1. Introdução
O modelo de três células de Holding Familiar é uma estrutura jurídica legítima que visa organizar o patrimônio familiar com segurança, eficiência e previsibilidade sucessória. Apesar de sua crescente utilização e aderência às normas legais vigentes, o modelo é por vezes alvo de interpretações equivocadas que tentam vinculá-lo a práticas simuladas ou dissimuladas, confundindo planejamento patrimonial com manobras ilícitas.
Tais interpretações, que têm surgido especialmente em conteúdos de divulgação e não em decisões judiciais consolidadas, carecem de base jurídica sólida e ignoram os princípios fundamentais que regem o Direito Tributário brasileiro, em especial a legalidade, a autonomia privada e a tipicidade fechada da norma tributária.
2. Estrutura jurídica do modelo de três células
O modelo é composto por três pessoas jurídicas:
- Célula cofre: Empresa que detém diretamente os bens da família;
- Célula veículo: Empresa interposta que realiza aportes na célula cofre, frequentemente via reserva de capital;
- Célula destino: Sociedade que recebe os sucessores por meio de doação de quotas com cláusulas restritivas.
A estrutura visa facilitar o planejamento sucessório, proteger o patrimônio, garantir governança familiar e viabilizar a continuidade dos bens sob uma lógica empresarial e estratégica, sem violar qualquer norma legal ou infringir o sistema tributário.
3. Elisão fiscal lícita x Simulação e dissimulação: Distinções fundamentais
A crítica mais comum ao modelo gira em torno de uma alegada dissimulação da ocorrência do fato gerador ou simulação de negócios jurídicos. No entanto, essa crítica se desfaz à luz da doutrina tributária e civilista consolidada.
Luciano Amaro diferencia com clareza:
“A simulação exige o animus simulandi, a intenção de enganar. A elisão, por outro lado, é conduta lícita e legítima do contribuinte que, valendo-se de opções previstas em lei, organiza seus negócios de forma menos onerosa.” (Direito Tributário Brasileiro, 27ª ed., p. 186)
Roque Carrazza, ao tratar da autonomia da vontade, reforça:
“O contribuinte pode moldar seus negócios jurídicos como melhor lhe aprouver, desde que atue dentro dos lindes da lei. O simples fato de uma operação ser fiscalmente vantajosa não a torna ilícita.” (Curso de Direito Constitucional Tributário, 30ª ed., p. 60)
Não há, portanto, qualquer ocultação da realidade material dos atos no modelo. Todas as operações são efetivamente realizadas, registradas, documentadas e refletem a verdadeira vontade das partes envolvidas.
4. A Inaplicabilidade do Art. 116, §1º do CTN
Uma tentativa recorrente de desqualificar estruturas como o modelo de três células reside na invocação do art. 116, §1º do CTN, que prevê a possibilidade de a autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular o fato gerador, “nos termos de lei ordinária”.
Trata-se, como bem esclarece Leandro Paulsen, de norma de eficácia limitada, que depende de regulamentação específica para sua aplicação:
“A eficácia do §1º do art. 116 do CTN está condicionada à edição de lei ordinária que discipline os procedimentos e critérios para sua aplicação. Sem essa regulamentação, a norma permanece inoperante.” (Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional Interpretados, 11ª ed., p. 280)
Não houve até o momento qualquer lei ordinária que regulamente essa desconsideração. A MP 66/02, que tentou fazê-lo, foi revogada sem conversão em lei. Assim, qualquer aplicação direta do dispositivo pelo Fisco configura violação ao princípio da legalidade estrita tributária (CF, art. 150, I), além de insegurança jurídica.
5. Autonomia privada e liberdade de planejamento patrimonial
A jurisprudência do STJ é igualmente clara ao distinguir atos simulados de estruturas lícitas de planejamento. No REsp 1.159.591/SP, a Corte decidiu que:
“O contribuinte pode organizar seus atos e negócios jurídicos com o objetivo de reduzir a carga tributária, desde que não haja fraude à lei ou simulação.”
Ricardo Lobo Torres sustenta que:
“A liberdade de escolha da forma jurídica mais econômica é consequência do princípio da legalidade tributária. Não se pode punir o contribuinte por utilizar a via menos onerosa, se esta estiver dentro dos limites legais.” (Tratado de Direito Financeiro e Tributário, vol. I, p. 434)
A estrutura do Modelo de Três Células é consequência lógica da autonomia privada e da liberdade contratual. Não há simulação, pois não se cria uma aparência enganosa. Não há dissimulação, pois não se oculta nenhum elemento essencial da operação. O que existe é organização estratégica lícita, conforme os instrumentos previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
6. Conclusão
O modelo de três células de Holding Familiar está em absoluta conformidade com o Direito Tributário, Civil e Empresarial. Não configura simulação nem dissimulação, pois é fundado em atos jurídicos reais, eficazes e plenamente documentados. As críticas que buscam desqualificá-lo - embora raras no ambiente técnico e institucional - decorrem, em muitos casos, de leituras apressadas ou de narrativas interessadas na promoção de soluções concorrentes.
A tentativa de aplicação do art. 116, §1º do CTN, sem a devida regulamentação legal, é juridicamente insustentável e deve ser rechaçada com base nos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da autonomia privada.
Portanto, a estrutura deve ser reconhecida e respeitada como expressão legítima do direito do contribuinte de organizar seu patrimônio de forma racional e eficiente.
_______
Referências
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 27ª ed., Saraiva.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 30ª ed., Malheiros.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional Interpretados, 11ª ed., Saraiva.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Financeiro e Tributário, vol. I, Renovar.
STJ. Recurso Especial 1.159.591/SP.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Código Tributário Nacional - Lei 5.172/1966.