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Um novo e democrático tribunal do júri (II)

Durante o Governo Itamar Franco, o anteprojeto do procedimento do Júri foi convertido no Projeto de Lei que, na Câmara dos Deputados, tomou o número 4.900/95 e recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado pelo Deputado Ibrahim Abi-Ackel.

23/7/2008


Um novo e democrático tribunal do júri (II)

René Ariel Dotti*

1. A exposição de motivos do Ministro da Justiça

Durante o Governo Itamar Franco, o anteprojeto do procedimento do Júri foi convertido no Projeto de Lei que, na Câmara dos Deputados, tomou o número 4.900/95 e recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado pelo Deputado Ibrahim Abi-Ackel. A Exposição de Motivos, assinada pelo Ministro Alexandre Martins, foi redigida nos seguintes termos:

"A proposta insere-se num elenco de medidas de alteração ao Código de Processo Penal, destinadas a proporcionar maior celeridade e eficácia à prestação jurisdicional penal. Cabe ressaltar que sua elaboração é fruto de estudos realizados por Comissão de juristas constituída por este Ministério, mediante a Portaria nº. 349, de 16 de setembro de 1993. É de se destacar, ainda, a colaboração da Confederação Nacional do Ministério Público, da Associação Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, na forma de sugestões para o aprimoramento do texto básico.

O Projeto pretende proporcionar uma profunda alteração no procedimento relativo ao Tribunal do Júri. Quanto às características das disposições alteradas, bem como das razões que as fundamentam, entendo por oportuno e esclarecedor transcrever alguns tópicos do relatório oferecido pela citada Comissão:

O tribunal do júri, clássica instituição democrática, foi expressamente mantido pela Constituição de 1988 (clique aqui), assegurando-se-lhe a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5.º, XXXVIII). A redação do texto deixa claro que tal competência poderá ser ampliada para outros tipos de infração penal. Ressalta de tal conclusão a necessidade de aprimorar-se a atuação do tribunal popular, modernizando e simplificando o procedimento, além de conferir-lhe maior eficácia.

O Projeto caracteriza-se pelos seguintes aspectos:

Estas, Senhor Presidente, são as razões das sugestões de alteração do procedimento seguido pelo tribunal do júri, destinadas a compatibilizá-lo com as exigências de celeridade e eficácia, em proveito de uma melhor prestação da justiça.

"Dada a relevância da matéria e sua repercussão na prestação jurisdicional penal, há especial interesse deste Ministério em sua rápida aprovação. Permito-me, assim, sugerir a Vossa Excelência, no caso de sua aceitação, a utilização da faculdade concedida pelo parágrafo 1º do artigo 64 da Constituição Federal, com a remessa de mensagem ao Congresso Nacional, solicitando urgência na sua tramitação"1.

2. Da acusação e da instrução preliminar

Antes das notas a respeito da pronúncia, é importante observar a radical mudança da instrução judicial que antecede o juízo de admissibilidade da acusação para submeter o réu ao Tribunal do Júri. Como é sabido, uma das usinas de prescrição nos procedimentos dos crimes dolosos contra a vida consiste na irrazoável demora da instrução judicial, que é a mesma do processo comum. Com o novo diploma, há sensível redução de prazos, em especial para a audiência concentrada da instrução, que colherá, se possível, as declarações do ofendido; as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa; esclarecimentos dos peritos, acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas. O interrogatório passa a ser o último ato, ao contrário do sexagenário sistema, quando o acusado vai responder sobre o fato imputado mas sem o conhecimento da prova testemunhal que ainda será produzida perante o Juiz. Onde, nesse caso a garantia do contraditório e da ampla defesa?

Ao atender ao princípio da concentração, a audiência única institui o valoroso princípio da identidade física do juiz adotada no processo civil, mas que, paradoxalmente, não existe no processo penal. Isso acarreta o grave resultado prático da rotatividade, nociva de juízes e promotores, à medida em que o processo vai se fragmentando em audiências descontínuas e distantes no tempo.

Tanto o prazo de 10 dias para inquirição de testemunhas e realização de diligências requeridas pela partes, como o encerramento da audiência de instrução no mesmo dia, constituem marcas registradas dessa mudança de cultura forense, quando o retardamento da instrução decorre das mazelas da administração, ou seja:

a) a deficiência de quadros funcionais

b) os juízes, promotores e serventuários tardinheiros. Ou por obra da chicana do defensor antiético. E quanto ao tempo de registro dos depoimentos, o Tribunal do Júri de Curitiba tem dado boas respostas com a gravação simultânea. Um exemplo relevante vem da prática da Justiça Federal: vários depoimentos são colhidos no mesmo dia, em pouco espaço de horas, em face desse método. Afinal, a colheita da prova oral precisa sair do tempo da carroça.

Nenhuma necessidade justifica o sistema atual das alegações escritas apresentadas após o rosário burocrático de termos, atos e intimações. Os julgados de improcedência da denúncia (ou queixa) e de absolvição sumária são raríssimos. A rotina judiciária é a pronúncia, quer pelo convencimento como pelo mito da imaginária "dúvida em favor da sociedade". Alegações orais em vinte minutos para cada parte, prorrogáveis por mais dez, são suficientes para o resumo da prova e do pedido. Afinal, a instrução e as razões devem ter os seus momentos altos perante os juízes naturais da causa. O debate ganha em dinamismo e verossimilhança, ao contrário do modelo atual que, geralmente, estimula a retórica e a releitura da prova testemunhal feita perante a autoridade policial e o juiz togado, que não irão decidir o caso.

O art. 412, estabelece que o procedimento "será concluído no prazo máximo de 90 dias". Possível? Impossível? Depende, é evidente, das condições humanas e materiais dos juizados. Mas é elementar que a especialização das varas criminais e o empenho dos magistrados podem dar uma resposta satisfatória a essa expectativa. O juiz não é apenas o gestor da prova; ele também deve ser o fiador da razoável duração do processo e o empregador dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

3. A pronúncia, impronúncia e absolvição sumária

Atendendo às exigências da boa doutrina e à estável jurisprudência dos tribunais, a nova orientação quanto à pronúncia evita o excesso de linguagem do prolator, que assume papel típico do acusador quando analisa minuciosamente a prova para excluir as hipóteses de negativa de autoria (ou participação), exclusão de crime e isenção de pena. O § 1.º do art. 413 declara que "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria". Nada mais é preciso.

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1 Separata do Projeto de Lei n.º 4.900, de 1995. (Mensagem n.º 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995

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*Advogado do Escritório Professor René Dotti









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