Migalhas de Peso

A hora da conciliação: Por que o acordo nas ações de planos econômicos é a solução inteligente para todos?

STF encerra disputa sobre expurgos inflacionários, valida planos econômicos e reforça a autocomposição como via para solução de conflitos complexos.

15/8/2025

O STF, ao julgar a ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 165, deu fim a uma das mais emblemáticas e duradouras controvérsias do sistema financeiro nacional: os litígios envolvendo os expurgos inflacionários dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. O voto do ministro Cristiano Zanin, relator da matéria, representa um marco no fortalecimento da cultura da autocomposição como método adequado à solução de conflitos e à pacificação social, bem como na consolidação da chamada jurisdição constitucional consensual.

Nesse sentido, vale-se transcrever as palavras do i. ministro:

“(...) Destaco, outrossim, que a presente ADPF representa um paradigma relevante para que a hoje denominada jurisdição constitucional consensual tenha se firmado como um caminho seguro e eficiente para a solução de conflitos de alta complexidade.

A partir desse caso paradigmático, a justiça multiportas instaurou-se definitivamente nesta Suprema Corte, com afetação de outros casos complexos e relevantes às mesas de conciliação.

O consensualismo no âmbito do Supremo Tribunal não é algo novo, mas não se pode olvidar que ganhou força nos últimos anos. Atualmente, encontra-se amadurecido e permite concluir que acordos bem conduzidos e com ampla participação podem ser o melhor caminho para a pacificação social, reforçando o sentimento democrático e a legitimidade da solução negociada.”. (grifou-se)

Verifica-se que a decisão encerra um ciclo histórico de insegurança jurídica e sinaliza, de forma inequívoca, que a resolução negociada é não apenas possível, mas recomendável, exatamente nos termos dos enunciados 175 e 176 da II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 175: “As técnicas de autocomposição são compatíveis com o exercício da jurisdição constitucional, inclusive na fase pré-processual, podendo ser aplicadas em ações de competência da Suprema Corte”.

Enunciado 176: “Em demandas coletivas estruturais, a adoção de métodos autocompositivos deve ser incentivada”.

Portanto, é possível extrair que o julgamento traz um recado claro para advogados, partes e operadores do direito: o momento é de diálogo, não de litígio.

O julgamento da ADPF e dos Temas 284 e 285: mensagem conciliatória

Como mencionado, o STF reconheceu, na ADPF 165, a constitucionalidade dos referidos planos econômicos, pondo fim à discussão de mérito sobre os índices de correção monetária aplicáveis às cadernetas de poupança.1

Mais que isso: o Tribunal reafirmou a eficácia do acordo coletivo já homologado e, em modulação dos efeitos, estendeu o prazo para novas adesões por 24 meses, a contar da publicação da ata de julgamento.

Após, o STF julgou os temas 284 e 285, fixando a tese de que o reconhecimento do direito depende de adesão ao acordo coletivo homologado na ADPF e revogou a suspensão dos processos em fase recursal, vedando a ação rescisória ou alegação de inexigibilidade de título, e determinando que os Tribunais orientarem seus magistrados a intimar os autores e promover a adesão.

Esse gesto, de forte simbolismo institucional, preserva direitos, estimula a celeridade processual e, acima de tudo, valoriza a autonomia das partes. Não se trata de mero tecnicismo jurídico, mas da construção de um novo paradigma de atuação estatal e advocatícia: o consenso como caminho legítimo e eficiente para a pacificação de litígios estruturais.

Oportunidade para as partes e papel do advogado

A reabertura do prazo para adesão deve ser lida como uma última chance, um convite à racionalidade. Para os poupadores, significa a possibilidade de recuperar valores com segurança, sem aguardar anos de tramitação judicial ou enfrentar os riscos inerentes à eventual sucumbência. Para os bancos, é a chance de encerrar um passivo histórico, com previsibilidade orçamentária e segurança jurídica.

Nesse sentido, veja-se um recente julgado em que a parte autora celebrou acordo com um dos Bancos Réus, mas prosseguiu em face do outro, tendo sido proferida sentença com base no julgamento da ADPF 165:

Cuida-se de ação em que busca a parte autora o recebimento de expurgos inflacionários decorrentes do plano VERÃO. As sentenças de fls. 456 e 616 julgaram extinta a lide quanto ao 2º e 1º réus, respectivamente, subsistindo o feito com relação ao 3º réu. Pois bem. Restou decidido na ADPF 165 pelo Egrégio STF, verbis: O Tribunal, por unanimidade, i) julgou procedente a presente ADPF e declarou a constitucionalidade dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II, acolhendo o pedido no item 219 da petição inicial, reafirmando a homologação do acordo coletivo e seus aditamentos, em todas as suas disposições, determinando sua aplicação a todos os processos que discutem os chamados expurgos inflacionários de poupança e garantindo aos poupadores o recebimento dos valores estabelecidos no acordo coletivo outrora homologado; ii) agregou, assim, à decisão que homologou o acordo coletivo e seus aditivos a premissa de constitucionalidade dos planos econômicos, encerrando definitivamente a controvérsia; e iii) fixou o prazo de 24 (vinte e quatro) meses a contar da publicação da ata de julgamento para novas adesões de poupadores, determinando aos signatários do acordo coletivo que envidem todos os esforços para que os poupadores que ainda não aderiram ao acordo o façam dentro do prazo ora estabelecido. Tudo nos termos do voto do relator, ministro Cristiano Zanin. Afirmaram suspeição os Ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 16/5/2025 a 23/5/2025. Pelo exposto, com relação ao 3º réu, julgo improcedente a pretensão autoral e extinto o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC. Condeno a parte autora nas custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa. Intime-se a parte autora por DO e pessoalmente por AR, acerca da presente decisão e para que, desejando, proceda à adesão ao acordo coletivo no prazo supra indicado. (...)”. (TJ/RJ - Proc. 0011172- 19.2009.8.19.0001 – 49ª Vara Cível da Comarca da Capital – Dje 15/7/2025).

Com isso, extrai-se que a atuação do advogado assume contornos estratégicos. Mais do que litigar, cabe ao profissional orientar seu cliente com transparência, técnica e visão de futuro. A adesão ao acordo, agora reafirmado pelo Supremo, representa não apenas uma solução jurídica, mas uma decisão de inteligência prática e segurança financeira.

Por que, então, buscar o acordo?

Procurar os Bancos para formalização do acordo é a saída mais adequada para todos já que:

a) foi reconhecida a validade do acordo pelo STF, com eficácia erga omnes;

b) o novo prazo de 24 meses já está correndo, sendo certo que a omissão pode implicará na perda definitiva do direito;

c) ao aderir, o poupador recebe conforme critérios objetivos, sem discussões intermináveis e com previsibilidade para ambas as partes já que Bancos e poupadores têm a possibilidade de encerrar pendências com segurança jurídica; e

d) Evita-se o custo de manutenção de litígios, peritos, recursos, sucumbência etc., em evidente economia processual.

Um novo tempo, uma nova postura

A decisão da Suprema Corte representa mais do que uma solução para um caso específico: ela sinaliza um novo modelo de atuação do Poder Judiciário. O Supremo, ao validar e fomentar a autocomposição em sede de controle abstrato, desloca o eixo da atuação judicial para a construção de consensos qualificados e legitimados institucionalmente.

A hora, portanto, é de agir. O interesse das partes, a economia processual, a previsibilidade da solução e a segurança jurídica convergem para uma única conclusão possível: o melhor caminho, para todos, é o acordo.

E se não houver adesão?

As consequências práticas da resistência ao acordo

É preciso encarar, com objetividade, os potenciais desdobramentos da não adesão ao acordo coletivo homologado. Ao optar pela continuidade do litígio, o poupador se expõe a um cenário jurídico desfavorável e cada vez mais consolidado em desfavor de sua pretensão. Isso porque, com o julgamento da ADPF 165 e a fixação das teses nos Temas 284 e 285 pelo STF, a jurisprudência pacificada passou a reconhecer que o direito ao recebimento dos expurgos está condicionado à adesão ao acordo coletivo. A insistência no processo judicial não apenas coloca o autor diante da iminente improcedência do pedido, como também pode resultar em condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios - valores que, somados, podem ser expressivos. Além disso, a revogação da suspensão dos processos recursais e a vedação de ação rescisória tornam a questão ainda mais sensível.

Em termos práticos, a não adesão não é apenas uma escolha de litígio: é uma renúncia tácita à solução viável, célere e segura. Assim, mais do que um convite, o acordo representa uma oportunidade real de resolução, cujo descaso pode acarretar a perda definitiva do direito e um ônus financeiro adicional, que poderia ser integralmente evitado com uma postura proativa na busca pelo acordo.

_______

“(...) É possível, portanto, admitir o caráter constitucional e cogente dos planos econômicos e, ao mesmo tempo, reconhecer que seus efeitos danosos merecem ajustes e correções. (...). Adoto, portanto, a compreensão de que os planos econômicos que ensejaram a propositura da presente ação estão em consonância com o texto constitucional, sem afastar que os efeitos danosos consequenciais devem ser recompostos com base no acordo coletivo homologado. (...)”.

Jean Carlos Gomes
Advogado de Causas Especiais e Consultoria do Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados Associados. Autor do livro "Resolução On-line de Controvérsias: como implementar o acesso à justiça digital?". Professor. Doutorando em Direito Processual na UERJ. Mestre em Direito Processual pela UERJ e Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Michele do Nascimento Dimateo
Advogada especialista em Planos Econômicos e Direito Bancário. Pós-graduada em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil.

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