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Cinema e direito do consumidor

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Atualizado em 11 de maio de 2016 12:41

Quando ainda estava no Brasil, meu amigo Outrem Ego foi ao teatro com a mulher. Como sempre, ele portava uma garrafa plástica com água. Quando foi entrar na sala, o segurança disse: "A garrafa de água não pode entrar. O senhor tem que jogar fora". Meu amigo não se abalou. Acostumado a lidar com questões sociais com muita elegância, ele disse ao segurança: "Está bem. Mas, por favor, anote aí o número de minha poltrona - e mostrou o ingresso para o segurança. Como eu sou diabético, tenho que beber água a toda hora. Como não posso levar a garrafa, daqui, mais ou menos, uma hora vou passar mal e, talvez, desmaiar". O segurança, então, permitiu que ele entrasse com a garrafa plástica. Não era verdade, mas funcionou.

Conto esse caso porque uma matéria publicada aqui em Migalhas fez-me lembrar1. Com efeito, este poderoso rotativo noticiou que a Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex) ajuizou ADPF (398) no STF contra as decisões que têm considerado inválida a prática adotada pelas salas de exibição que impedem o ingresso de pessoas com alimentos e bebidas comprados em outros estabelecimentos. Segundo a Abraplex, as decisões, que têm aplicado jurisprudência do STJ sobre a matéria, estão causando lesão e restrição à livre iniciativa, "sem base legal específica e em descompasso com práticas adotadas mundialmente no mesmo setor econômico".

Ora, ora, como já mostrei alhures, essa prática de impedir que o consumidor ingresse na sala de exposição do cinema com a pipoca comprada fora do local é abusiva; é uma espécie de operação casada ilegal às avessas2.

Como se sabe, a chamada operação casada ou simplesmente venda casada é uma imposição feita pelo fornecedor ao consumidor. Ela se dá quando o vendedor exige do consumidor que, para ele comprar um produto, tem que obrigatoriamente adquirir outro (o mesmo se dá com os serviços).

Algumas dessas operações são bem conhecidas. Dentre elas estão certas imposições feitas por bancos para abrir conta ou oferecer crédito, como, por exemplo, somente dar empréstimos se o consumidor fechar algum tipo de seguro (residencial ou de vida). Outro exemplo é o do comerciante que só serve a bebida no bar se o consumidor comprar um prato de acompanhamento, etc.

No caso dos cinemas, há uma particularidade que deve ser levada em consideração primeiramente: o expositor pode, caso queira, impedir que o consumidor coma dentro de sua sala de exposição (penso que não pode, de modo algum, impedir que o consumidor porte garrafa plástica de água, bem essencial e pode ser necessário a critério do próprio consumidor). Se não quiser que se coma nas salas pode, assim, impedir que o consumidor ingresse com alimentos. Mas, se permite que o consumidor assista ao filme comendo a alimentação que ele próprio vende, não pode negar-se a deixar que o consumidor ingresse com o que adquiriu do lado de fora. Trata-se de uma prática abusiva casada às avessas, pois quer forçar o consumidor a comprar os produtos vendidos no local.

Além do que, é antipático e improducente. A maior parte dos consumidores compra sua pipoca, doces, chocolates, sorvetes e refrigerantes ali mesmo porque é mais prático.

Ademais, o argumento de que o abuso é praticado em outros lugares do mundo é pífio. No Brasil nós temos sim lei que proíbe a prática: o Código de Defesa do Consumidor (artigos 39, "caput" e incisos I e V e também art. 51, IV). Se em outros lugares abusam, vamos ensiná-los como se faz, não é?

Aliás, já que estou tocando no assunto das salas de exposição dos cinemas, lembro também algo dito por meu amigo O. Ego. Ele disse que uma evolução das relações expositor-público, seria, de algum modo, dar o direito ao consumidor de receber o valor do ingresso de volta toda vez que o filme exibido for de má qualidade, pois há muita oferta enganosa e porcarias sendo exibidas: a pessoa só percebe que o filme não presta quando o assiste, "obviamente".

E, de fato, sou obrigado a concordar, pois, por causa dele, fui obrigado a sofrer numa sala de exposições. Tudo começou quando ele me contou o seguinte: "Passei por uma experiência horrível. Minha filha queira ir ao cinema com uma amiga. Eu me propus a leva-las. Duas adolescentes e eu. Íamos assistir ao filme "Alvim e os esquilos 4". Mas, lá chegando, o horário não batia. Daí, elas viram um cartaz com o Zac Efron, astro juvenil, que fazia papel de neto, cujo avô era interpretado por Robert de Niro. Bem, topei. O título em Portugal era simpático: "Um avô muito a frente" (e enganoso...). Muito bem. Foi o pior filme que eu já assisti na minha vida! E, infelizmente, como levara uma amiga de minha filha, não consegui tirá-las da sala de projeção antes de terminar. Fui obrigado a ir até o fim com náuseas e até hoje ainda reflito no mal que o filme deve ter feito à minha filha (e aos demais adolescentes...)".

Como ele sabe que gosto muito de filmes, pediu que eu assistisse e comentasse. Dei minha palavra e fui até o fim (é a primeira vez que faço isso num filme ruim. Nos demais, simplesmente levanto-me e vou embora). Ruim? Muito mais. O nome no Brasil já antecipava a catástrofe: "Tirando o atraso" (Do original "Dirty Grandpa"). Foi o pior filme que eu já assisti: sexista, homofóbico, racista, escatológico, imbecil, repleto de grosserias e perversões. Faltam adjetivos. Um lixo! Robert de Niro, em fim de carreira, levantando uns trocados para fazer aquilo. Uma vergonha! E o jovem Zac Efron que até prometia - é um bom cantor - está continuando muito mal a carreira. Eu nem sabia que se pudesse fazer algo tão estúpido!

Bem, com esse resumo de terror, retorno à questão dos expositores e do direito do consumidor. Várias vezes o espectador devia ter o direito de dizer: "Quero meu dinheiro do ingresso de volta"! Seria o mínimo num filme execrável como este. Porque indo até o fim, é quase caso de indenização por danos morais.

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2 Falo em operação casa "ilegal" porque existem operações casadas legais.