A Corte Especial do STJ admitiu a condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios em casos de rejeição do pedido de IDPJ - incidente de desconsideração de personalidade jurídica (REsp 2.072.206/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, DJEN de 12/3/2025). Essa decisão reforça a ideia de que o incidente não é apenas um mero incidente, mas uma demanda incidental com seus próprios elementos.
Em outro julgamento, a Corte Especial estabeleceu quem nem sempre deve ocorrer o arbitramento de honorários advocatícios no IDPJ:
“(...) A fixação de honorários advocatícios é cabível em incidentes processuais que resultem em alteração substancial da lide, como no indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica" (EREsp 2.042.753/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, julgado em 2/4/2025, DJEN de 12/5/2025).
Em seu voto, o ministro relator, Mauro Campbell Marques destacou:
“A análise legislativa, as razões que justificam os honorários impostos a quem deu causa à demanda e os termos da jurisprudência consolidada do STJ permitem a conclusão que o ponto nodal de uma possível condenação ao pagamento de honorários no âmbito de um incidente processual não é a sua designação, mas sim a sua capacidade de representar a extinção do processo principal ou a sua modificação substancial.”
Em minha avaliação, faltou a essas decisões aplicar o princípio da isonomia para equilibrar a condenação em honorários, permitindo que ela recaísse também sobre o requerido se a desconsideração fosse deferida. Essa discussão, porém, está superada - ao menos por enquanto. O ponto fundamental é que o Superior Tribunal de Justiça hoje admite a condenação do requerente aos honorários advocatícios em caso de pedido indeferido.
Contudo, o entendimento do Tribunal quanto à existência de honorários no IDPJ não trouxe clareza sobre o critério para sua fixação.
Há, por exemplo, defensores da aplicação do percentual do § 2º do art. 85 do CPC ao valor da causa do incidente, com base na tese repetitiva 1.076, segundo a qual o uso do § 8º do mesmo art., que permite a fixação de honorários por apreciação equitativa, deve ser excepcional e se restringe a duas situações: a) quando o proveito econômico obtido pelo vencedor é inestimável ou irrisório; ou b) quando o valor da causa é muito baixo.
Cito, como exemplo, julgado da 3ª turma do STJ:
"(...) A análise do proveito econômico não deve ser descolada da realidade do caso concreto. A impossibilidade de mensuração exata não se confunde com caráter inestimável e abre espaço ao arbitramento de honorários sobre o valor da causa, conforme redação expressa do art. 85, § 2º, do CPC. Cabe o arbitramento de honorários tomando-se por base o valor da causa atribuído ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica” (REsp 2.206.918/SP, relator ministro Moura Ribeiro, 3ª turma, julgado em 26/5/2025, DJEN de 29/5/2025).
É crucial, todavia, avaliar o contexto em que foi formado o precedente vinculante referente ao tema repetitivo 1.076 e se ele se aplica adequadamente ao IDPJ. A discussão que originou esse precedente focava na aplicação do § 8º do art. 85 do CPC em demandas com altos valores. As turmas da 1ª Seção frequentemente aplicavam a apreciação equitativa em razão da proporcionalidade e razoabilidade, especialmente em causas envolvendo a Fazenda Pública. Em contrapartida, as turmas da 2ª Seção rejeitavam esse critério, sustentando que um valor elevado não é sinônimo de valor inestimável ou irrisório.
Assim, decidiu a Corte Especial que não se deve descartar a aplicação do § 2º do art. 85 do CPC apenas porque se considera o valor desproporcionalmente elevado.
No entanto, o cerne da questão sobre a fixação dos honorários no IDPJ é outro. O IDPJ visa declarar a responsabilidade patrimonial de um indivíduo, incluindo-o no polo passivo da demanda. Trata-se de uma demanda incidental declaratória, não de uma demanda condenatória, que não terá qualquer impacto sobre o objeto litigioso da demanda originária, muito menos acarretará a sua extinção.
Não há um proveito econômico imediato na aceitação ou na rejeição do incidente. A decisão do IDPJ, na verdade, não afeta diretamente o crédito e não resulta em qualquer quantia para o autor ou o exequente; ela apenas amplia ou não o número de responsáveis pela dívida.
Frequentemente atribui-se ao IDPJ o valor da causa originária, que geralmente corresponde ao total do crédito, mas essa prática se dá pela falta de critérios mais adequados e seguros. Na realidade, esse valor em nada reflete a pretensão (declaratória) do requerente.
Assim, condenar o autor do IDPJ ao pagamento de honorários calculados sobre o total do crédito equivale a confundir diferentes planos jurídicos.
Como disse José Miguel Garcia Medina,
“(...) a causa de pedir nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica é - ou ao menos deveria ser -, a verificação acerca da ocorrência ou não de abuso da personalidade jurídica por aquelas pessoas naturais ou jurídicas que poderão ser incluídas no polo passivo, à luz do art. 50 do CC. A controvérsia, assim, não se relaciona ao valor da dívida que está sendo cobrada na execução correlata, pouco importando, no âmbito do incidente, se aquela é de valor baixo ou vultuoso. O que importa, no incidente, é a comprovação - ou não - de que houve abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. A dívida per se só será objeto de discussão em momento processualmente posterior à procedência do pedido veiculado no incidente, quando a pessoa "desconsideranda" passará à condição de executada, será citada para os fins do art. 827 do CPC e poderá opor embargos à execução nos termos dos arts. 914 e seguintes também do CPC.” (Os honorários de sucumbência em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica devem ser fixados por equidade.1).
A analogia com a exclusão do litisconsorte do processo é inevitável, já que o IDPJ busca ampliar subjetivamente a lide. Como disse o o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no REsp 2.072.206/SP, “Considerando a pretensão resistida, a exclusão de um terceiro é equiparada à sua exclusão desde o início do processo.”
A 1ª Seção do STJ abordou a questão da fixação dos honorários em casos de exclusão de litisconsorte na tese repetitiva 1265, afirmando que, quando a exceção de pré-executividade resulta apenas na exclusão do excipiente do pólo passivo da execução fiscal, os honorários devem ser fixados por apreciação equitativa, conforme o art. 85, § 8º, do CPC/15, já que não é possível estimar o proveito econômico obtido.
Mas diversas decisões do STJ, inclusive das turmas que compõem a 2ª Seção, reforçam essa perspectiva. Cito, por todos, acórdão da 4ª turma do STJ:
“(...) Nos casos em que o acolhimento da pretensão não tenha correlação com o valor da causa ou não permita estimar eventual proveito econômico, os honorários de sucumbência devem ser arbitrados por apreciação equitativa, conforme disposto no § 8º do art. 85 do CPC/15. Precedentes. “(...) Na hipótese, a exclusão dos litisconsortes da lide se deu em decisão interlocutória, antes do julgamento do mérito da demanda, de modo que, não tendo a ação de responsabilidade sido extinta, prosseguindo em face dos demais litisconsortes, o proveito econômico dos réus excluídos deve ser considerado inestimável, impondo-se o arbitramento dos honorários de sucumbência por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/15.” (AgInt no AREsp 2.273.985/RJ, relator ministro Raul Araújo, 4ª turma, julgado em 17/6/2025, DJEN de 8/7/2025.)
Além disso, estabelecer um percentual sobre o valor da causa para a fixação dos honorários, tanto na exclusão quanto na não inclusão de litisconsortes - caso do IDPJ, quando julgado improcedente -, é inviável, pois esse percentual precisaria ser proporcional aos litisconsortes (ou haveria um bis in idem), e não é possível prever quantos litisconsortes serão excluídos ou incluídos durante o processo. O juiz pode excluir um litisconsorte a qualquer momento, por motivos como ilegitimidade ou prescrição, e novos incidentes podem ser apresentados.
Como decidiu a 1ª Seção do STJ, “o número de executados no início da execução pode não corresponder ao número de executados ao final da demanda, inviabilizando o cálculo” (REsp. 2.109.815/MG, relator ministro Herman Benjamin, relator para acórdão ministro Gurgel de Faria, 1ª Seção, julgado em 14/5/2025, DJEN de 1/7/2025.)
Por fim, a aplicação do § 2º do art. 85 do CPC pode desestimular os credores a buscarem legitimamente seus créditos. Se a demanda original for infrutífera, o requerente enfrentará uma dupla penalização: além de não receber o crédito, terá que arcar com valores calculados sobre aquilo que nunca recebeu.
Por tudo isso, entendo que os honorários advocatícios no IDPJ devem ser fixados por apreciação equitativa do juiz, conforme dispõe o § 8º do art. 85 do CPC.
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1 https://www.medina.adv.br/conteudos/publicacoes/honorarios-de-sucumbencia-em-idpj-devem-ser-fixados-por-equidade