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Crime bárbaro do Guarujá reacende debate em torno da responsabilização do provedor de internet

Marco civil só prevê responsabilização em caso de cenas de nudez e sexo de caráter privado e desobediência a ordem judicial.

9/5/2014

Pelo texto dos arts. 18 e 19 da lei 12.965/14, o chamado marco civil da internet, a responsabilização civil do provedor decorrente de conteúdo gerado por terceiros ocorre apenas em caso de descumprimento de ordem judicial. A única exceção está prevista no art. 21, e trata de publicações que envolvam “nudez ou atos sexuais de caráter privado”, para as quais o provedor deve remover o conteúdo independentemente de ordem judicial, bastando o requerimento do interessado.

Por ocasião dos debates antecedentes à aprovação do texto muitos especialistas apontaram discrepância entre a solução encontrada pela lei e a jurisprudência do STJ, para quem a simples notificação de conteúdo inadequado apontada por usuários seria suficiente para a responsabilização do provedor em quaisquer casos – além do perigo de destruir reputações, assinalavam a contramão histórica na judicialização de conflitos que até então vinham sendo resolvidos em larga medida extrajudicialmente.

Ao excluir os provedores da responsabilidade pelo conteúdo gerado por terceiros, o legislador preocupou-se, claramente, com o perigo de cercear a liberdade de expressão, buscando evitar quaisquer espécies de interferências nas publicações dos usuários, na tentativa de confirmar a rede mundial de computadores como um espaço livre para a manifestação do pensamento, sem censura. Algumas vozes esparsas questionaram o perigo do“assassinato de reputações”, mas os argumentos não chegaram a prosperar.

Página de terceiro no facebook teria incitado à prática de crime

O caso bárbaro de violência ocorrido no Guarujá há poucos dias a partir de incitação veiculada por página no facebook reavivou o debate.

Em desabafo feito ao portal de notícias Agência Brasil e exaustivamente reproduzido por diversos veículos de comunicação, o advogado da família da vítima culpou expressamente o administrador da página pelo crime: “Fabiane morreu em virtude, principalmente, da leviandade do administrador da página [Guarujá Alerta] que disseminou falsos boatos e alarmou toda a comunidade de Morrinhos [bairro onde Fabiane morava com o marido e as duas filhas]. E continuou: “É necessário aprovar legislação específica para casos de utilização da rede social de forma irresponsável que causem dano efetivo à integridade física ou à vida de alguém”,noticiando ter sido procurado por um parlamentar que pediu sua colaboração para elaborar um projeto de lei com a proposta.

A fala do advogado remete a outra relevante questão, a responsabilidade da pessoa física, usuária da internet, que não mede as consequências do que escreve, ou em outras palavras, que desborda dos limites da liberdade de expressão para passar à prática de ofensas e pior, como se deu no triste caso, à incitação de crimes ainda mais graves.

É sabido que o medo não é um bom conselheiro, razão pela qual os penalistas cuidadosos não recomendam a alteração legislativa sob forte impacto de crimes bárbaros. Comoção social à parte, baixada a fumaça pode ser necessário ao jurista voltar o olhar à origem do fogo.

Há poucas semanas, em artigo veiculado por este informativo logo após a sanção presidencial à lei 12.965/14,o advogado João Azeredo, especialista em Direito Digital do escritório Moraes Pitombo Advogados, havia destacado que pelo texto do marco civil, “mesmo que o provedor tenha conhecimento do ilícito, ele só será responsabilizado se deixar de cumprir uma ordem judicial específica que determine a remoção do conteúdo” (grifo nosso), chamando a atenção dos juristas para o que seria, talvez, um ponto fraco da lei.

Ontem, em artigo no jornal Valor, o advogado Diego Osegueda foi categórico, afirmando que ao excluir o provedor da responsabilização, “A lei criou uma espécie de inimputabilidade civil: carta branca para os provedores se beneficiarem de suas atividades comerciais”.

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