O CPC adotou a ideia de um contraditório substancial para garantir que as partes possam influenciar os resultados das decisões judiciais e do próprio processo e evitar a prolação de decisões surpresa.
Devido a esse contraditório dinâmico, o Código estabelece, por exemplo, que não se pode proferir decisão contra alguém sem que essa pessoa tenha sido ouvida antes (com exceções para tutelas de urgência, tutelas da evidência em determinadas situações e para a expedição de mandado monitório).
Também não se pode fundamentar uma decisão sem que o juiz tenha consultado previamente as partes sobre os fundamentos adotados, mesmo em matérias cognoscíveis de ofício.
O juiz também não pode levar em conta fatos supervenientes sem ouvir previamente as partes.
E não pode desconsiderar a personalidade jurídica sem antes ouvir a pessoa cujo patrimônio se pretende atingir - esse, aliás, é o motivo da existência do incidente de desconsideração de personalidade jurídica.
É igualmente inadmissível decidir contra o beneficiário da decisão impugnada sem que este tenha tido a oportunidade de contestar a reclamação.
O juiz deve ouvir as partes antes de se basear em precedentes judiciais vinculantes.
Deve também analisar todos os argumentos que possam alterar a conclusão do julgamento, pois de que adianta o juiz ter o dever de ouvir uma parte antes de decidir contra ela, se não é obrigado a considerar seus argumentos?
Além disso, a coisa julgada deve respeitar terceiros, não podendo prejudicá-los.
São regras previstas no CPC (arts. 9°; 10; 493, parágrafo único; 933; 135; 989, III; 927, § 1°; 489, § 1°, IV e 506), que dão concretude ao princípio do contraditório sob a ótica substancial ou dinâmica.
Inspirado nessa visão de contraditório, a Corte Especial do STJ decidiu que não pode participar do julgamento o ministro que não assistiu a sustentação oral, resultando em uma modificação em seu regimento interno.
Outro exemplo que reforça o contraditório substancial pode ser encontrado na seguinte tese firmada no julgamento do Tema repetitivo 1.198: "Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova."
Por sua vez, no julgamento do Tema repetitivo 1.306, o STJ adotou uma posição equilibrada, afirmando que a técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida, desde que o juiz, ao reproduzir trechos de decisões ou documentos anteriores, aborde, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento.
No Tema IAC 1, o STJ reafirmou a importância do contraditório antes da declaração de ofício da prescrição intercorrente.
Já no Tema repetitivo 1.000, a tese fixada foi a seguinte: "Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/15."
Por outro lado, várias decisões “mitigam” as regras decorrentes do contraditório, dispensando a consulta prévia antes de decisões declaratórias de incompetência, da falta de legitimidade, da falta de interesse de agir, da falta de um pressuposto processual ou da ausência de um pressuposto recursal.
É comum afirmar que “não há violação ao princípio da vedação de decisão surpresa quando o resultado da lide está previsto no ordenamento jurídico e é um desdobramento natural da controvérsia.”
Também se argumenta que “inexiste julgamento fora do pedido ou decisão surpresa quando a solução adotada possui correlação lógica com os fatos narrados na inicial e o pedido, bem como está inserta no âmbito do desdobramento causal, possível e natural da controvérsia, obtida à luz do ordenamento jurídico vigente, pois a lei deve ser de conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação.”
Muitas decisões também sustentam que “a subsunção jurídica diversa daquela pretendida pela parte não configura surpresa” ou que “o magistrado não está obrigado a intimar a parte para manifestação acerca de cada fundamento jurídico que utilizará em sua decisão.”
Além disso, segundo algumas decisões, a vedação à decisão surpresa não implica que o juiz deva consultar as partes antes de cada solução dada às controvérsias apresentadas, especialmente quando elas já tiveram a oportunidade de se manifestar, tendo sido estabelecido o contraditório.
Há também decisões que afastam a regra do CPC, art. 989, inciso III, “de modo que eventual contraditório se estabeleça após o juízo de procedência fundado em precedente vinculante e/ou reiterada jurisprudência da Corte em torno do paradigma.”
E são bastante comuns julgados segundo os quais o magistrado não está obrigado a rebater os argumentos das partes se tiver encontrado motivos suficientes para embasar a decisão.
Não se pode dizer que a jurisprudência tenha dado as costas ao contraditório. Há decisões que prestigiam e decisões que mitigam o princípio. Como bem disse um querido amigo, “mudanças nesse sentido ocorrem lentamente, como navios que se movem em direções opostas.”
Mas é necessário enfatizar que a observância do contraditório não é opcional. Portanto, é crucial permanecer vigilante e atuar de forma combativa para garantir que o princípio e as regras que dele derivam não sejam comidos pelas beiradas, como um prato de sopa.