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Princípio da não surpresa no processo disciplinar da OAB

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Atualizado em 2 de fevereiro de 2023 14:59

O Código de Processo Civil de 2015 inaugurou em sentido estrito o princípio da não surpresa no direito brasileiro. Por certo, com aplicação mais genérica, essa ideia já existia em outras legislações, como previa, por exemplo, o artigo 308 do antigo Código Adjetivo1, lei 5.869/1973.

Na nova regra, todavia, o instituto ganhou destaque na redação do artigo 10:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Não há dúvida que a não surpresa expressa no artigo em comento concedeu nova dimensão ao contraditório, conforme fez constar o Ministro Luis Felipe Salomão em seu voto no julgamento do Recurso Especial n.º 1.755.266, ao afirmar que o direito de se manifestar tornou possível a real influência da parte em todo o processo, afetando assim seu resultado.

Pois bem, o Conselho Federal da OAB, via da resolução n.º 02/2019 de 21/08/2019, promoveu alteração no Regulamento Geral para também inserir o princípio da não surpresa de forma expressa do sistema OAB:

Art. 144-B. Não se pode decidir, em grau algum de julgamento, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar anteriormente, ainda que se trate de matéria sobre a qual se deva decidir de ofício, salvo quanto às medidas de urgência previstas no Estatuto.

Essa alteração na norma legal, em verdade, veio apenas ratificar o quanto já se difundia na jurisprudência administrativa, por aplicação analógica do CPC, conforme precedentes do CFOAB: "(...) Condenação em primeira instância por locupletamento e recusa à prestação de contas (art. 34, XX e XXI, do EAOAB). Absolvição em segunda instância, face ao pagamento dos valores devidos ao cliente e à prestação de contas no curso do processo. Condenação, contudo, pela infração disciplinar de manter conduta incompatível com a advocacia (art. 34, XXV, EAOAB), pelo fato de os advogados responderem a outros processos disciplinares. Condutas essas que não foram objeto de delimitação pelo despacho de admissibilidade da representação nem submetidas ao contraditório durante a instrução processual. Tipificação que somente surgiu com o parecer preliminar, quando não mais era possível aos advogados exercerem o contraditório. Violação do princípio da correlação entre a acusação e a sentença, ou princípio da não surpresa. Tipificação sobre a qual aos advogados não foi dada oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa. Vedação. Precedentes deste Conselho Federal da OAB. Hipótese em que, surgindo nova capitulação, deve ser reaberta a instrução para que o acusado possa exercer o contraditório sobre a nova capitulação surgida no curso do processo disciplinar. Adoção do princípio favor rei, para julgar improcedente a representação. Recurso provido, para julgar improcedente a representação (RECURSO N. 49.0000.2017.002344-6/SCA-TTU. EMENTA N. 070/2018/SCA-TTU. Relator: Conselheiro Federal Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza (PA). DOU, S.1, 24.05.2018, p. 140)".

Como se vê no trecho em negrito acima, o acórdão em referência trata da necessária correlação entre a acusação e a sentença, ou, no processo disciplinar, entre eventual capitulação legal do despacho da admissibilidade ou do parecer da instrução com a condenação. Aqueles devem fornecer à parte a capitulação pela qual está sendo processada, de forma a permitir um contraditório mais apurado e uma condenação previsível.

Por óbvio, referido entendimento também implica no enfrentamento de outros princípios como a independência, a autonomia, a livre apreciação das provas e a livre convicção, todos profundamente atrelados à atividade judicante, temas que tratados superficialmente (clique aqui para ler). Ora, não pode o julgador final do processo, aquele que detém o poder de julgar, acabar atrelado ao quanto se estabeleceu por atores do processo disciplinar que servem para o auxiliar em seu julgamento, razão pela qual essa vinculação obrigacional não é absoluta.

Determina o artigo 59, §7º2 do Código de Ética e Disciplina que o Relator emita o parecer da instrução onde deve realizar o "enquadramento legal aos fatos imputados ao representado", ou seja, deverá indicar no parecer quais dispositivos repressivos entende violados pela conduta do representado, sejam do Código de Ética e Disciplina ou aqueles previstos nos 29 (vinte e nove) incisos do artigo 34 da lei Federal 8.906/94.

A partir desse parecer, será o representando convocado à apresentação de suas alegações finais.

Por certo, pode ser que no despacho de admissibilidade tenha a Comissão de Admissibilidade fornecido capitulação legal diferente daquela do parecer da instrução, o que poderia importar, em favor da defesa, no argumento de lesão ao direito resistivo, pois a apresentação da defesa prévia e toda a instrução teriam sido construídas com fundamento na capitulação originária, havendo, portanto, prejuízo em novo enquadramento apenas na manifestação que antecede as alegações finais.

De início, já cumpre apontar que o despacho de admissibilidade não deve conter capitulação legal, pois, como visto, isso engessará o desenvolvimento do processo. Ainda nessa fase embrionária, sem um contraditório pleno, deve prevalecer a ideia de que a parte se defende dos fatos narrados na representação ética a ele imputados e não do enquadramento legal, conforme a regra do artigo 383 do Código de Processo Penal.3

Nada obstante, dificilmente alteração posterior na capitulação da admissibilidade será fato gerador de nulidade, pois com toda instrução pela frente, assim como as alegações finais, raramente haverá prejuízo.

De todo modo, se a defesa entender presente prejuízo em capitulação diferente no parecer da instrução, deverá requerer na primeira oportunidade a reabertura de prazo para defesa sobre as alterações, sob pena de preclusão.

Do mesmo modo, se no julgamento o Relator entender por capitulação diferente daquela fornecida do despacho de admissibilidade e no parecer da instrução, deve abrir vistas ao Representado para que se manifeste sobre a potencial nova capitulação legal, exatamente em respeito ao princípio da não surpresa, conforme tratado anteriormente (clique aqui para ler), todavia, como dito, eventual mácula nessa ordem de eventos processuais não importa em nulidade absoluta, devendo haver prova concreto de prejuízo processual à parte.

*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui. (Clique aqui)

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1 Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.

2 § 7º Concluída a instrução, o relator profere parecer preliminar, a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina, dando enquadramento legal aos fatos imputados ao representado

3 Art. 383.  O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.