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A face oculta de Euclides da Cunha

Miguel Reale foi um pesquisador que trabalhou a metapsicologia de grandes autores brasileiros, dentre eles Euclides da Cunha, e por isso pode perceber nas obras desse autor o que nem mesmo o próprio Euclides percebeu. Sua “face oculta”, como denominou o Professor Miguel Reale, não é senão a dimensão artística que por toda vida Euclides da Cunha renunciou à segundo plano. Mal sabia o “antimetafísico” que seria exatamente isso, sua prodigiosa dimensão de artista, que o tornaria memorável, ao invés de sua formação científica, seus saberes positivos.

16/7/2009

A face oculta de Euclides da Cunha

O Professor Miguel Reale foi um pesquisador que trabalhou a metapsicologia dos grandes escritores brasileiros, dentre eles Euclides da Cunha, e por isso pôde perceber nas obras desse autor o que nem mesmo o próprio Euclides percebeu. Sua "face oculta", como denominou o saudoso Professor Miguel Reale, não é senão a dimensão artística que por toda vida Euclides da Cunha renunciou à segundo plano. Mal sabia o "antimetafísico" que seria exatamente isso, sua prodigiosa dimensão de artista, que o tornaria memorável, ao invés de sua formação científica, seus saberes positivos.

O que o Professor Miguel Reale faz em seu livro "Face Oculta de Euclides da Cunha" é traçar a linha histórica-conceitual, digamos assim, pela qual passou Euclides da Cunha no que diz respeito à ciência. Histórica porque acompanha Euclides, desde a sua adolescência até a maturidade, com idéias que realmente foram marcantes no decorrer do tempo, pontuando o desenvolvimento do homem, pontuando também o desenvolvimento da ciência. Conceitual porque se tratam de correntes filosóficas, pensamentos que dominaram sociedades em determinadas épocas. Estamos falando do positivismo, do naturalismo científico e do empiriocriticismo.

Tudo isso para apresentar ao leitor um Euclides da Cunha pouco conhecido, o ideólogo, o "homem empenhado em conhecer e agir em razão de idéias e não apenas de interesses", o homem preocupado com as grandes questões acerca da existência e que, em sua busca incansável por respostas, está aberto às idéias, como explicou o próprio Euclides da Cunha : "para a formação imprescindível da consciência, nos voltamos indistintamente para todas as idéias, abrindo com igual interesse e igual curiosidade, todos os livros, ouvindo com igual respeito todas as crenças e tributando igual veneração a todos os sábios".

Apesar das metamorfoses conceituais por que passou, que fez com que Euclides se aproximasse ora de uma corrente filosófica ora de outra, em todas houve um Euclides da Cunha fechado para qualquer coisa que não pudesse ser provado pela experiência : "Absorvido de corpo e alma por esse empenho absoluto de concretude, Euclides acabou se convertendo em um antimetafísico cujas convicções afundavam raízes no seu ser existencial, numa atitude de soberano repúdio a qualquer indagação que de longe tivesse aparência de metafísica, situação esta pouco condizente com a atenção que, embora intermitentemente, não deixava de dar aos problemas da filosofia".

O que estaria por trás dessa postura de Euclides ? Estaria Euclides a salvo das contradições que marcam a existência humana ? Certamente que não. O mesmo Euclides confessou em carta a Coelho Neto em 16 de novembro de 1903 : "então..eu não creio em Deus?! Quem te disse isto? Puseste-me na mesma roda dos singulares infelizes, que usam do ateísmo como usam de gravatas – por chic, e para se darem ares de sábios...Não. Rezo, sem palavras, no meu grande panteísmo, na perpétua adoração das coisas; e na minha miserabilíssima e falha ciência sei, positiviamente, que há alguma coisa que eu não sei"

Até sobre os poemas de Castro Alves, que Euclides focaliza mais sob o espírito científico-histórico do que estético, o "antimetafísico" na sua sinceridade rude chega a confessar que ao ler os versos do poeta condoreiro sentia-se "ante uma grandeza que à primeira vista admira porque não a compreende".

Como considera o Professor Miguel Reale, "talvez se possa dizer que Euclides da Cunha, em última análise, distinguia duas tendências fundamentais em seu espírito, uma, no plano da ciência, reduzindo a filosofia à experiência e às relações positivas; outra, no plano da idealização artística ou da crença, desafiando o sortilégio do inverificável".

Talvez o autor d' "O Sertões" simplesmente não conseguisse compreender o autônomo sentido axiológico da arte, nem sequer o da sua própria e, por isso, esta era uma "face oculta" para o próprio Euclides da Cunha.

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