O conceito de periculosidade criminal surgiu no final do século XIX, tornando-se concepção fundamental do Direito Penal Moderno. Assim, o termo periculosidade revela sobre a probabilidade de um sujeito vir ou tornar a praticar algum ato previsto em lei como criminoso.1
Na avaliação da periculosidade é realizado o denominado “Exame de Cessação da Periculosidade”, ECP, que deve ser averiguado por meio de perícia médica psiquiátrica.2
Essa avaliação objetiva fazer uma previsão sobre o comportamento futuro do sujeito submetido ao cumprimento de medida de segurança ou de forma adaptada e semelhante, quando se aplica o exame criminológico para analisar viabilidade de progressão de regime.3
Neste exame é realizada a avaliação de risco, que não examina somente se um indivíduo é perigoso ou não, mas abrange também elementos ambientais, situacionais e sociais pertinentes, realizando leitura ampla e global das condições do indivíduo.4
Segundo o art. 775 do CPP, a cessação ou não da periculosidade será verificada pelo exame das condições da pessoa a que tiver sido imposta. Assim, de acordo com a literatura científica, existem alguns critérios considerados essenciais na avaliação da cessão da periculosidade. A saber.5 6 7 8 9
a) Itens históricos: são avaliados o histórico de comportamentos violentos; os antecedentes criminais e do delito; a conduta do periciado na instituição; instabilidade nos relacionamentos; percurso de atividades laborais; o uso de substâncias psicoativas; Doença Mental e sua gravidade; desajustes precoces; Transtorno de Personalidade e situações de fracasso.
b) Itens clínicos: é realizado o exame das funções mentais, avaliando fatores psíquicos como a presença ou ausência de capacidade de insight; estado do juízo crítico; aspectos emocionais e de humor; além de avaliar atitudes negativas; sintomas ativos de Doença Mental; impulsividade; andamento da resposta ao tratamento (caso esteja sendo submetido) e o estado psicológico atual.
c) Itens de manejo de risco: são avaliados os planos para o futuro; exposição a fatores desestabilizantes; tipos de apoio pessoal e sociofamiliar; não aderência às tentativas de tratamento e níveis de estresse.
Os fatores de risco identificados no Exame Psiquiátrico podem ser advindos da história do avaliando e do exame de seu estado mental. Os critérios individuais devem ser divididos em fatores relacionados a época pré-delito, ao tempo dos fatos e posteriormente a eles.
Para tal, podem ser utilizadas informações técnicas, como os relatórios psicossociais do comportamento do periciando na instituição onde se encontra recolhido, ou acesso a dados obtidos através de fontes colaterais de informações, advindas da rede de apoio do avaliando.
No Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade, EVCP, é fundamental considerar fatores como a intensidade - de leve a gravíssima - de episódios de violência cuja detenção ocorrera por crimes violentos, crimes sexuais e/ou Transtornos Mentais.10
Deve-se avaliar, ainda, quanto a presença de características psicopáticas, como, por exemplo: superestima, necessidade de estimulação/tendência ao tédio, mentiras patológicas, vigarice/manipulação, ausência de remorso ou culpa, insensibilidade afetivo-emocional, indiferença/falta de empatia, descontroles comportamentais, impulsividade, irresponsabilidade.11
Abaixo um exemplo de como registrar e apresentar os itens do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade em um caso fictício de pedido de avaliação para prisão domiciliar humanitária para tratamento de transtorno mental grave:
Quadro: Resultados do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade
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Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade |
Caso |
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Médico-psicológicos: “Aqueles que surgem da existência de estados de alienação mental de semi-alienação ou de simples desequilíbrios psíquicos vinculados, ou não, a perturbações somáticas, que, em determinada ou indeterminada circunstância, permitem prognosticar uma reação antissocial em um dado sujeito.” |
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1. Falta de insight. |
Baixa |
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2. Atitudes negativas. |
Alta, direcionadas contra ele e não em desfavor de terceiros |
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3. Sintomas ativos de Doença Mental importante. |
Alta, direcionadas contra ele e não em desfavor de terceiros |
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4. Impulsividade. |
Baixa |
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5. Sem resposta ao tratamento. |
Prejudicado, uma vez que não se encontra recebendo os tratamentos mínimos adequados |
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Sociais: Estão condicionados por fatores ambientais. “Neste caso, a periculosidade não está dentro do sujeito, e sim fora, no ambiente que “o nutre, o estimula, o excita”. Suprimindo “este estímulo, esse alimento, esta excitação”, a periculosidade desaparece. |
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1. Instabilidade em relacionamentos. |
Baixa |
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2. Problemas no emprego. |
Inexistente |
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3. Problemas com uso de substâncias. |
Inexistente |
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4. Transtorno Mental importante. |
Alta, com risco de repercussões contra ele mesmo pelo suicídio, caso não receba o devido tratamento. |
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5. Psicopatia. |
Inexistente |
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6. Desajuste precoce. |
Baixa |
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7. Transtornos de Personalidade. |
Inexistente |
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8. Fracasso em supervisão prévia. |
Inexistente |
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Itens de manejo de risco: “É avaliado os planos para o futuro; exposição a fatores desestabilizantes; como é o tipo de apoio pessoal e apoio sociofamiliar, se é adequado ou não; não aderência às tentativas de tratamento; estresse.’’ |
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1. Planos sem viabilidade. |
Inexistente, planos simples e ajustados à realidade |
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2. Exposição a fatores desestabilizantes. |
Baixa, pois tem suporte familiar, especialmente dos filhos. |
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3. Falta de apoio pessoal. |
Baixa |
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4. Não aderência às tentativas de tratamento. |
Baixa |
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5. Estresse. |
Baixa |
Fonte: Elaborado pela Equipe da Vida Mental Perícias, baseados em Carrilho12, Loudet13 e Mecler14.
De acordo com os itens do Exame de Verificação de Cessação de Periculosidade é possível constatar que se o Avaliado apresenta indicadores previsíveis de risco reconhecido da prática criminal. Além disso, em casos de transtorno mental grave, pode-se aferir se os adoecimentos físicos e mentais do Avaliado oferece riscos para a saúde e segurança dele mesmo, e não apenas a de terceiros.
O foco da avaliação será o tratamento, a evolução do quadro clínico e, mais profundamente, a verificação do nível de periculosidade que o indivíduo oferece. Ou seja, compreender por meio da avaliação às relações existentes entre o Transtorno Mental e o crime cometido, verificando se a doença ainda está presente, descompensada ou não, e se pode aumentar o risco da prática criminosa, ou não.15 16
Além disso, é importante compreender o que o periciando é capaz de compreender sobre o delito que foi praticado, se tem planos para o futuro e se possui redes de apoio sociofamiliar disponíveis para acolhimento e auxílio.
O processo de avaliação de periculosidade apresentou grande evolução nas últimas décadas de acordo com a literatura citada, sendo que antes era apenas um modelo diagnóstico no qual era necessário declarar a periculosidade através da Doença Mental do indivíduo.17 18 19
Atualmente é um modelo probabilístico, o qual considera a avaliação de risco, incorporação de fatores dinâmicos e sistematização do exame. Verifica a contextualização temporal e à especificidade dos prognósticos, com a integração de múltiplas fontes de informações, e a participação de diferentes serviços envolvidos na avaliação e na prevenção da violência.20 21 22
Todas essas questões tornam a avaliação voltada para os objetivos principais, que são os interesses e a segurança da sociedade e a proteção dos Direitos Humanos do indivíduo avaliado.
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1 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.
2 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.
3 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.
4 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.
5 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.
6 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.
7 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.
8 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.
9 LOUDET, O. Los índices médico-psicológicos y legales de la peligrosidad. Actos, deliberações e trabalhos do Premier Congresso Latino-Americano de Criminologia, Buenos Aires, p. 175-183, 1939.
10 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.
11 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.
12 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.
13 LOUDET, O. Los índices médico-psicológicos y legales de la peligrosidad. Actos, deliberações e trabalhos do Premier Congresso Latino-Americano de Criminologia, Buenos Aires, p. 175-183, 1939.
14 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.
15 MECLER, K. Periculosidade e Inimputabilidade: um estudo dos fatores envolvidos na determinação da periculosidade do doente mental infrator. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro, 1996.
16 CARRILHO, H. Psicogênese e determinação pericial da periculosidade. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 56-89, 1941.
17 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.
18 CARRARA, S. Crime e loucura: o aparecimento do Manicômio Judiciário no início do Século. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação e Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ. Rio de Janeiro, 1987.
19 GOFFMAN, E. Manicômio, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
20 MECLER, K. Periculosidade: Evolução e aplicação do conceito. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum.; 20(1): 70-82, abr. 2010.
21 BRUNO, A. Perigosidade Criminal e Medidas de Segurança. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1991.
22 CARRILHO, H. A colaboração dos psiquiatras nas questões penais. Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 159-182, 1930.