O mérito, mérito da causa ou objeto litigioso representa a questão principal do processo.
Há divergências significativas na doutrina sobre o conceito de mérito, tanto em contextos estrangeiros quanto nacionais. Enquanto alguns entendem que o mérito é definido pelo pedido, outros o veem como a combinação entre a causa de pedir e o pedido. Há também aqueles que relacionam o mérito às questões de direito material, além dos que incluem no mérito os contradireitos do réu, como a compensação e a exceção de contrato não cumprido.
Para Schwab, a solicitação da decisão jurisdicional, assim descrita no pedido do autor, vale dizer, o pedido, constitui o objeto litigioso do processo. A causa de pedir não integra o objeto litigioso do processo, servindo apenas para individualizá-lo em alguns casos.
Partirei do pressuposto de que o mérito é fixado pela pretensão deduzida no pedido (pedido do autor, pedido contraposto e pedido do reconvinte), sem desconsiderar a importância de outros elementos para a delimitação e o desfecho da atividade jurisdicional.
Antes de resolver o mérito, o juiz aprecia as chamadas questões prévias. Prévia é qualquer questão cuja análise deve preceder ao exame de outra - de mérito ou não.
Conforme Barbosa Moreira e Thereza Alvim, as questões prévias podem ser classificadas como preliminares ou prejudiciais de acordo com o tipo ou o teor da influência exercida sobre as questões posteriores. Barbosa Moreira ainda observa que “a solução de determinada questão pode influenciar a de outra: (a) tornando dispensável ou impossível a solução dessa outra; ou (b) predeterminando o sentido em que a outra há de ser resolvida”.
Dinamarco também se refere às questões de mérito como distintas do mérito. Nessa linha, Henrique Mouta e Vinicius Lemos dizem que os pontos da causa de pedir e das contraposições argumentativas entre autor e réu são questões de mérito.
Manterei, porém, o trinômio cognitivo formado por preliminares, prejudiciais e mérito.
A palavra preliminar, etimologicamente, deriva de "prae" (antes) e "limen" (soleira), ou seja, é o que vem antes do limiar, do limite, da fronteira. Já a palavra prejudicial deriva de "prae" (antes) e "iudicium" (julgamento), referindo-se a um juízo prévio.
No processo, as preliminares condicionam a apreciação de outra questão, mas não influenciam seu resultado. Por exemplo, a alegação de falta de capacidade de ser parte e a alegação de falta de interesse de agir condicionam a apreciação do mérito.
As questões prejudiciais, por outro lado, não condicionam a apreciação de uma questão, mas influenciam seu resultado. Por exemplo, a alegação de inexistência da relação jurídica contratual na contestação influencia o teor da decisão sobre o pedido do cumprimento do contrato.
A propósito, a prescrição e a decadência devem ser consideradas prejudiciais ao mérito ou prejudiciais de mérito. Como disse Leonardo Greco, “o juiz não decide principaliter a decadência ou a prescrição, mas como fundamento da improcedência do pedido, o que já estaria abrangido pela hipótese de acolhimento ou rejeição deste.”
A prescrição e a decadência resultam em decisão de mérito: sentença - apelável, caso o juiz reconheça e ponha fim à fase de conhecimento ou extinga a execução; ou decisão interlocutória - agravável, caso o juiz rejeite a alegação ou acolha a alegação quanto a um dos pedidos.
Já as questões atinentes aos requisitos de admissibilidade, como as condições da ação e os pressupostos processuais, são geralmente consideradas preliminares ao mérito, pois normalmente condicionam a apreciação do mérito, sem influenciar o teor da decisão.
Além disso, as preliminares ao mérito frequentemente dizem respeito a matérias processuais de ordem pública, mas nem toda preliminar pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição ou declarada de ofício. Por exemplo, a convenção de arbitragem deve ser alegada pelo réu na contestação, sob pena de renúncia ao juízo arbitral, sendo vedada a atuação judicial sem que haja tal provocação.
Quanto às prejudiciais ao mérito, algumas podem ser conhecidas de ofício e alegadas a qualquer tempo, como a prescrição e a decadência legal (a decadência convencional não pode ser conhecida de ofício, mas pode ser alegada em qualquer momento). Já outras dependem necessariamente da provocação do interessado, como a relação de filiação em ações de alimentos ou petições de herança.
Segundo o art. 489, incisos II e III, do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz aprecia as questões de fato e de direito, e no dispositivo, resolve as questões principais submetidas pelas partes. As questões de fato e de direito normalmente correspondem às questões prévias ao mérito (preliminares - se ainda não foram apreciadas - e prejudiciais), enquanto as questões principais referem-se ao mérito (os pedidos).
A resolução da questão de mérito no dispositivo da sentença é coberta pela coisa julgada material (caput do art. 503 do CPC). Já a apreciação da questão prejudicial em relação ao mérito pode transitar em julgado, desde que estejam presentes os seguintes requisitos: a) dessa resolução depender o julgamento do mérito; b) a seu respeito tenha havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; c) o juízo tenha competência em razão da matéria e da pessoa para resolver a questão prejudicial como se fosse uma questão principal; e d) a resolução da prejudicial ocorra em processo sem restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento de sua análise (§§ 1º e 2º do art. 503 do CPC).
Vale ressaltar que nos recursos as preliminares são constituídas pelos pressupostos recursais e condicionam a apreciação do mérito recursal – o conhecimento ou não do recurso. Já as questões prejudiciais geralmente dizem respeito à existência de error in procedendo (decisão considerada ilegal) ou error in judicando (decisão considerada injusta) e influenciam o resultado do mérito recursal – o provimento (com a declaração de nulidade ou a reforma da decisão recorrida) ou o não provimento do recurso.
Por consagrar o princípio da primazia do julgamento do mérito, o CPC permite a quebra da ordem tradicional de apreciação das questões.
Segundo art. 488 do CPC, “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485” (e no mesmo sentido é o § 2º do art. 282 do CPC, segundo qual, “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”).
É importante destacar que o próprio Código apresenta a condicionante “desde que possível,” pois nem todos os óbices processuais são removíveis. O juiz não deixará de declarar a incompetência absoluta, a falta da capacidade de ser parte do autor, a ilegitimidade para a causa ou a falta do interesse de agir, para julgar o pedido improcedente; mas, por exemplo, “se a petição inicial for inepta, em razão de o pedido ser indevidamente indeterminado, e o réu tiver razão (por exemplo, em razão da prescrição), o juiz pode julgar improcedente o pedido” (Fredie Didier).
A importância do dispositivo é enorme, mas costuma passar despercebida. Ao autorizar a apreciação de questões prejudiciais antes das questões preliminares, privilegiando a resolução do mérito, o art. 488 contribui para desobstruir o fluxo processual e potencializar a eficácia da Justiça.