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Holding familiar e domicílio fiscal: Estratégia patrimonial

O artigo analisa o domicílio fiscal nas holdings familiares, sua base legal, impactos no ITCMD e riscos de mudanças com o PLP 108, destacando estratégias patrimoniais seguras.

18/10/2025

Introdução

No planejamento patrimonial familiar, a constituição de uma holding familiar visa sobretudo estruturar, organizar e proteger os bens da família para permitir maior eficiência na gestão e mobilidade patrimonial. A consequência desejada, mas não o propósito exclusivo, é evitar ou minimizar os efeitos do inventário. Dentro desse horizonte, a escolha do domicílio fiscal mostra-se como ferramenta relevante para redução da carga tributária, sobretudo do ITCMD - imposto estadual sobre transmissão causa mortis e doação), desde que observados os limites legais e constitucionais.

Para fundamentar essa estratégia, é necessário definir o que se entende por domicílio fiscal, diferenciá-lo do domicílio civil, apresentar a faculdade de eleição prevista em lei, contextualizar sua aplicação nas holdings familiares em função do caráter estadual do ITCMD, analisar exemplos práticos e confrontar as consequências de mudanças legislativas iminentes.

Domicílio civil no CC

O conceito de domicílio civil está disciplinado no CC, nos arts. 70 a 78. O artigo 70 estabelece que

“O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo."

O art. 71 complementa:

“Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.”

O art. 72 dispõe:

“É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.""

O art. 73 determina:

“Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.

E o art. 74 prevê:

“Muda-se de domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar."

Esses dispositivos demonstram que o domicílio civil está vinculado ao local de residência habitual ou às atividades da pessoa, servindo como referência para efeitos jurídicos e de competência judicial.

Domicílio tributário e a livre eleição

O domicílio tributário, por sua vez, é regido pelo CTN. O art. 127, caput, dispõe:

“Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, considera-se como tal: I – quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade; II – quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento; III – quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante."

Esse artigo evidencia que o contribuinte pode eleger seu domicílio tributário, salvo se a eleição impossibilitar ou dificultar a fiscalização e a arrecadação. É justamente essa faculdade de escolha que permite a utilização do domicílio fiscal como ferramenta estratégica em planejamentos patrimoniais familiares.

A CF/88, ao estruturar o pacto federativo, veda a criação de barreiras que impeçam a livre circulação de bens e pessoas entre os Estados. Esse princípio impede que os Estados imponham restrições artificiais à migração de domicílio fiscal, reforçando a legitimidade da escolha realizada pelo contribuinte.

Aplicação nas holdings familiares

Nas holdings familiares, o patrimônio da família é transferido para uma sociedade controladora, que passa a deter imóveis, participações e ativos financeiros. A transmissão futura ocorre pela transferência de quotas ou ações, atraindo a incidência do ITCMD.

Como esse imposto é de competência estadual, cada ente federado estabelece suas próprias alíquotas, faixas e regras. Portanto, a eleição de um domicílio tributário em Estado que possua carga fiscal mais favorável pode reduzir de forma significativa os custos da transmissão patrimonial, desde que essa eleição seja real e defensável.

Exemplos de alíquotas: Minas Gerais e Amazonas

Em Minas Gerais, a alíquota do ITCMD chega a cinco por cento, figurando entre as mais altas do país. Já o Amazonas historicamente aplicava alíquota fixa de dois por cento, o que sempre o tornou extremamente atrativo.

Com a LC 269 de 2024, o Amazonas passou a adotar regime progressivo. Até o limite de dois milhões de reais por donatário ou herdeiro, a alíquota continua sendo de dois por cento. Acima desse valor, aplicam-se alíquotas de três ou quatro por cento, apenas sobre a parcela excedente. Essa regra ainda mantém o Estado como uma alternativa vantajosa, principalmente quando o planejamento é estruturado com doações escalonadas ou partilhas entre vários donatários.

O risco do PLP 108 de 2024

Apesar das oportunidades atuais, é preciso estar atento às mudanças em curso. O PLP 108 de 2024 propõe alterações profundas no ITCMD.

Primeiro, estabelece que, nas transmissões de quotas ou ações de sociedades cujo patrimônio seja composto majoritariamente por imóveis, o imposto deverá ser recolhido no Estado onde os imóveis estiverem localizados, e não apenas no domicílio do doador ou do falecido. Isso reduz de forma significativa a margem de escolha do contribuinte.

Segundo, prevê que o domicílio tributário para fins de ITCMD será o local de residência permanente ou o local onde o contribuinte mantém suas principais relações econômicas, vinculadas ao CPF. Essa regra limita diretamente a livre eleição de domicílio fiscal.

Terceiro, autoriza o Senado Federal a fixar alíquota máxima para o ITCMD, criando maior uniformidade entre os estados e reduzindo a concorrência tributária.

Por fim, o projeto determina que a apuração da base de cálculo de quotas e ações deverá ocorrer por metodologia tecnicamente idônea, o que elimina margens de flexibilidade atualmente utilizadas em planejamentos patrimoniais.

Essas medidas, se aprovadas, poderão reduzir drasticamente a atratividade de estados com alíquotas menores, como o Amazonas, e obrigar famílias a revisarem suas estruturas de holding.

Conclusão

A eleição do domicílio tributário continua sendo, no regime atual, uma estratégia legítima para reduzir o impacto do ITCMD em holdings familiares. O CC define o domicílio civil como residência habitual, enquanto o CTN, em seu art. 127, assegura a possibilidade de eleição do domicílio fiscal. O pacto federativo, por sua vez, garante que os Estados não podem criar barreiras artificiais contra essa escolha.

Exemplos como Minas Gerais, com alíquota de cinco por cento, e Amazonas, que mantém a faixa de dois milhões de reais tributada a dois por cento, demonstram o quanto a definição do domicílio pode impactar o resultado final de um planejamento patrimonial. Entretanto, diante das mudanças propostas pelo PLP 108 de 2024, que tende a restringir a eleição e vincular a tributação ao local dos imóveis e ao domicílio efetivo, torna-se urgente avaliar e implementar estruturas de holding familiar enquanto o regime atual ainda permite flexibilidade.

A tendência é que o futuro exija modelos de holding familiar cada vez mais avançados e o acompanhamento constante de profissionais habilitados, para que as famílias possam manter segurança jurídica e eficiência patrimonial mesmo diante de um cenário legislativo cada vez mais restritivo.

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BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 30 set. 2025.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 30 set. 2025.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 set. 2025.

AMAZONAS. Lei Complementar nº 269, de 23 de dezembro de 2024. Dispõe sobre o ITCMD no âmbito do Estado do Amazonas. Diário Oficial do Estado do Amazonas, Manaus, AM, 23 dez. 2024.

MINAS GERAIS. Lei nº 14.941, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre o ITCD no âmbito do Estado de Minas Gerais. Diário Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 30 dez. 2003.

BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024. Dispõe sobre normas gerais do ITCMD. Disponível em: https://www.camara.leg.br/. Acesso em: 30 set. 2025.

Bruno Couto Rocha
Advogado especialista em Planejamento Patrimonial e Holding Familiar, membro diamante do Time Holding Brasil, atua na defesa do contribuinte e proteção do patrimônio.

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