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Regimes favorecidos na reforma tributária?

Sua empresa está na lista VIP da reforma tributária? Cuidado. O "favor" pode virar armadilha, incentivando a fuga para meios de pagamento "criativos". Entenda aqui.

21/8/2025

A grande promessa da reforma tributária era a de um banho de purificação dessa complicação de hoje em dia. Um imposto único, democrático e transparente que afogaria o caos de alíquotas e as décadas de guerra fiscal. A propaganda era um IVA de base ampla, onde todos, sem distinção, pagariam a mesma alíquota. A realidade, contudo, já desenha no horizonte algo bem diferente: a criação de uma nova casta de privilegiados, uma "República dos Favorecidos".

Enquanto a maioria da economia se prepara para uma alíquota cheia que orbitará os 27%, a Constituição, em sua letra miúda, abriu a porta para que certos setores tenham um "tratamento específico e favorecido". E quem são os nomes nesta lista VIP?

Para esses setores, a promessa é a de um alívio. Para os gestores dentro deles, porém, a promessa é uma tortura. Porque a pergunta que vale bilhões e que hoje paralisa qualquer planejamento de longo prazo é: o que, em bom português, significa "favorecido"?

Ninguém sabe. E essa incerteza é, hoje, mais perigosa do que qualquer alíquota definida.

Cheque em branco

O Congresso deixou para a LC a tarefa de preencher este cheque em branco. A redução da carga tributária para esses setores pode vir de várias formas, cada uma com um impacto diferente:

  1. Redução percentual da alíquota: A mais provável. Por exemplo, os favorecidos pagariam apenas 40% da alíquota cheia. Se a alíquota geral for 27%, a deles seria 10,8%;
  2. Base de cálculo reduzida: Em vez de pagar sobre 100% da receita, pagariam sobre uma base menor, digamos, 40% da receita. O efeito matemático é similar, mas a complexidade contábil é outra;
  3. Regras de crédito diferenciadas: Talvez eles possam se creditar de despesas que os outros setores não podem, como a folha de pagamento. Esta é a opção mais complexa e improvável, mas está na mesa.

O problema é que, sem essa definição, é impossível para um hospital, uma escola ou um grande escritório de advocacia planejar seus preços, seus investimentos ou sua estrutura de custos para 2026. A empresa está em um limbo, uma sala de espera do purgatório tributário, sem saber se o seu destino é o céu ou o inferno.

Quando o "favor" se torna um aumento

Aqui reside a grande armadilha. Muitos desses setores, especialmente os prestadores de serviço, estão hoje no regime do lucro presumido. Eles pagam PIS e Cofins cumulativos (3,65%) e um ISS municipal que varia de 2% a 5%. Somando tudo, a carga tributária sobre a receita fica, em média, entre 12% e 16%, dependendo de impostos federais adicionais.

Agora, façamos a conta do "favor". Se a alíquota cheia do IVA for 27% e o regime favorecido garantir um desconto de 60%, a alíquota final será de 10,8%. Parece bom, mas a base de cálculo do IVA é muito mais ampla. E mesmo que o desconto seja de 50%, levando a alíquota para 13,5%, o resultado final, após considerar a perda de outros benefícios, pode ser um aumento líquido da carga tributária.

E é neste ponto que a discussão sobre evasão, que fizemos para o split payment, retorna com força total, mas de uma forma ainda mais granular e perigosa.

A conta é simples. Se um médico, hoje no lucro presumido, percebe que sua carga final saltará de 15% para 18% (mesmo com o "desconto"), a tentação do "por fora" se torna quase uma questão de sobrevivência. A natureza da prestação de serviço individualizada é um convite à informalidade.

O "favor" do governo, se mal calculado, pode ser o estopim para uma migração em massa de profissionais e pequenas empresas para a economia das sombras.

Conclusão

Para os líderes de negócios nesses setores "favorecidos", a pior estratégia é a de esperar passivamente pela bondade do Congresso. É preciso agir agora.

  1. Modelagem de cenários: Não espere pela LC. Simule agora o impacto no seu negócio com alíquotas de 10%, 15% e 20%. Qual desses cenários sua empresa suporta? Qual exige um aumento de preço que o mercado não aceitará?
  2. Blindagem contratual: Todos os seus contratos de longo prazo (planos de saúde, mensalidades escolares, contratos de honorários) devem incluir uma "cláusula de repasse tributário". Você precisa da flexibilidade legal para renegociar preços com base na nova e ainda incerta realidade fiscal.
  3. Pressão e lobby inteligente: A hora de influenciar a Lei Complementar é agora. As associações de classe (OAB, CFM, CREA, etc.) precisam fazer mais do que pedir um "favor". Elas precisam apresentar estudos de impacto, simulações e propostas técnicas que justifiquem um tratamento que não apenas pareça, mas que de fato seja, benéfico e sustentável.

A batalha e o lobby para definir quem paga a conta do Brasil já começou. A questão é se sua empresa estará na mesa de negociação ou apenas no cardápio.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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