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Avaliação da periculosidade criminal: O exame de cessação

A matéria explora a avaliação da periculosidade criminal por meio do exame de cessação, abordando aspectos históricos, clínicos e sociais que influenciam o comportamento futuro do individuo.

29/9/2025

O conceito de periculosidade criminal surgiu no final do século XIX, tornando-se concepção fundamental do Direito Penal Moderno. Assim, o termo periculosidade revela sobre a probabilidade de um sujeito vir ou tornar a praticar algum ato previsto em lei como criminoso.1

Na avaliação da periculosidade é realizado o denominado “Exame de Cessação da Periculosidade”, ECP, que deve ser averiguado por meio de perícia médica psiquiátrica.2

Essa avaliação objetiva fazer uma previsão sobre o comportamento futuro do sujeito submetido ao cumprimento de medida de segurança ou de forma adaptada e semelhante, quando se aplica o exame criminológico para analisar viabilidade de progressão de regime.3

Neste exame é realizada a avaliação de risco, que não examina somente se um indivíduo é perigoso ou não, mas abrange também elementos ambientais, situacionais e sociais pertinentes, realizando leitura ampla e global das condições do indivíduo.4

Segundo o art. 775 do CPP, a cessação ou não da periculosidade será verificada pelo exame das condições da pessoa a que tiver sido imposta. Assim, de acordo com a literatura científica, existem alguns critérios considerados essenciais na avaliação da cessão da periculosidade. A saber.5 6 7 8 9

a) Itens históricos: são avaliados o histórico de comportamentos violentos; os antecedentes criminais e do delito; a conduta do periciado na instituição; instabilidade nos relacionamentos; percurso de atividades laborais; o uso de substâncias psicoativas; Doença Mental e sua gravidade; desajustes precoces; Transtorno de Personalidade e situações de fracasso.

b) Itens clínicos: é realizado o exame das funções mentais, avaliando fatores psíquicos como a presença ou ausência de capacidade de insight; estado do juízo crítico; aspectos emocionais e de humor; além de avaliar atitudes negativas; sintomas ativos de Doença Mental; impulsividade; andamento da resposta ao tratamento (caso esteja sendo submetido) e o estado psicológico atual.

c) Itens de manejo de risco: são avaliados os planos para o futuro; exposição a fatores desestabilizantes; tipos de apoio pessoal e sociofamiliar; não aderência às tentativas de tratamento e níveis de estresse.

Os fatores de risco identificados no Exame Psiquiátrico podem ser advindos da história do avaliando e do exame de seu estado mental. Os critérios individuais devem ser divididos em fatores relacionados a época pré-delito, ao tempo dos fatos e posteriormente a eles.

Para tal, podem ser utilizadas informações técnicas, como os relatórios psicossociais do comportamento do periciando na instituição onde se encontra recolhido, ou acesso a dados obtidos através de fontes colaterais de informações, advindas da rede de apoio do avaliando.

No Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade, EVCP, é fundamental considerar fatores como a intensidade - de leve a gravíssima - de episódios de violência cuja detenção ocorrera por crimes violentos, crimes sexuais e/ou Transtornos Mentais.10

Deve-se avaliar, ainda, quanto a presença de características psicopáticas, como, por exemplo: superestima, necessidade de estimulação/tendência ao tédio, mentiras patológicas, vigarice/manipulação, ausência de remorso ou culpa, insensibilidade afetivo-emocional, indiferença/falta de empatia, descontroles comportamentais, impulsividade, irresponsabilidade.11

Abaixo um exemplo de como registrar e apresentar os itens do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade em um caso fictício de pedido de avaliação para prisão domiciliar humanitária para tratamento de transtorno mental grave:

Quadro: Resultados do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade

Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade

Caso

Médico-psicológicos: “Aqueles que surgem da existência de estados de alienação mental de semi-alienação ou de simples desequilíbrios psíquicos vinculados, ou não, a perturbações somáticas, que, em determinada ou indeterminada circunstância, permitem prognosticar uma reação antissocial em um dado sujeito.”

 

1. Falta de insight.

Baixa

2. Atitudes negativas.

Alta, direcionadas contra ele e não em desfavor de terceiros

3. Sintomas ativos de Doença Mental importante.

Alta, direcionadas contra ele e não em desfavor de terceiros

4. Impulsividade.

Baixa

5. Sem resposta ao tratamento.

Prejudicado, uma vez que não se encontra recebendo os tratamentos mínimos adequados

Sociais: Estão condicionados por fatores ambientais. “Neste caso, a periculosidade não está dentro do sujeito, e sim fora, no ambiente que “o nutre, o estimula, o excita”. Suprimindo “este estímulo, esse alimento, esta excitação”, a periculosidade desaparece.

 

1. Instabilidade em relacionamentos.

Baixa

2. Problemas no emprego.

Inexistente

3. Problemas com uso de substâncias.

Inexistente

4. Transtorno Mental importante.

Alta, com risco de repercussões contra ele mesmo pelo suicídio, caso não receba o devido tratamento.

5. Psicopatia.

Inexistente

6. Desajuste precoce.

Baixa

7. Transtornos de Personalidade.

Inexistente

8. Fracasso em supervisão prévia.

Inexistente

Itens de manejo de risco: “É avaliado os planos para o futuro; exposição a fatores desestabilizantes; como é o tipo de apoio pessoal e apoio sociofamiliar, se é adequado ou não; não aderência às tentativas de tratamento; estresse.’’

 

1. Planos sem viabilidade.

Inexistente, planos simples e ajustados à realidade

2. Exposição a fatores desestabilizantes.

Baixa, pois tem suporte familiar, especialmente dos filhos.

3. Falta de apoio pessoal.

Baixa

4. Não aderência às tentativas de tratamento.

Baixa

5. Estresse.

Baixa

Fonte: Elaborado pela Equipe da Vida Mental Perícias, baseados em Carrilho12, Loudet13 e Mecler14.

De acordo com os itens do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade é possível constatar que se o Avaliado apresenta indicadores previsíveis de risco reconhecido da prática criminal. Além disso, em casos de transtorno mental grave, pode-se aferir se os adoecimentos físicos e mentais do Avaliado oferece riscos para a saúde e segurança dele mesmo, e não apenas a de terceiros.

O foco da avaliação será o tratamento, a evolução do quadro clínico e, mais profundamente, a verificação do nível de periculosidade que o indivíduo oferece. Ou seja, compreender por meio da avaliação às relações existentes entre o Transtorno Mental e o crime cometido, verificando se a doença ainda está presente, descompensada ou não, e se pode aumentar o risco da prática criminosa, ou não.15 16

Além disso, é importante compreender o que o periciando é capaz de compreender sobre o delito que foi praticado, se tem planos para o futuro e se possui redes de apoio sociofamiliar disponíveis para acolhimento e auxílio.

O processo de avaliação de periculosidade apresentou grande evolução nas últimas décadas de acordo com a literatura citada, sendo que antes era apenas um modelo diagnóstico no qual era necessário declarar a periculosidade através da Doença Mental do indivíduo.17 18 19

Atualmente é um modelo probabilístico, o qual considera a avaliação de risco, incorporação de fatores dinâmicos e sistematização do exame. Verifica a contextualização temporal e à especificidade dos prognósticos, com a integração de múltiplas fontes de informações, e a participação de diferentes serviços envolvidos na avaliação e na prevenção da violência.20 21 22

Todas essas questões tornam a avaliação voltada para os objetivos principais, que são os interesses e a segurança da sociedade e a proteção dos Direitos Humanos do indivíduo avaliado.

_______

1 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.

2 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.

3 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.

4 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.

5 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.

6 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.

7 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.

8 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.

9 LOUDET, O. Los índices médico-psicológicos y legales de la peligrosidad. Actos, deliberações e trabalhos do Premier Congresso Latino-Americano de Criminologia, Buenos Aires, p. 175-183, 1939.

10 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.

11 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.

12 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.

13 LOUDET, O. Los índices médico-psicológicos y legales de la peligrosidad. Actos, deliberações e trabalhos do Premier Congresso Latino-Americano de Criminologia, Buenos Aires, p. 175-183, 1939.

14 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.

15 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.

16 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.

17 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.

18 CARRARA, S. Crime e loucura: o aparecimento do Manicômio Judiciário no início do Século. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação e Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ. Rio de Janeiro, 1987.

19 GOFFMAN, E. Manicômio, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.

20 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.

21 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.

22 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.

Hewdy Lobo Ribeiro
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia lega e forense (UNED Espanha).

Elise Karam Trindade
Elise Karam Trindade, psicóloga inscrita no CRP sob nº 06/205.826; especialista em Psicologia Jurídica e Neuropsicologia. Coordenadora da equipe de Psicologia Jurídica da Vida Mental.

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