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O que é melhor: uma vida social pacata ou uma vida social e de consumo em alta velocidade?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Atualizado em 17 de fevereiro de 2016 10:15

Querido leitor, meu amigo Outrem Ego mudou-se para Portugal. Foi-se agora no fim do ano passado; sua mulher e filhos já estavam por lá há algum tempo. Ele está, pelos vistos, como diz, começando a conhecer o lugar. Como ele é um investigador incansável e observador desconfiado, já me escreveu contando-me muitas coisas. Pois. Disse-me que está principalmente checando questões de consumo e de comportamento social.

Ele me confidenciou que está em dúvida se o que ele tem visto nesses pouco mais de dois meses, é o suficiente para que tome uma decisão sobre comportamento para o consumo. Do que já me contou, eu também ainda não tomei partido, mas divido com você, leitor.

Veja isto: O. Ego já foi avisando que não se tratava de piada: "Não é piada: há quinze dias, Bete e eu fomos a Sintra. Na hora do almoço. O local apinhado de turistas. Vimos ao longe um restaurante simpático, que ficava numa encosta com vista magnífica. Descemos as escadas animados. Chegamos à porta e encontramos a seguinte placa: 'Só funcionamos a partir das 18 horas'. Ou seja, o restaurante fecha para almoço... E nas ruas um monte de gente andando à procura de lugar para comer".

Depois, ele fez a reflexão filosófica que não consegui responder. Disse: "Sabe, o ambiente por aqui é bucólico, às vezes parece parado no tempo. Tem-se a impressão de que está fora do círculo desenfreado do consumo. Mas, será que isso não é bom"?

Nessa linha, ele falou-me de situações muito interessantes, que remetem a tempos mais tranquilos e de confiança. Veja. Perto da casa onde Bete e ele vivem com os filhos, há um mercadinho. Outrem Ego foi fazer algumas compras e na hora de pagar no caixa, havia um senhor, bem idoso, na frente dele. Esse senhor passou algumas frutas e perguntou à moça do caixa: "Quanto estou devendo?". Ela, então, pegou um caderno embaixo do balcão, bem surrado e que estava marcado com letras em cada folha. Procurou a letra ene e foi até "Nuno" em um sobrenome que ele não conseguiu decifrar. Estava tudo escrito a lápis. Depois, a atendente disse: "Com as compras de hoje, o senhor deve dezesseis euros". "Vou pagar tudo". Ela recebeu e riscou os valores que estavam anotados no caderno. Trata-se do famoso e, talvez, extinto, fiado, firmado nas barbas do bigode (sem ironia...). A palavra empenhada valendo para ambos ao lados.

"Antiquado?", perguntei, mas meu amigo respondeu: "Não. Não me parece antiquado, parece-me evoluído. Sei que já existiu em outros lugares e que, talvez, ainda exista aqui e ali, mas veja... Sem burocracia nem desconfiança, é um trato válido e interessante e feito entre pessoas adultas e maduras. Um comércio e uma cidadania de alto nível". Concordei.

Eis, pois, o dilema a ser resolvido: essa pressa e tecnologia do mundo capitalista é mesmo mais interessante que a calma e o movimento mais lento de outrora? Traz mais alegria? Mais bem estar? Mais felicidade? Será que a sociedade e o planeta precisam dessa velocidade para se desenvolver?

Pergunto sobre outro ângulo: e o mundo melhorou por causa dessas mudanças? Há menos miséria? Menos violência? Menos guerras? Menos sofrimento?

Não sei a resposta para a primeira leva de perguntas acima, mas sei as da segunda: nos últimos trinta, quarenta anos ao menos, o mundo não melhorou. Não sei se a culpa é da tecnologia e da velocidade implementadas, mas a esperança que o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe às pessoas, continua sendo esperança, pois em termos numéricos é fácil ver que as respostas são que a miséria, a violência e o sofrimento aumentaram. São muito mais pessoas que sofrem e passam por privações. As guerras? Infelizmente, nunca deixaram de existir.

Quer dizer, que o antiquado é bom? É melhor? Faz bem?

Ficam aí as perguntas feitas por meu amigo Outrem Ego, com seu olhar curioso, na sua experiência lusitana.