A 3ª turma do STJ manteve, por unanimidade, a recuperação judicial do Grupo Cândido Mendes, apesar de reconhecer que associações civis sem fins lucrativos não possuem legitimidade para requerer o benefício previsto na lei 11.101/05.
O colegiado entendeu que, diante do estágio avançado do processo e dos efeitos concretos já produzidos, a anulação da recuperação causaria insegurança jurídica e prejuízos desproporcionais a credores e terceiros de boa-fé.
O julgamento do recurso especial foi relatado pela ministra Nancy Andrighi. Ministro Moura Ribeiro estava impedido, e os demais integrantes acompanharam integralmente o voto da relatora.
A decisão manteve acórdão do TJ/RJ que havia deferido o processamento da recuperação judicial das entidades que integram o grupo educacional.
Entenda
A recuperação judicial do Grupo Cândido Mendes teve início em 2020, em meio à grave crise financeira enfrentada pela instituição educacional.
Em maio daquele ano, a juíza de Direito Maria da Penha Nobre Mauro, da 5ª vara Empresarial do Rio de Janeiro, deferiu o pedido de recuperação judicial formulado pela ASBI - Associação Sociedade Brasileira de Instrução, entidade mantenedora da Universidade Cândido Mendes.
Na decisão, a magistrada ressaltou a relevância histórica e social da instituição, fundada em 1902, destacando que, ao longo de mais de um século, a universidade atravessou guerras mundiais, pandemias e sucessivas crises políticas e econômicas, mantendo-se como uma das mais tradicionais do país.
Para a juíza, a atividade educacional exercida pelo grupo justificaria, de forma excepcional, a aplicação dos princípios da preservação da atividade econômica e da função social.
Posteriormente, o deferimento foi questionado por instituições financeiras, mas acabou mantido pela 6ª Câmara Cível do TJ/RJ, que, por quatro votos a um, confirmou o processamento da recuperação judicial.
À época, o colegiado fluminense adotou entendimento segundo o qual associações civis sem fins lucrativos poderiam, em situações específicas, submeter-se ao regime da lei 11.101/05, tese que contrastava com a jurisprudência então consolidada do STJ.
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O caso chegou ao STJ por meio de recurso especial, no qual se discutia justamente a legitimidade das associações para requerer recuperação judicial.
Teoria do fato consumado
No voto, a relatora reafirmou a jurisprudência consolidada da 3ª turma segundo a qual entidades sem fins lucrativos - como associações e fundações - não se enquadram no rol de legitimados para requerer recuperação judicial, já que a lei restringe o instituto a empresários e sociedades empresárias.
O entendimento foi recentemente reafirmado em precedentes envolvendo instituições educacionais.
Ainda assim, Nancy Andrighi destacou que o caso do Grupo Cândido Mendes apresenta características singulares que impedem a simples reversão do processo.
A recuperação judicial tramita há mais de cinco anos, período no qual foram praticados inúmeros atos relevantes, incluindo a aprovação de planos e aditivos por ampla maioria dos credores, pagamentos já realizados, alienação de ativos de elevado valor e reestruturações operacionais em curso.
Segundo a ministra, a invalidação da recuperação neste momento exigiria o desfazimento de todos esses atos, com impacto negativo não apenas para as recuperandas, mas também para credores que confiaram no procedimento e para terceiros que adquiriram bens no contexto da reestruturação.
Diante desse cenário, o colegiado aplicou a chamada teoria do fato consumado, reconhecendo que a restauração da legalidade estrita, após longo decurso do tempo e consolidação de efeitos jurídicos relevantes, poderia gerar consequências mais danosas do que a manutenção da situação vigente.
A relatora ressaltou que a solução adotada não representa alteração da jurisprudência do STJ sobre a impossibilidade de recuperação judicial por associações sem fins lucrativos.
Trata-se, segundo ela, de resposta excepcional às circunstâncias do caso concreto, orientada pela necessidade de preservar a estabilidade das relações jurídicas e reduzir danos sociais e econômicos.
- Processo: REsp 2.042.521