Desde que a lei 14.790/23, a “lei das bets”, entrou em vigor, o Brasil passou a ter um marco regulatório robusto para as apostas esportivas de quota fixa. As regras são duras e claras: só empresas autorizadas pela SPA/MF - Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda podem operar legalmente, seguindo exigências rígidas de integridade, prevenção à lavagem de dinheiro, proteção ao consumidor e padrões de publicidade.
Mas, na prática, o jogo ainda está longe de ser justo. Operadoras ilegais seguem em plena atividade, competindo com quem se regularizou e ignorando as regras que deveriam nivelar a disputa.
É nesse contexto que surge o PL 2.359/25, que pode mudar o rumo da partida. A proposta, que acaba de ser aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, responsabiliza financeiramente os bancos e demais agentes do sistema de pagamentos que, por omissão ou negligência, permitirem a movimentação de dinheiro para casas de apostas não autorizadas. É um movimento ousado e necessário. Afinal, enquanto houver acesso fácil ao sistema financeiro, o mercado clandestino continuará prosperando.
Atualmente, a SPA/MF já tenta bloquear essas rotas com duas portarias: a 615/24 determina que depósitos e saques sejam feitos exclusivamente por transferências eletrônicas rastreáveis, e a 566/25 obriga bancos e instituições de pagamento a recusarem e encerrarem relações com empresas ilegais.
Ainda assim, operadores clandestinos continuam conseguindo movimentar recursos, muitas vezes com a conivência involuntária de intermediários financeiros que não adotam controles mínimos. O novo PL busca mudar esse quadro: transforma em infração administrativa a omissão diante de operações ligadas a apostas ilegais, dando ao Banco Central e à CVM - Comissão de Valores Mobiliários poder para punir condutas negligentes.
Essa mudança é mais do que bem-vinda. Sem responsabilização, o discurso de integridade do mercado regulado perde credibilidade.
A proposta não nasce isolada. Ela se conecta com a lei 9.613/1998, que trata da prevenção à lavagem de dinheiro, e com normas prudenciais do Banco Central, como a circular 3.978/20 e a resolução 119/21, que exigem controles internos proporcionais ao risco.
O que o projeto faz é explicitar que, quando o risco envolve apostas ilegais, o dever de cuidado deve ser reforçado. Isso significa monitorar aportes suspeitos, variações atípicas de fluxo e múltiplas retiradas em curto prazo, entre outras tipologias de risco. Ignorar esses sinais deixaria de ser um deslize e passaria a ser uma infração.
Consequências práticas para o mercado
Se aprovado, o PL obrigará bancos, instituições de pagamento e arranjos de pagamento a:
- Qualificar a natureza do negócio de seus clientes e identificar vínculos com apostas sem autorização;
- Monitorar movimentações suspeitas e comunicá-las ao órgão de inteligência financeira;
- Preservar registros e implementar políticas de “conheça o parceiro comercial”;
- Bloquear preventivamente clientes suspeitos e aprimorar filtros de risco transacional.
Com a omissão expressamente tipificada, tende a haver uma atuação sancionadora mais clara e efetiva e um incentivo para que as empresas negociem termos de compromisso e sanem lacunas de controle antes que virem passivos reputacionais.
O fato é que as operadoras ilegais só conseguem manter sua vantagem competitiva porque continuam tendo acesso ao sistema de pagamentos. Atacar esse ponto nevrálgico é a forma mais direta de reduzir a atratividade do mercado clandestino e proteger os investimentos feitos por quem escolheu seguir as regras.
O PL 2.359/25 (que segue agora para análise, em caráter conclusivo, da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), reforça a coerência do sistema regulatório: fortalece o caminho traçado pela lei das bets e pelas portarias da SPA/MF, atinge o principal benefício dos ilegais e envia um recado claro ao mercado.
Mais do que boas práticas, governança, monitoramento e resposta rápida passam a ser requisitos de sobrevivência para quem deseja competir com segurança jurídica e reputacional.
Se o objetivo do marco regulatório é garantir um mercado íntegro e proteger o consumidor, responsabilizar financeiramente quem financia o jogo ilegal é não apenas legítimo, mas necessário.