dos benefícios, a assinatura gov.br, especialmente em seus níveis simples e avançado, tem enfrentado resistência em alguns tribunais, principalmente em contextos que exigem maior robustez probatória ou em interações privadas. As principais razões para essa não aceitação incluem:

3. Implicações jurídicas para advogados e recomendações

Diante do cenário de incertezas e da jurisprudência ainda em construção, os advogados devem adotar uma postura cautelosa e estratégica ao lidar com documentos assinados eletronicamente, especialmente aqueles gerados via gov.br. A segurança jurídica dos atos processuais e contratuais depende de uma compreensão aprofundada das nuances técnicas e legais.

3.1. Análise crítica da validade e força probatória

É fundamental que o advogado avalie o nível de confiabilidade da assinatura eletrônica utilizada em cada documento. Para documentos que exigem alta segurança jurídica, como procurações para fins judiciais, contratos de alto valor ou atos que envolvam transferência de bens imóveis, a assinatura eletrônica qualificada (com certificado digital ICP-Brasil) é a mais recomendada e, em muitos casos, obrigatória por lei2.

Quando se deparar com documentos assinados eletronicamente por meio de plataformas como o gov.br, especialmente com assinaturas simples ou avançadas, o advogado deve considerar a possibilidade de contestação da validade ou da força probatória. Nesses casos, pode ser prudente buscar meios adicionais de autenticação, como o reconhecimento de firma em cartório ou a utilização de outras tecnologias que garantam a eficácia legal do documento.

3.2. A importância da ICP-Brasil

ICP-Brasil - Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira desempenha um papel central na garantia da validade jurídica das assinaturas digitais no país. Os certificados digitais emitidos no padrão ICP-Brasil conferem presunção de veracidade aos documentos eletrônicos, o que simplifica a comprovação de sua autenticidade e integridade em juízo1. Advogados devem orientar seus clientes a utilizar certificados digitais ICP-Brasil sempre que a segurança jurídica for um fator crítico.

3.3. Orientações para a prática jurídica

Conclusão

A digitalização dos processos e a crescente utilização de assinaturas eletrônicas representam um avanço inegável para a sociedade e para o sistema jurídico brasileiro. No entanto, a complexidade tecnológica e a diversidade de interpretações legais exigem dos advogados uma compreensão aprofundada sobre o tema.

A distinção entre assinatura eletrônica e digital, os diferentes níveis de confiabilidade e a importância da ICP-Brasil são conhecimentos essenciais para a prática jurídica na era digital. A resistência de alguns tribunais em aceitar documentos assinados via gov.br, especialmente em seus níveis mais simples, não invalida a tecnologia em si, mas ressalta a necessidade de cautela e de uma análise criteriosa de cada caso.

Ao adotar as recomendações apresentadas neste artigo, os advogados estarão mais bem preparados para navegar nesse cenário complexo, garantindo a segurança jurídica de seus clientes e contribuindo para a evolução do Direito no ambiente digital.

_____________

1 Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/antigas_2001/2200-2.htm

2 Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14063.htm

3 Serasa Experian. Assinatura Digital e Eletrônica: você compreende a diferença? Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/blog-pme/assinatura-digital-e-eletronica-voce-compreende-a-diferenca/

4 Desafios e limitações da assinatura do Gov.br. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-14/transformacao-digital-nos-servicos-publicos-desafios-e-limitacoes-da-assinatura-do-gov-br/

5 TJRS. CNJ decide que assinatura do Gov.br não é válida para autorização de viagens. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/cij/noticias/cnj-decide-que-assinatura-do-gov-br-nao-e-valida-para-autorizacao-de-viagens-pais-e-responsaveis-devem-atentar-para-regras-de-reconhecimento-de-firma-em-cartorio/

Marco Aurelio Fernandes dos Santos
Fundador da M A Segurança Digital e Palestrante. Formado em Segurança Pública e Direito, com especialização em Perícia Digital Forense, atua em Direito Digital, Segurança da Informação e investigações

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