Migalhas de Peso

BETs ilegais: PL 2.359/25 mira elo financeiro que sustenta mercado clandestino de apostas

Responsabilização de bancos pode ser o ponto de virada no mercado de apostas esportivas.

23/9/2025

Desde que a lei 14.790/23, a “lei das bets”, entrou em vigor, o Brasil passou a ter um marco regulatório robusto para as apostas esportivas de quota fixa. As regras são duras e claras: só empresas autorizadas pela SPA/MF - Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda podem operar legalmente, seguindo exigências rígidas de integridade, prevenção à lavagem de dinheiro, proteção ao consumidor e padrões de publicidade.

Mas, na prática, o jogo ainda está longe de ser justo. Operadoras ilegais seguem em plena atividade, competindo com quem se regularizou e ignorando as regras que deveriam nivelar a disputa.

É nesse contexto que surge o PL 2.359/25, que pode mudar o rumo da partida. A proposta, que acaba de ser aprovada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, responsabiliza financeiramente os bancos e demais agentes do sistema de pagamentos que, por omissão ou negligência, permitirem a movimentação de dinheiro para casas de apostas não autorizadas. É um movimento ousado e necessário. Afinal, enquanto houver acesso fácil ao sistema financeiro, o mercado clandestino continuará prosperando.

Atualmente, a SPA/MF já tenta bloquear essas rotas com duas portarias: a 615/24 determina que depósitos e saques sejam feitos exclusivamente por transferências eletrônicas rastreáveis, e a 566/25 obriga bancos e instituições de pagamento a recusarem e encerrarem relações com empresas ilegais.

Ainda assim, operadores clandestinos continuam conseguindo movimentar recursos, muitas vezes com a conivência involuntária de intermediários financeiros que não adotam controles mínimos. O novo PL busca mudar esse quadro: transforma em infração administrativa a omissão diante de operações ligadas a apostas ilegais, dando ao Banco Central e à CVM - Comissão de Valores Mobiliários poder para punir condutas negligentes.

Essa mudança é mais do que bem-vinda. Sem responsabilização, o discurso de integridade do mercado regulado perde credibilidade.

A proposta não nasce isolada. Ela se conecta com a lei 9.613/1998, que trata da prevenção à lavagem de dinheiro, e com normas prudenciais do Banco Central, como a circular 3.978/20 e a resolução 119/21, que exigem controles internos proporcionais ao risco.

O que o projeto faz é explicitar que, quando o risco envolve apostas ilegais, o dever de cuidado deve ser reforçado. Isso significa monitorar aportes suspeitos, variações atípicas de fluxo e múltiplas retiradas em curto prazo, entre outras tipologias de risco. Ignorar esses sinais deixaria de ser um deslize e passaria a ser uma infração.

Consequências práticas para o mercado

Se aprovado, o PL obrigará bancos, instituições de pagamento e arranjos de pagamento a:

Com a omissão expressamente tipificada, tende a haver uma atuação sancionadora mais clara e efetiva e um incentivo para que as empresas negociem termos de compromisso e sanem lacunas de controle antes que virem passivos reputacionais.

O fato é que as operadoras ilegais só conseguem manter sua vantagem competitiva porque continuam tendo acesso ao sistema de pagamentos. Atacar esse ponto nevrálgico é a forma mais direta de reduzir a atratividade do mercado clandestino e proteger os investimentos feitos por quem escolheu seguir as regras.

O PL 2.359/25 (que segue agora para análise, em caráter conclusivo, da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), reforça a coerência do sistema regulatório: fortalece o caminho traçado pela lei das bets e pelas portarias da SPA/MF, atinge o principal benefício dos ilegais e envia um recado claro ao mercado.

Mais do que boas práticas, governança, monitoramento e resposta rápida passam a ser requisitos de sobrevivência para quem deseja competir com segurança jurídica e reputacional.

Se o objetivo do marco regulatório é garantir um mercado íntegro e proteger o consumidor, responsabilizar financeiramente quem financia o jogo ilegal é não apenas legítimo, mas necessário.

André Feher Jr.
Advogado sênior da área Digital do PK Advogados, Feher Jr. é mestre pelo Instituto Superior de Direito e Economia (ISDE), em Madri, tem especialização em contratos, pela FGV-SP; e em Direito de Propriedade Intelectual, Entretenimento, Mídias Digitais e Moda, pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB). Atua em casos de alta complexidade no mercado de iGaming/BETs, assessorando empresas, plataformas e influenciadores, em conformidade regulatória, contratos comerciais, proteção de imagem, marketing digital, publicidade e responsabilidade civil.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Edição gênica e agronegócio: Desafios para patenteabilidade

3/12/2025

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025

Seguros de danos, responsabilidade civil e o papel das cooperativas no Brasil

3/12/2025