Introdução
O PLP 108 de 2024 tem movimentado o debate jurídico e econômico em torno do futuro das holdings familiares no Brasil. Em diversas análises, surgiram manchetes e opiniões que sugerem o fim desse modelo de organização patrimonial, o que naturalmente causa insegurança em famílias que utilizam a holding como instrumento de preservação, sucessão e eficiência tributária. Contudo, é necessário distinguir o exagero retórico da realidade normativa. O PLP 108 não extingue as holdings, mas altera o cenário em que elas se inserem, exigindo maior preparo técnico e estratégias mais avançadas para que permaneçam eficientes e juridicamente sustentáveis.
O que dispõe o PLP 108
O PLP 108 busca regulamentar o ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação em âmbito nacional. Atualmente, cada estado disciplina esse imposto em sua própria legislação, o que gera assimetrias e insegurança jurídica. A proposta pretende uniformizar as regras e, entre suas disposições mais relevantes, destaca-se a definição da base de cálculo para quotas e participações societárias. O texto prevê que o imposto incida sobre o valor de mercado ajustado desses bens, incluindo eventual fundo de comércio, e não mais sobre o simples valor patrimonial contábil. Essa alteração amplia o poder de fiscalização do fisco e cria espaço para disputas sobre critérios de avaliação.
Outro ponto relevante é a possibilidade de aplicação de alíquotas progressivas, o que aumenta a carga tributária de transmissões de maior vulto. A proposta também contempla regras para incidência sobre bens no exterior e mecanismos de arbitramento quando os valores declarados não refletem a realidade econômica. Em resumo, o PLP 108 desloca o regime do ITCMD para um patamar de maior rigor fiscal, retirando margens que antes permitiam planejamentos superficiais e de baixa sofisticação.
Minas Gerais como exemplo prático
Embora a proposta tenha causado impacto no cenário nacional, não se pode ignorar que alguns estados já caminham nessa direção há anos. Em Minas Gerais, a lei 14.941 de 2003, em seu art. 13, estabelece que a base de cálculo do ITCD é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. O § 1º admite o valor patrimonial no caso de quotas não negociadas nos cento e oitenta dias anteriores à transmissão, mas o § 2º impõe um limite claro: se o capital tiver sido integralizado em até cinco anos com bens móveis ou imóveis, a base de cálculo não poderá ser inferior ao valor venal atualizado desses bens. O decreto 43.981 de 2005 repete esse comando, reforçando que a proteção ao erário não pode ser burlada pela utilização de valores contábeis inferiores ao mercado.
É importante destacar, entretanto, o que se entende por valor venal na legislação tributária. Não se trata daquele valor que consta no carnê do IPTU, fixado muitas vezes em montante inferior ao de mercado e utilizado apenas como base de cálculo para o imposto municipal. O valor venal, no contexto do ITCD e do ITCMD, corresponde ao preço que o bem alcançaria em condições normais de mercado, considerado o estado em que se encontra e as práticas correntes de negociação. Em outras palavras, é o valor de mercado do bem ou direito transmitido, apurado com base em critérios objetivos de avaliação, e não em parâmetros administrativos de conveniência fiscal.
Esse desenho normativo demonstra que o PLP 108 apenas nacionaliza uma realidade que já vigora em alguns estados. A jurisprudência também acompanha essa tendência. No julgamento do REsp 2.139.412 do Mato Grosso, a 2ª turma do STJ decidiu que a base de cálculo do ITCMD deve refletir o valor de mercado dos bens transmitidos, admitindo o arbitramento quando os valores declarados não correspondem à realidade. Trata-se, portanto, de um movimento coerente com a ideia de justiça fiscal e isonomia tributária.
A permanência das holdings familiares
É nesse ponto que se deve afastar o alarmismo: as holdings familiares não se extinguem com o PLP 108. O que se encerra é a era das estruturas simplistas, criadas apenas para concentrar imóveis e transmitir quotas aos herdeiros com base em avaliações meramente contábeis. O novo cenário exige que o instituto seja manejado com rigor técnico, apoiado em avaliações de mercado consistentes, com cláusulas restritivas adequadas e modelos societários mais sofisticados.
A holding familiar permanece sendo um dos mais eficazes instrumentos de proteção do patrimônio, de organização da sucessão e de preservação da vontade dos patriarcas e matriarcas. O que muda é a forma de estruturá-la. Se antes bastava uma sociedade limitada de baixa complexidade, hoje é preciso pensar em sistemas integrados, como o modelo de três células, em que se distinguem a célula cofre, a célula veículo e a célula destino, permitindo uma arquitetura jurídica capaz de lidar com as exigências fiscais e, ao mesmo tempo, assegurar a titularidade e o controle dentro da família. Esse tipo de modelo demonstra que a evolução normativa não elimina a holding, mas seleciona quem poderá de fato oferecê-la de maneira eficiente e juridicamente sustentável.
A necessidade de urgência
O cidadão que possui patrimônio familiar relevante não pode adiar a busca por uma solução personalizada. A aprovação do PLP 108 tornará obsoletas as estratégias simplistas, sujeitando famílias a inventários longos e custosos, além de litígios fiscais que podem consumir parte substancial do patrimônio. A holding ainda é, e continuará sendo, um instrumento legítimo e eficaz, mas deve ser estruturada por profissionais qualificados, capazes de desenhar modelos adaptados à realidade de cada família e às exigências da legislação.
Adiar essa decisão significa correr o risco de ver o patrimônio submetido a critérios de avaliação de mercado sem qualquer planejamento prévio, com alíquotas progressivas que podem aumentar a carga tributária e sem a proteção de cláusulas restritivas essenciais. O tempo de improvisos chegou ao fim. É a hora de buscar orientação especializada e garantir que a holding familiar seja construída como um verdadeiro escudo jurídico, capaz de resistir às mudanças legislativas e às investidas do fisco.
Conclusão
O PLP 108 não sepulta as holdings familiares, mas representa uma mudança de paradigma. O modelo tradicional, simplificado e baseado apenas no valor contábil, perde espaço. A partir de agora, sobrevivem apenas as estruturas sofisticadas, capazes de conjugar segurança jurídica, eficiência tributária e solidez econômica. Minas Gerais já demonstrava esse caminho em sua legislação estadual e agora o movimento ganha contornos nacionais.
Mais do que um obstáculo, o PLP 108 cria uma oportunidade. Em um cenário em que improvisos não têm mais lugar, cresce a necessidade de profissionais realmente especializados em planejamento patrimonial, que dominem técnicas avançadas e possam entregar às famílias estruturas sólidas e personalizadas. Essa nova fase fará com que a sociedade, cada vez mais, dependa do conhecimento técnico-jurídico para proteger o patrimônio e preservar o legado. Para o cidadão, a urgência está posta: ou se estrutura uma holding familiar de forma profissional e consciente, ou corre-se o risco de ver anos de trabalho e acumulação comprometidos pelo fisco e pela falta de preparo.
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Referências
BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024. Dispõe sobre normas gerais do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Brasília, 2024.
MINAS GERAIS. Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre o ITCD. Belo Horizonte, 2003.
MINAS GERAIS. Decreto nº 43.981, de 3 de março de 2005. Regulamenta a Lei nº 14.941/2003. Belo Horizonte, 2005.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 2.139.412/MT. Relator: Ministro Francisco Falcão. Brasília, 18 fev. 2025.