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O modelo de produção e consumo e o destino do planeta

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Atualizado em 4 de abril de 2012 10:56

Quatro séculos antes de Cristo, Sócrates foi ao mercado em Atenas e disse: "Como são numerosas as coisas de que eu não preciso". Hoje, frequentando um shopping center o famoso filósofo talvez perdesse sua natural simplicidade e sua imbatível lucidez.

O sistema capitalista que vingou, de produção em massa de produtos necessários mas também supérfluos, inúteis, só cresceu com o passar do tempo. Atravessou o século XX com larga margem de expansão, inclusive com produção de armas e bombas de destruição em massa; ingressou no século XXI produzindo excessivamente e, como diria o filósofo, muitas coisas - milhares! - das quais não se precisa.

No artigo de hoje, meu interesse é a produção excessiva que pôs em risco a sobrevivência do planeta. Essa produção exagerada, que, espoliando e poluindo, destruiu de tal modo o meio ambiente, que já se põe em dúvida a possibilidade de manutenção da vida humana por aqui. Isso não é novidade. É de conhecimento geral. O que eu quero colocar está relacionado a um movimento meramente superficial que engana os consumidores e o público em geral ligado à ideia de sustentabilidade, como se realmente alguma coisa estivesse sendo feita para salvar o planeta. Infelizmente, sou obrigado a dizer que os dados existentes demonstram que não está.

A propaganda de última geração nos diz que sim, mas a verdade está muito longe disso. O marketing "sustentável" apresenta empresas que se dizem respeitadoras do meio ambiente, mas os fatos mostram que a degradação e a poluição continuam em larga escala. E, talvez, nem pudesse ser diferente, pois os modos de produção e de consumo não mudaram. Como é que estaríamos destruindo menos o meio ambiente? A produção crescente tem como base os mesmos agentes poluidores, as mesmas máquinas destruidoras, os mesmos métodos de invasão e deterioração conhecidos desde há muito tempo no sistema capitalista.

Ted Rall diz que "Poluidores industriais, tanto americanos como internacionais, estão em guerra com o planeta, em solo americano e à volta do mundo, ativa e tacitamente apoiados pelos governos Federal, estaduais e locais"1. E, de fato, qual governo seria contra o aumento do consumo, contra o aumento da produção? A equação não fecha, pois o verdadeiro problema é ser a favor desse tipo de produção que despedaça o meio ambiente.

Lamentavelmente, tudo indica que, se o sistema capitalista não mudar e se o modo de consumo não se alterar, a vida no planeta corre riscos à médio prazo. Esse modelo que está acabando com o meio ambiente veio se acelerando em termos de deterioração a partir do término da segunda guerra mundial e cravou fundo no ritmo desenfreado de desrespeito a partir dos anos sessenta/setenta, ingressando no século XXI com uma voracidade destruidora inimaginável. Não adianta nos iludirmos com medidas paliativas e cosméticas vendidas via publicidade: ou realmente muda-se o sistema de produção e consumo ou estaremos perdidos muito mais rapidamente do que prevíamos.

Para que possamos pensar um pouco mais sobre essa avassaladora forma de destruir o planeta e consumir, transcrevo na sequência um texto que circula na internet e que eu modifiquei um pouco. Ele fala da produção e do consumo que existia há poucos anos (trinta/quarenta anos atrás ou menos) e que pode ajudar a nossa reflexão sobre o mundo atual.

Conta-se que, na fila do supermercado, o rapaz do caixa diz a uma senhora idosa que ela deveria trazer suas próprias sacolas para as compras, uma vez que as plásticas eram poluidoras. A senhora pediu desculpas e disse: "Não havia essa onda verde no meu tempo". O caixa, então, teria dito: "Esse é exatamente o nosso problema hoje, minha senhora. Sua geração não se preocupou o suficiente com nosso meio ambiente".

"Será mesmo? Você sabe em que época é que melhor se protegeu o meio ambiente?", respondeu a senhora e depois contou para o rapaz como era o consumo e a preservação ambiental no tempo dela. Veja alguns pontos.

Naquela época, as garrafas de leite, de refrigerante e de cerveja eram devolvidos ao vendedor, que as mandava de volta para a fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reuso. E eles, os fabricantes de bebidas, usavam as garrafas, umas tantas outras vezes. Não se usavam milhões de garrafas pet que agora lotam as matas, os rios e os oceanos e demoram literalmente séculos para se degradar.

Até então, as fraldas de bebês eram lavadas, porque não havia fraldas descartáveis. Nossas roupas eram secadas por nós mesmos, não nestas máquinas bamboleantes de 220 volts. A energia solar e a eólica é que realmente secavam nossas roupas.

As crianças pequenas usavam as roupas que tinham sido de seus irmãos mais velhos, e não se era obrigdo a ficar comprando roupas novas toda vez que elas cresciam um pouco.

Naqueles dias, tínhamos somente um aparelho de televisão e um de rádio em casa e não uma tevê em cada quarto, outra na sala e até na cozinha. Aliás, a tevê tinha uma tela do tamanho de um lenço e não um telão do tamanho de um estádio, que depois será descartado como? E, inclusive, tínhamos que levantar da poltrona toda hora para mudar de canal, aumentar ou diminuir o volume ou arrumar a sintonia, o que já nos permitia queimar algumas calorias, ao invés de ficarmos engordando no sofá e "zapeando" com o aparelhinho procurando alguma coisa para asssitir nos 500 canais oferecidos, que incrivelmente, às vezes, não estão passando nada interessante. Antigamente, se não estivesse passando nada agradável, nós simplesmente líamos um livro.

Subíamos os degraus das escadas, porque as rolantes eram raras e andávamos à pé até a padaria, ao mercadinho, à quitanda e às lojas em geral, ao invés de usarmos nosso potente automóvel com "trocentos" cavalos de potência e bebedor de combustível cada vez que precisamos ir a dois quarteirões de distância.

Na cozinha, tínhamos que bater, amaciar, moer, triturar os alimentos com as mãos porque não vinha tudo embalado (em plástico...) e pronto para uso, nem havia máquinas elétricas, que fazem tudo por nós. Quando embalávamos algo um pouco frágil para o correio, usávamos jornal amassado para protegê-lo, não plástico bolha ou pellets de plástico que duram cinco séculos para começar a degradar.

Naqueles tempos não se usava um motor a gasolina apenas para cortar a grama: era utilizado um cortador de grama que exigia músculos. Espremíamos laranja fresquinha num espremedor de plástico ou de ferro, mas o fazíamos com nossas mãos. Gastávamos energia e tomávamos suco natural ao invés de bebermos das caixinhas plásticas.

Com o gasto calórico que tínhamos com todas essas atividades domésticas e andando pelas ruas, não precisávamos ir à academia correr nas esteiras... elétricas!

Onde é que se colocam todos os produtos "descartáveis" que não se reintegram ao meio ambiente? O que fazer com milhões e milhões de baterias de celulares, de lap-tops, ipods, etc?

Naqueles dias, as pessoas tomavam o bonde ou o ônibus e as crianças iam em suas bicicletas ou a pé para a escola, ao invés de usar a mãe ou outros parentes como um serviço de táxi 24 horas. Tínhamos só uma tomada em cada quarto e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos.

Era uma época em que as pessoas tinham apenas um automóvel e não dois para poder fugir do rodízio (que paradoxalmente foi criado para proteger o meio ambiente...)2.

Ah, nós não precisávamos de um GPS para receber sinais de satélites a milhas de distância no espaço, só para encontrar a pizzaria mais próxima!

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1Manifesto anti-americano, Lisboa: Babel, 2011, p. 83.

2E, com o diria meu amigo Outrem Ego, a respeito desse tema: Terá o rodízio sido invenção da indústria automobilística, ela que adora que as pessoas possuam dois carros mesmo sem precisar?).