A utilização da fundamentação "per relationem" - técnica pela qual o julgador incorpora à sua decisão os fundamentos determinantes de outro julgado, parecer ou documento - é prática consolidada, especialmente nos tribunais superiores, face ao volume avassalador de processos, além do dever de uniformizar a jurisprudência.
A questão central reside em sua compatibilidade com o ordenamento jurídico, notadamente com o art. 93, IX, da CF/88, que exige motivação de todas as decisões judiciais, sob pena de nulidade; com os arts. 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, II, do CPC, que exemplificam situações nas quais não se considera fundamentada qualquer decisão judicial; e com o art. 371 do CPC, que exige do juiz a apreciação da prova constante dos autos.
Ao julgar o Tema repetitivo 1.306, o STJ adotou uma posição de equilíbrio, estabelecendo as seguintes teses:
“1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.
2) A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do parágrafo 3º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil (CPC), é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.”
(STJ - Corte Especial, REsp 2.148.059/MA, REsp 2.148.580/MA e REsp 2.150.218/MA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2025, Tema 1.306).
A solução da Corte Especial é sensata: nem a proibição absoluta (insustentável pragmaticamente) nem a permissão irrestrita (incompatível com o dever de motivação). A validade da técnica está condicionada ao enfrentamento dos argumentos novos e relevantes específicos da causa.
O STJ, portanto, acertou. Em um cenário de mais de oitenta milhões de processos, a fundamentação por referência é um instrumento necessário de gestão processual e de uniformização jurisprudencial. Contudo, sua aplicação não pode servir de escusa para a mera transcrição acrítica, que constituiria uma afronta ao direito das partes - especialmente da parte vencida - de verem suas teses efetivamente consideradas, ainda que rejeitadas.
Há, porém, um risco interpretativo. É crucial não confundir os conceitos de "questões relevantes" (a serem enfrentadas) e "dispensada a análise pormenorizada" (expressão extraída da Tese firmada pelo STF no Tema de repercussão geral 339, conforme mencionado pelo relator) com uma suposta autorização para o julgador analisar apenas os argumentos que julga suficientes para a formação do seu convencimento.
A regra é clara, dizia Arnaldo Cezar Coelho. Ou deveria ser. Não se considera fundamentada a decisão que deixa de enfrentar argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada (art. 489, § 1º, IV, CPC). O dever é de analisar os contra-argumentos sérios e pertinentes, ou seja, aqueles que, em tese, possuem aptidão para modificar o desfecho do caso.
Trata-se de uma decorrência direta do contraditório: se o juiz não pode decidir contra alguém sem ouvi-lo previamente (art. 9º, caput, CPC), igualmente não pode decidir contra alguém sem analisar os seus argumentos. Fundamentar é, sobretudo, explicar à parte vencida os motivos de sua derrota.
Da mesma forma, o art. 371 do CPC impõe ao juiz o dever de apreciar todo o conjunto probatório dos autos, não lhe sendo dado escolher discricionariamente apenas as provas que lhe convêm.
O entendimento do STJ no Tema 1.306 não valida qualquer desvio desses comandos legais. A "própria fundamentação" exigida pela Corte para os pontos novos e relevantes deve observar integralmente as regras dos arts. 489 e 371.
Evidentemente, argumentos objetivamente irrelevantes ou impertinentes podem e devem ser desprezados, mas isso é radicalmente diverso de uma apreciação seletiva e discricionária pelo magistrado. “O juiz e os tribunais têm o dever de enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes, ainda que discordem deles. A improcedência do argumento não exclui a necessidade de sua análise” (Zulmar Duarte).
O STJ também entendeu que o órgão julgador pode reproduzir os fundamentos da decisão agravada, como ratio decidendi, para negar provimento ao agravo interno, desde que o agravante não tenha deduzido argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.
Embora o CPC proíba o colegiado de reproduzir os fundamentos da decisão agravada, não se pode exigir que o tribunal seja tautológico: se o agravante não impugnou os fundamentos da decisão monocrática ou impugnou sem deduzir argumentos recursais capazes de, ao menos em tese, infirmar a sua conclusão, não existe o que acrescer à decisão agravada.
Ao colegiado, entretanto, cabe o dever de apontar a ausência de novos argumentos, sem “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão” (art. 489, § 1º, II, CPC).
Certamente não é tarefa fácil decidir milhares de processos com a celeridade cobrada e a atenção devida aos argumentos, às provas e às circunstâncias particulares de cada caso, mas uma fundamentação analítica ou racional, ainda que sucinta, é dever fundamental do Estado-juiz (art. 93, IX, CF).
As teses firmadas no Tema 1.306 não criam uma exceção ao dever de fundamentação adequada; antes, definem os contornos de sua aplicação eficiente em um sistema sobredimensionado, mantendo intactos os pilares do contraditório e da motivação racional das decisões judiciais.