O STF decidiu: o rol da ANS é taxativo, ainda que de forma mitigada. Sete votos a favor, quatro contrários.
E, mais uma vez, na hora da dividida entre o plano de saúde e a Constituição, o paciente ficou para trás.
O que espanta não é apenas o resultado. É o caminho. É ver ministros com currículos brilhantes, grandes professores, doutorados aqui e ali, ignorarem o princípio fundante da República: a dignidade da pessoa humana.
Mas eu e você, leitor, e as pedras da rua sabemos que o princípio da dignidade humana está lá, no art. 1º, inciso III, da CF. Não é rodapé. É pedra angular.
Onde foi que erramos!?
Mas na hora de decidir, o que pesa mais?
A lógica atuarial dos planos de saúde ou o sofrimento de quem precisa de um tratamento fora da lista?
A resposta do STF veio com: filtros, critérios, e supostas tecnicalidades, não é ministro Barroso?
É, sim, uma maldade jurídica!
Parafraseando o poeta Djavan: "Sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar, saúde à família? Sabe lá? O povo brasileiro sabe muito bem...
Já alguns ministros do STF...
É a colonização do Direito que deixa de ser orientado pela Constituição, mas pela economia, desprezando o direito à vida e à saúde.
Incrível: cinco barreiras para justificar o que deveria ser óbvio: o direito à vida não pode depender do rol ANS.
Ora, a hermenêutica jurídica não é um exercício de vaidade intelectual, mas de responsabilidade democrática.
Interpretar não é escolher o que convém, mas aplicar o que tem o DNA da Constituição.
Conservadorismo do Judiciário
O conservadorismo do Judiciário brasileiro, em regra, é um dos fatores que explicam por que, em momentos decisivos, direitos fundamentais como a dignidade humana são relativizados ou subordinados a lógicas contratuais e econômicas.
Não é apenas uma posição política. É uma postura institucional.
Ou seja, é o poder econômico, na infraestrutura, ditando o que é o Direito e às leis...
É triste. A toda hora assistimos violação de direitos fundamentais com o aplauso dos tribunais.
A propósito, o Judiciário deveria ser o lugar onde os direitos são protegidos, certo? Porém, às vezes, ocorre justamente o contrário.
A Corte se alinha à lógica regulatória e técnica, mesmo quando ela entra em choque com o princípio da dignidade humana.
É uma cultura jurídica elitista, formalista e pouco sensível às desigualdades sociais.
O STF fez o que sabe fazer: deu ao mercado o bisturi e ao paciente a conta. O plano de saúde sorri, o consumidor Tavinho chora.
Por óbvio: esse conservadorismo dos tribunais impacta diretamente a dignidade humana e direitos fundamentais!
Constituição sendo relativizada
O Supremo deveria ser contramajoritário, mas preferiu jogar no campo das operadoras de saúde. E o paciente, mais uma vez, virou exceção.
A exceção que confirma a regra: no Brasil, o direito à saúde é garantido, desde que caiba no orçamento do consumidor Tavinho.
Mas há uma obviedade óbvia: a disparidade entre lucro e cuidados com a saúde!
A dignidade humana não é um adendo. É o centro de gravidade do ordenamento jurídico. E quando ela é esquecida, não há doutorado em Harvard que salve.
Pois então. É a Constituição sendo relativizada em nome da regulação, da técnica, da sustentabilidade, do cálculo atuarial, do deus mercado. Por sinal, fatos notórios não precisam de provas.
Mas vamos lá: O lucro operacional dos planos de saúde médico-hospitalares, no primeiro semestre de 2025 é de R$ 6.3 bilhões. Já o lucro líquido 12,4 bilhões.1
Fantástico, o lucro!
Fragilização do CDC
A decisão do STF revela uma hermenêutica que, sim, favorece os planos de saúde e fragiliza o CDC.
A Constituição garante o direito à saúde como cláusula pétrea. O paciente, sujeito de direitos, virou objeto de regulação.
Perdeu, sim, o consumidor Tavinho! Pois é. O Supremo decidiu que o paciente tem razão, desde que prove, pague, espere e não incomode. O mercado agradece. A saúde, que se vire.
Rol de procedimentos da ANS
A recente decisão do STF sobre o rol de procedimentos da ANS representa um marco regressivo na proteção constitucional do direito à saúde.
Ao impor cinco critérios cumulativos, para que tratamentos não listados sejam cobertos pelos planos de saúde, o Supremo não apenas reinterpretou a lei 14.454/22; ele a remodelou, subordinando o paciente à lógica perversa do mercado.
Vejamos os critérios cumulativos draconianos para que um tratamento fora do rol seja obrigatoriamente coberto:
- Prescrição médica fundamentada.
- Ausência de substituto terapêutico no rol.
- Comprovação de eficácia científica.
- Recomendação por órgãos técnicos nacionais ou internacionais.
- Registro na Anvisa
Traduzindo do juridiquês: se não está na lista da ANS, o plano não paga. E se pagar, é porque o paciente venceu cinco provas de resistência, três pareceres técnicos e um ritual de invocação da Anvisa.
A Corte, sempre preocupada com a segurança jurídica, blindou os cofres das operadoras. O paciente? Ganha o direito de esperar. O médico? Vira consultor de compliance. A saúde? Vira exceção.
O Brasil, que já tem fila para tudo, agora tem fila para provar que está doente. O mercado agradece. O paciente, se sobreviver, pode recorrer.
Ou seja, a Corte não negou o direito à saúde. Apenas o colocou atrás de cinco barreiras. O paciente que aguarde, se puder.
É uma forma de ativismo judicial, onde o Judiciário não invalida a norma, mas a molda segundo sua própria leitura constitucional, o que levanta sérias questões sobre separação de poderes, segurança jurídica e proteção dos direitos fundamentais.
O Supremo decidiu que o rol da ANS é taxativo mitigado. A dor do paciente, não. Mas isso não cabe no acórdão.
Tudo isso, vulnera o CDC, norma de ordem pública, subordina o direito à saúde à lógica mercantil, contrariando o princípio da dignidade da pessoa humana e reescreve a lei por via judicial, o que fere a separação dos poderes.
A justiça é como a serpente: Só morde os descalços
A frase de Eduardo Galeano, “A justiça é como a serpente: só morde os descalços”, tem profundo sentido, especialmente quando analisamos decisões judiciais como essa, que, embora revestidas de legalidade, reproduzem desigualdades estruturais.
É um sistema jurídico que: favorece os poderosos, protegendo interesses econômicos e políticos, penaliza os vulneráveis, que não têm acesso à defesa técnica, tempo, recursos ou influência institucional e aplica a lei de forma seletiva, com rigor para os pobres e flexibilidade para os ricos.
Ao impor critérios técnicos para cobertura de tratamentos, o Supremo cria barreiras para os pacientes que não têm acesso a médicos especializados, laudos robustos ou recursos para judicializar.
Os planos de saúde, por outro lado, são blindados por uma lógica regulatória que protege seu lucro, mesmo diante de necessidades urgentes de saúde.
A justiça, nesse caso, não atua como instrumento de equidade, mas como filtro técnico que exclui os descalços, exatamente como Galeano descreve.
A frase de Galeano, portanto, não é apenas verdadeira: é urgente. E cada decisão judicial que ignora a realidade dos descalços reafirma sua validade.
A justiça, quando aplicada sem sensibilidade social, deixa de ser justiça. Torna-se instrumento de manutenção da desigualdade, travestido de neutralidade técnica.
E quando o guardião da Constituição decide contra ela, o descalço não apenas é picado, ele é silenciado.
Direito fundamental à saúde
A CF/88 consagra o direito à saúde como direito fundamental de aplicação imediata. O CDC, por sua vez, é norma de ordem pública e interesse social.
Ambos deveriam funcionar como escudos contra abusos contratuais e omissões regulatórias.
No entanto, o STF, sob o pretexto de garantir previsibilidade ao setor de saúde suplementar, relativizou esses pilares em nome de uma racionalidade econômica que não encontra respaldo no texto constitucional.
O resultado é uma jurisprudência do STF, que transforma o paciente em requerente de favor e o plano de saúde em ente regulador.
Pode isso?
A hermenêutica da conveniência dos planos de saúde
A decisão revela uma hermenêutica da conveniência, em que o texto legal é moldado à lógica do mercado. O STF impôs exigências não previstas na lei 14.454/22.
O que compromete a segurança jurídica e fragiliza o princípio da separação dos poderes.
O Judiciário, que deveria ser guardião da legalidade constitucional, torna-se produtor de normas.
E o paciente, que deveria ser sujeito de direitos, é convertido em objeto de regulação técnica, ficando refém dos planos de saúde.
O lucro como direito fundamental implícito
A decisão do STF parece inaugurar um novo direito fundamental: o direito ao lucro das operadoras de saúde.
Extraordinário! Tudo pelo plano de saúde!
Enquanto pacientes enfrentam negativas de cobertura, às empresas acumulam lucros bilionários.
A Corte, ao blindar essas práticas com critérios técnicos, legitima a desigualdade e institucionaliza a exclusão.
Não há constitucionalismo possível quando o Judiciário protege o mercado em detrimento da vida.
A dignidade humana não pode ser submetida à lógica da planilha. E o CDC não pode ser tratado como lei facultativa.
A erosão da legalidade constitucional e o risco institucional
A erosão da legalidade não é um fenômeno pontual: é estrutural. Quando o STF decide contra o texto legal, decide contra o pacto republicano.
A Constituição deixa de ser norma dirigente e passa a ser instrumento de gestão empresarial.
O Direito, nesse cenário, é capturado por uma racionalidade econômica que transforma direitos em custos e cidadãos em passivos regulatórios.
A função contramajoritária do Judiciário não é proteger o mercado, é proteger o cidadão contra o arbítrio.
Aliás: O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF). Não é a defesa do plano de saúde...
E quando o arbítrio veste toga, o risco não é apenas jurídico. É institucional. É civilizatório.
Conclusão
A decisão do STF, ao afirmar a taxatividade mitigada do rol da ANS, representa mais do que uma opção hermenêutica: é uma inflexão paradigmática que tensiona os limites do constitucionalismo democrático.
Ao submeter o direito à saúde, cláusula pétrea e expressão máxima da dignidade humana, à lógica restritiva de um rol administrativo, à Corte abdica de sua função contramajoritária e se curva à racionalidade econômica.
A vida não se resume àquilo que está previsto. A dor não aguarda parecer técnico.
E o paciente não pode ser tratado como variável de ajuste. O Supremo, ao decidir, não apenas interpretou.
Escolheu. E ao escolher, revelou que, no embate entre o humano e o mercado, a exceção não é o paciente, é a Constituição.
O lado escolhido foi o do plano de saúde, da previsibilidade econômica.
O da dignidade humana ficou para a próxima sessão.
O rol é taxativo mitigado. A dor, não. Mas parece que o constitucionalismo virou exceção.
E o paciente, mais uma vez, foi deixado na antessala da história!
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1 https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2025/09/02/planos-de-saude-tem-lucro-de-r-63-bilhoes-no-primeiro-semestre-o-maior-em-quatro-anos.ghtml