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Sinergia entre mediação e arbitragem gera acordos mais rápidos e seguros

Mediação e arbitragem se complementam como métodos híbridos de solução de conflitos, promovendo acordos eficazes por meio de técnicas colaborativas e sigilosas.

9/10/2025

A mediação extrajudicial e a arbitragem são métodos consensuais de resolução de disputas na sua originação, ou seja, ambos necessitam da concordância prévia das partes conflitantes para acontecer. No entanto, essas vias resolutivas se bifurcam (e podem voltar a se encontrar mais adiante) dado o viés adversarial versus colaborativo de um e outro mecanismo. Nada obsta, e em muitas situações é altamente recomendável, que tais remédios sejam ministrados de forma gradual e mesmo concomitante como é o caso das cláusulas ditas “escalonadas” (exemplos: mediação/arbitragem, negociação/mediação/arbitragem ou dispute board/arbitragem). 

Além dessa hipótese, mesmo diante da ausência de previsão contratual do uso de um modelo híbrido, o painel arbitral pode recomendar a mediação entre uma fase e outra da arbitragem nas chamadas “janelas de oportunidade”. 

A mediação também pode acontecer no curso da arbitragem por iniciativa dos próprios litigantes, ciosos quanto ao desfecho do caso. Em qualquer situação, os chamados mixed-methods (métodos combinados) devem funcionar de forma autônoma e limitada ao escopo e à natureza de cada procedimento. Uma mediação incidental, por exemplo, goza de total confidencialidade, não sendo lícito permear informações e propostas trocadas com o mediador caso o procedimento arbitral tenha continuidade por conta de uma negociação frustrada. Tampouco, o mediador poderá ser convocado para auxiliar os árbitros no julgamento do caso.  

Por outro lado, técnicas especiais de resolução de conflitos via arbitragem podem ser adaptadas para o ambiente da mediação. Com efeito, uma das possibilidades para destravar uma mediação truncada é, com autorização prévia de ambas as partes, o próprio mediador ou mediadora apresentar uma proposta daquilo que, ele ou ela, venha a entender como aquela minimamente aceitável por ambas as partes conflitantes. 

Tal verdadeira “bala de prata” é algo a ser usado como último recurso, como muita parcimônia, dado o risco (desastroso) de quebrar a confiança da parte que se julgar não validada na proposta e, assim, inviabilizar o prosseguimento da mediação. Para mitigar esse risco, conforme artigo da American Arbitration Association1, a proposta do mediador deve ser apresentada sigilosamente a cada uma das partes que somente poderão aceitar ou rechaçar a proposição nos seus exatos termos; se uma delas recusar, não haverá acordo e a mediação terá continuidade ou será encerrada.

A partir dessa técnica é possível criar outra alternativa. O mediador pode solicitar, ao revés, que cada uma das partes formule um termo de acordo, pronto para ser assinado. Previamente o mediador compartilhará sua avaliação quanto aos interesses e pretensões de ambas as partes para que estas reflitam a respeito e formulem propostas que cubram todos esses pontos. Ou seja, esse diagnóstico servirá como guia, como norte, na hora de formular a minuta de acordo. Obviamente, nenhuma dessas proposições é compartilhada entre os mediados, permanecendo apenas de conhecimento e uso exclusivo do mediador. 

A inspiração para se aplicar parcialmente essa técnica no âmbito da mediação vem do procedimento arbitral quando o painel utiliza a FOA - final offer arbitration onde cada uma das partes elabora um projeto de sentença e repassa aos árbitros. Dependendo do regulamento de cada câmara, o tribunal deve acatar uma ou outra proposição sem criar uma alternativa intermediária. A ideia é incentivar as partes a apresentar propostas razoáveis e equilibradas, já que posições extremas têm menos chance de serem escolhidas.

O propósito desta metodologia no contexto da mediação é incentivar que cada conflitante passe, minimamente, a pensar com a cabeça do outro e assim aproximar as pretensões até então repelidas sumariamente. A tendência é que faça uma proposta mais sensata e auxilie o mediador no encaminhamento de uma solução definitiva.

Ademais, o cruzamento dessas proposições facilita a tarefa do mediador, tornando mais claros os pontos de real divergência e de intersecção plasmados de forma bastante objetiva pelos proponentes. Se houver mais convergência do que discordância, o acordo estará muito próximo de acontecer. Caso contrário, aí sim o mediador poderá usar sua última cartada e apresentar uma proposta de transação, inspirada nas alternativas vislumbradas pelos mediados, já que o mediador não pode impor à uma parte a proposta de acordo nos exatos termos recebidos da outra como ocorre na FOA.

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1 https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=68e9112d-3e99-4fb3-bdd4-2a3a29eda547&utm_source=Lexology+Daily+Newsfeed&utm_medium=HTML+email+-+Body+-+General+section&utm_campaign=Lexology+subscriber+daily+feed&utm_content=Lexology+Daily+Newsfeed+2025-07-02&utm_term=

Ricardo Dornelles Chaves Barcellos
Advogado e Mediador com 35 anos de experiência na resolução conflitos empresariais, disputas societárias, questões variadas de responsabilidade civil, contratos e direito imobiliário.

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